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Além do projeto de lei que muda a forma da cobrança do ICMS sobre os combustíveis, o governo também estuda alongar a memória de cálculo do tributo estadual, passando dos atuais 15 dias para um período maior. Essa solução não precisaria passar pelo Congresso, bastaria a anuência do Conselho de Secretários de Fazenda (Confaz). Seria mais uma medida para tentar reduzir o preço dos combustíveis, em especial do diesel, que tem incomodado os caminhoneiros autônomos.
A informação é do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo e à RPC TV, afiliada da Rede Globo no Paraná (leia a entrevista completa).
“O que está na mesa hoje é a questão do PIS/Cofins, isso a depender obviamente de fonte compensatória e também de verificar o comportamento da arrecadação. E a questão do ICMS por meio do alongamento da memória ou mudança na forma de incidência”, resumiu o ministro, na tarde desta sexta-feira (5).
O presidente Jair Bolsonaro anunciou horas antes que pretende enviar ao Congresso um projeto de lei para fazer com que o ICMS incida sobre o preço dos combustíveis nas refinarias ou sobre um valor fixo. Quem vai definir esse valor fixo seriam as respectivas Assembleias Legislativas dos estados. Atualmente, o imposto é cobrado no momento da venda do combustível no posto de gasolina, elevando o preço nas bombas.
Outra opção na mesa é zerar ou baixar os impostos federais PIS/Cofins que incidem sobre os combustíveis. A decisão ainda não foi tomada porque o governo quer avaliar qual será o comportamento da arrecadação neste ano. Também precisa achar uma fonte de compensação, já que a Lei de Responsabilidade (LRF) obriga a compensar isenções tributárias com outra fonte de receita.
Bolsonaro chegou a mencionar algumas vezes que era a favor de mudar a LRF para acabar com essa necessidade de compensação. Segundo o ministro Tarcísio, essa possibilidade não está na mesa, pois daria um sinal trocado ao mercado.
“O governo está sinalizando o tempo todo o seu compromisso com a solvência. Se a gente pegar o que o presidente tem falado, o respeito ao teto de gastos, a preocupação fiscal, a gente vai ver que o Brasil está extremamente focado em passar a mensagem correta, na questão da solvência [das contas públicas].”
Na entrevista, o ministro negou que as mudanças no ICMS seriam uma forma de o governo federal jogar a responsabilidade do preço do combustível para os estados. “O ICMS, obviamente, é de competência dos estados, mas o problema é nacional, envolve os governadores também. Os governadores também têm interesse em resolver a questão do combustível caro. É um problema de todos.”
O ministro afirmou que é preciso “apagar o fantasma” da greve dos caminhoneiros que paralisou o país em 2018, porque o momento agora é outro. “Tem que apagar o fantasma de 2018. Em 2018, a gente tinha uma confluência de fatores que não estão mais presentes. O cenário é absolutamente diferente”, afirmou.
Ele falou que a agenda estruturante do governo já vai atenuar a questão do frete (os caminhoneiros autônomos reclamam que os valores estão baixos e insuficientes para cobrir as despesas, principalmente com o diesel), mas que é preciso que os caminhoneiros aprendam a cobrar o frete. “Subiu o diesel, subiu o frete também. Se todo mundo souber como calcular o frete, a gente vai aos poucos resolvendo o problema.”
Confira a entrevista completa com o ministro Tarcísio
Gazeta do Povo - Ministro, o presidente Jair Bolsonaro anunciou a intenção de enviar um projeto de lei para mudar a cobrança de ICMS sobre combustíveis para dar mais previsibilidade aos preços. Os senhores não acabaram jogando para o Congresso e para os governadores a conta da insatisfação dos caminhoneiros?
Ministro Tarcísio Gomes de Freitas - É um problema brasileiro que a gente tem que discutir com a sociedade. E discutir com a sociedade significa discutir com o Congresso. Você tem uma premissa e uma limitação que é a questão da Petrobras. Você não pode interferir na política de preços da Petrobras sob pena de destruir a governança, de causar problemas para a Petrobras perante ao mercado e isso nós não vamos fazer. Já custou muito caro ao Brasil e à empresa no passado.
Quais são os instrumentos que você tem então? Instrumentos de suavização para que a gente possa amortecer determinados impactos de preço em função da vulnerabilidade que nós temos no mercado externo. Basicamente, todos os instrumentos de suavização estão relacionados à questão tributária.
Uma linha de estudo é a possibilidade de a gente tirar tributo federal, baixar PIS/Cofins. Tirar tributo federal implica em conseguir fonte compensatória. Então, a gente tem que monitorar a arrecadação e ver quanto a gente pode tirar de PIS/Cofins. A outra questão é o ICMS, que tem um peso muito importante. Então, não tem como você não debater a questão do ICMS. O ICMS, obviamente, é de competência dos estados, mas o problema é nacional, envolve os governadores também. Os governadores também têm interesse em resolver a questão do combustível caro. É um problema de todos.
O projeto de lei complementar muda a lógica de incidência do ICMS, mas depende da anuência do Congresso, do efeito que isso vai ter na arrecadação dos estados, 16% da arrecadação dos estados hoje é ICMS sobre combustível.
Outra coisa que é possível também é você alongar a memória de cálculo do ICMS. Os estados calculam ICMS em cima de valor de referência, a cada 15 dias. Você pode trabalhar com médias móveis mais alongadas e isso não precisaria ir para o Congresso, poderia ser feito no âmbito do Conselho de Secretários de Fazenda. Isso também deve ser proposto para os estados e eu não vejo que esse alongamento deva ter uma repercussão negativa.
O presidente Bolsonaro mencionou nesta semana a ideia de revogar o artigo 14 da LRF para zerar a PIS/Cofins sem necessidade de medida compensatória. Essa possibilidade continua na mesa? O senhor é a favor de revogar esse artigo da LRF?
Ministro Tarcísio: O governo está sinalizando o tempo todo o seu compromisso com a solvência. Se a gente pegar o que o presidente tem falado, o respeito ao teto de gastos, a preocupação fiscal, a gente vai ver que o Brasil está extremamente focado em passar a mensagem correta, na questão da solvência. O que está na mesa hoje é a questão do PIS/Cofins, isso a depender obviamente de fonte compensatória e também de verificar o comportamento da arrecadação. E a questão do ICMS por meio do alongamento da memória ou mudança na forma de incidência.
Mas nós temos também a possibilidade da reforma tributária. A reforma pode mudar significativamente esse jogo uma vez que existe a possibilidade de substituição desses tributos por um imposto único. Isso pode ser mais abrangente ou menos abrangente a depender do entendimento do Congresso.
Caso o projeto do ICMS não vingue e o governo não consiga reduzir a PIS/Cofins, o governo não teme que um movimento grevista possa ganhar força nos próximos meses? Ou vocês avaliam que não há esse risco?
Ministro Tarcísio: Pessoal vive sob o fantasma de 2018 [a greve dos caminhoneiros que parou o país]. A gente tem que apagar o fantasma de 2018. Em 2018, a gente tinha uma confluência de fatores que não estão mais presentes. O cenário é absolutamente diferente. A gente tem lido esse cenário e a gente sempre passou tranquilidade: não vai ter nada [de greve], e foi exatamente isso o que aconteceu.
Vamos lembrar que essa tentativa de greve no dia 1º de fevereiro não foi a primeira que enfrentamos. Existe um fórum permanente, que é o fórum do transporte de cargas, existe uma agenda estruturante para o setor.
Por que a gente não tem que temer o aumento do diesel? Porque a gente está trabalhando muito com eles a questão da educação, por exemplo, de como eu tenho que cobrar meu frete. Se meu insumo sobe, eu tenho que aumentar o preço da prestação de serviço. Subiu o diesel, subiu o frete também. Se todo mundo souber como calcular o frete, a gente vai aos poucos resolvendo o problema. A agenda estruturante que está sendo tratada vai atenuar a questão do diesel e eles [caminhoneiros] têm que aprender também a fazer suas contas e cobrar o seu frete.
Sobre a tabela do frete, outra demanda dos caminhoneiros, o senhor reconhece que ela não funciona e é ineficiente. E ela pode ser declarada inconstitucional pelo Supremo. Qual seria a saída então? O o governo estuda colocar algo no lugar dela ou a saída é via mercado mesmo: subiu o diesel, subo o meu frete?
Ministro Tarcísio: A gente tem apostado muito no Documento de Transporte Eletrônico, que é uma forma de simplificar, unificar todos os documentos de transporte num único, digital, fácil de emitir. Também eliminamos a possibilidade de ter intermediários nessa operação; bancarizamos o caminhoneiro, porque aquele documento se transforma em um recebível e dá oportunidade para o caminhoneiro ter acesso a capital de giro; permite o pagamento via PIX; e facilita na hora de cobrar o vale-pedágio, porque muitas vezes o pedágio acaba não fazendo parte do frete e o caminhoneiro não sabe como cobrar. O mercado é que tem que dar a solução para essa questão do frete.