O governo federal planeja cortar pela metade o orçamento do Minha Casa Minha Vida (MCMV) para 2020. Pelo menos é o que consta na proposta orçamentária para o próximo ano, que prevê reserva de R$ 2,71 bilhões para o programa, ante os R$ 5,4 bilhões de 2019. Em 2015, o investimento chegou à casa dos R$ 20 bilhões, apenas a título de comparação.
Este não é o primeiro sinal de alerta para o programa de habitação social, que já sofreu atrasos nos pagamentos e não deve ver novas contratações serem firmadas em um futuro próximo -- pelo menos não com recursos da União. O orçamento previsto para o próximo ano deverá custear apenas as obras já em andamento, e os R$ 450 milhões em subsídio liberados para 2019 dentro das faixas 1,5 e 2 do programa (para famílias com renda de até R$ 2,6 mil e R$ 4 mil, respectivamente) já foram utilizados.
Nem mesmo a portaria publicada no último dia 10 de setembro pelo Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), que autoriza o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) a bancar 100% dos subsídios destas faixas (antes este limite era de 90%), garante fôlego ao MCMV. Isso porque ela limita-se a contratações realizadas ainda em 2019, ano que se encerra em menos de quatro meses.
“Esta portaria apenas complementa a de número 7, que limitava a participação da União em R$ 450 milhões em 2019. Ou seja, ela deixa claro que agora [todo o recurso] vem do FGTS, que até dezembro não precisaremos mais depender da União para fazer par com os recursos do fundo [no subsídio], o que era um estresse para o setor”, resume Carlos Henrique de Oliveira Passos, presidente da Comissão da Habitação de Interesse Social da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). “Quando virar a chave para 2020, em tese voltaremos a contar com a participação entre União e FGTS para sustentar [o subsídio]”, acrescenta.
Mas este futuro ainda está incerto. Durante o Fórum da Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), realizado na última sexta-feira (13), o ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, adiantou que a previsão para o próximo ano é a de que o governo deverá manter o uso integral do FGTS para subsidiar as faixas 1,5, 2 e 3 do programa. Desta forma, a verba do Tesouro passaria a subsidiar exclusivamente os imóveis da faixa 1, que recebem até 90% de subsídio e se destinam a famílias com renda até R$ 1,8 mil.
Tais discussões, no entanto, ainda estão em curso entre a Caixa Econômica Federal (CEF) e o Ministério de Desenvolvimento Regional e só deverão ser anunciadas em dezembro, conforme adiantou o MDR. Até lá, o que se sabe é que o programa é uma das chaves para o bom desempenho do setor e da economia de forma geral.
Orçamento e resultados: pesos opostos na balança
Em oposição ao cenário de restrição orçamentária e das possíveis mudanças a serem anunciadas pelo governo, o Minha Vida Minha Vida desponta como o oxigênio da construção civil. “Se olharmos os dados [divulgados pelo IBGE], vemos que o PIB brasileiro teve alta de 0,4% [no segundo trimestre de 2019], enquanto a construção cresceu 1,9%. Ou seja, o setor puxou o PIB nacional para cima”, destaca Luiz França, presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc). “No último ano, começamos a assistir uma melhora do mercado de médio e alto padrões, mas ela ainda está concentrada em algumas praças, o que faz com que o Minha Casa Minha Vida continue [desempenhando um papel] fundamental [dentro do setor]”, acrescenta a pesquisadora Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos da Construção na Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Tais argumentos estão fundamentados em números, como os de que, hoje, o programa responde por 70% do setor da construção civil. Dados da Abrainc vão além e dão conta que, nos últimos doze meses até junho, as unidades enquadradas nas faixas 2 e 3 do MCMV foram responsáveis por 76% dos lançamentos e 70,3% das vendas residenciais no período. Além de distante dos segmentos de médio e alto padrões (que respondem por 24% e 29,7%, respectivamente), estes resultados são 15,2% e 2,7% superiores aos registrados pelo programa de habitação social nos doze meses imediatamente anteriores.
“Este é o tipo de venda onde está concentrado o maior déficit habitacional. Mesmo com o desemprego alto, há um grande número de trabalhadores empregados e com segurança em relação aos seus postos que continuam comprando. Graças a esse volume de vendas a indústria da construção civil não demitiu muito durante a crise”, avalia França.
Até junho de 2018, por exemplo, o programa havia gerado cerca de 775 mil postos de trabalho diretos e outros 2,4 milhões indiretos e induzidos, resultado da contratação e construção de mais de 5,3 milhões de unidades e do investimento de R$ 484 bilhões desde 2009, ano de lançamento do MCMV. Os números são Abrainc e da FGV.
O recuo de outros segmentos do mercado, mais impactados pela crise econômica no que se refere à contratação de financiamentos, juros e até mesmo a real necessidade de se efetivar a compra do imóvel, que muitas vezes vem na forma de up grade, são outros pontos que contribuem para a expressiva participação do Minha Casa Minha Vida nos resultados do setor, como acrescenta Passos.
A entidade relata números mais modestos sobre a participação do programa nos lançamentos residenciais -- 45,9%, tendo o segundo trimestre de 2019 como referência --, mas também faz coro sobre a importância dele para o setor.
“O Minha Casa Minha Vida resistiu à crise e à recessão econômica, pois sua demanda se dá sobre as necessidades das famílias que precisam de habitação. Essa demanda é muito grande e poderia comportar um volume ainda maior de transações, mas aí enfrentamos a questão da disponibilidade de recursos do FGTS e do orçamento da União para os próximos anos”, destaca Passos.
Isso faz da imprevisibilidade orçamentária um dos principais entraves para a expansão ou pelo menos a continuidade do programa, aspectos que terão impactos diretos sobre a economia do país.
O primeiro deles, na opinião de França, estaria relacionado ao aumento do déficit habitacional. Outras perdas, segundo ele, seriam referentes ao desemprego e, consequentemente, ao menor volume de arrecadação tributária. “Estamos preocupados e trabalhando junto ao Congresso Nacional no sentido de sensibilizá-los para a necessidade de se colocar mais recursos [no MCMV] do que o governo indicou no projeto de lei", aponta Passos.
O governo, por sua vez, tem um posicionamento distinto, e não enxerga no programa a solução para a economia brasileira ou para a recuperação da atividade da construção civil. Pelo menos foi o que apontou Carlos Costa, secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia, durante o fórum da última sexta-feira (13). Para ele, o futuro do setor está mais ligado aos "mecanismos privados de financiamento e a um ambiente regulatório mais simples".
"Só teremos clareza [sobre o cenário do programa] quando o projeto [orçamentário] se tornar lei e [mais do que isto], a partir da efetiva execução deste orçamento”, conclui o presidente da Comissão da Habitação de Interesse Social da CBIC.
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