As montadoras de veículos instaladas no Brasil aproveitaram a combinação de vendas em alta e de câmbio favorável, vista até setembro do ano passado, para acelerar a remessa de lucros e dividendos para suas matrizes. Em 2008, este setor mandou US$ 5,6 bilhões para reforçar o caixa nos países de origem. O valor é mais do que o dobro dos US$ 2,7 bilhões enviados em 2007 e mais de dez vezes superior aos US$ 498 milhões remetidos em 2005.
O setor de veículos é o que mais enviou lucros e dividendos para fora em 2008. No total, as multinacionais mandaram US$ 35 bilhões para seus países de origem no ano passado, segundo dados divulgados pelo Banco Central na semana passada. Pouco mais de US$ 25 bilhões se referem ao rendimento de investimentos diretos. Um quinto desse valor corresponde ao que as montadoras remeteram. Pouco atrás ficaram os segmentos de metalurgia e o de serviços financeiros.
De acordo com o presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais (Sobeet), Luís Afonso Lima, as remessas subiram nos últimos dois anos por três razões: lucros maiores, uma janela cambial aberta pela valorização do real e a demanda das matrizes. "A atividade em 2007 e 2008 foi muito bem, com crescimento do PIB acima de 5%. Foi esse o fator mais importante para que se obtivessem os lucros para serem enviados", analisa. E o setor automotivo foi uma das locomotivas dessa expansão. A produção de veículos aumentou 17% em 2007 e outros 8% em 2008, quando bateu em 3 milhões de unidades, sendo 2,8 milhões para o mercado interno.
Com dinheiro em caixa, as empresas do setor viram neste ano um câmbio altamente favorável para dar uma força para as matrizes. O real se valorizou até agosto, quando bateu em R$ 1,55, o que fez aumentarem os lucros das multinacionais quando convertidos para dólares. "A distribuição dos lucros é uma coisa normal, mas é claro que no ano passado houve uma demanda maior por essas remessas. As matrizes precisavam do dinheiro para fazer frente às dificuldades vistas nos mercados maduros", explica o consultor do setor automotivo André Beer.
As remessas computadas pelo BC não são separadas por empresa, mas é provável que tenham se concentrado nas montadoras com mais tempo de Brasil. Elas têm investimentos maduros, lideram as vendas e duas delas Ford e General Motors estão com problemas graves no país de origem. Para as duas gigantes americanas, a relativamente pequena operação sul-americana virou uma espécie de oásis.
Contrapeso
O balanço da Ford referente a 2008, que veio a público na última quinta-feira, apontou um prejuízo de US$ 14,6 bilhões. Escondida dentro do relatório, a unidade da América do Sul apresentou o melhor resultado do grupo, uma receita de US$ 1,2 bilhão antes da incidência de impostos. Foi mais do que a contribuição de US$ 1 bilhão da Europa e um contrapeso às perdas de US$ 6 bilhões no mercado americano. Na GM a situação é semelhante. Até o terceiro trimestre do ano passado, a seção que engloba a América Latina era a única operando no azul, com receita líquida, antes da incidência de impostos, de US$ 514 milhões.
Em 2009, o mercado brasileiro deve dar uma força menor para as matrizes do setor de veículos. A consultoria CSM Worldwide prevê uma queda de 4% nas vendas internas. "A queda no mercado brasileiro será maior do que a média para a América Latina, mas ainda vemos um cenário intermediário entre o que foi 2007 e o desempenho de 2008", diz Leonardo Machado, analista de produção da CSM. Com uma queda também nas exportações, os lucros não serão tão vistosos e as remessas recuarão.