A edição da Medida Provisória (MP) 752 no fim de novembro pelo governo de Michel Temer (PMDB) deu início a uma corrida de negociação para prorrogações antecipadas de contratos de ferrovias, rodovias e aeroportos. Embora a MP tenha o mérito de acelerar investimentos no setor, o custo de trazer para o presente investimentos futuros traz limitações no longo prazo, ao estender sem licitação contratos ruins e caros.
A MP exige condições para a assinatura das renovações antecipadas. Para as ferrovias, as empresas devem ter cumprido as metas de produção e segurança definidas no contrato em pelo menos três dos cinco últimos anos. Nas rodovias, é necessária a execução de pelo menos 80% das obras exigidas no contrato inicial. Para a prorrogação acontecer, ela deverá estar prevista no edital ou contrato original.
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94 emendas
Desde que chegou ao Congresso, a MP já recebeu 94 emendas de deputados e senadores, o que mostra que o texto deverá ser bastante modificado antes de virar lei. Pelo menos duas delas querem permitir que as empresas que devolverem as concessões de forma amigável possam participar da licitação do empreendimento. O texto ainda precisa ser analisado por uma comissão mista da Câmara e do Senado.
O procurador Júlio Marcelo de Oliveira, do Ministério Público de Contas no Tribunal de Contas da União (TCU) defende que as exigências previstas na MP são “pouco rigorosas” e as prorrogações criam um “risco moral” para o país. Oliveira é um dos principais nomes dentro do TCU e foi autor da denúncia que levou o órgão a rejeitar as contas do governo de Dilma Rousseff (PT).
Para ele, as renovações deveriam ser condicionadas a padrões de excelência na prestação de serviços pelas concessionárias e o patamar de 80% das obras realizadas para rodovias não é suficiente. “Além disso, a prorrogação só deveria ser considerada se demonstrasse que seria uma vantagem bem maior para a sociedade do que uma nova licitação, o que ainda não ficou claro”, diz.
Atrás de investimentos rápidos também na área portuária, o governo acatou pleito de empresários com contratos vencidos e admite agora adaptar os acordos ao prazo de 35 anos renováveis sucessivamente até 70 anos. A novidade consta da última versão da minuta do decreto que vai alterar a atual regulamentação da Lei dos Portos (12.815, de 2013). O texto seguiu para a Casa Civil onde ainda pode ser alterado.
Segundo o procurador do MP de Contas, há muitos contratos ruins de concessões que podem ser renovados agora com a MP, como o da Concer, que administra a BR-040 que liga o Rio de Janeiro a Petrópolis. Ele diz que os usuários do trecho pedem a saída da concessionária, que descumpriu grande parte do previsto no contrato. “Tem um monte de empresas que estão fora e poderiam fazer propostas melhores. Diminui o custo para todos, das pessoas às transportadoras”, afirma.
Bruno Ramos Pereira, coordenador do Observatório das Parcerias Público-Privadas (PPP Brasil) considera a MP um avanço, embora pondere que o texto ainda precisa de regulamentação. “Do ponto de vista dos critérios, acho que ainda há uma incompletude. Isso não é um problema. Acho que a MP traz um quadro conceitual que precisa ser complementado e implementado no dia a dia da gestão do governo”, avalia.
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O advogado Fernando Marcondes, especialista em infraestrutura e sócio do L.O. Baptista Advogados, afirma que sempre foi visto com bons olhos a ideia de abrir possibilidade para novas concessionárias operarem. “Porém, neste atual momento, me parece mais seguro ter a possibilidade de renovação com as atuais concessionárias por questão de economia. Novas concessões custam dinheiro para relicitar. Perde-se muito tempo também”, avalia.
O procurador rechaça o argumento de que as prorrogações seriam a melhor opção para viabilizar investimentos no momento. “Se esse argumento é válido então poderia ser usado para qualquer grande obra. Vai contratar? Contrata direto porque fazer licitação demora muito. O mais rápido não quer dizer que é o melhor para a sociedade”, afirma.
Rumo tem negociação avançada para renovar malha paulista
Há negociações de renovações antecipadas que já estão bastante maduras, como a da malha ferroviária paulista, operada pela Rumo (ex-ALL), “joia da coroa” no transporte de produção agrícola do Centro-Oeste para o Porto de Santos. A previsão é que a Rumo invista R$ 4,7 bilhões na modernização dos trilhos e pague R$ 1 bilhão de outorga em troca da extensão de 30 anos no prazo do contrato, que vence em 2028. A expectativa é que o governo abra consulta pública para a prorrogação ainda nesta semana. Segundo a empresa, a renovação da malha paulista deverá aumentar a capacidade do trecho de 30 milhões de toneladas por ano para 75 milhões, uma alta de 150% no volume transportado.
Já o pedido de prorrogação da malha sul, na qual o Paraná faz parte, foi protocolado pela Rumo na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) em 2015. Embora exista a possibilidade de o trecho enfrentar dificuldades em cumprir as metas de operação e segurança, condicionantes para a renovação, a empresa informou por meio de nota que entende que o processo está dentro dos critérios estabelecidos na MP.
A MRS Logística, que opera trechos ferroviários em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, também quer renovar sua concessão em 30 anos. A empresa não divulgou quanto pretende investir com a prorrogação, apenas que está na casa de “alguns bilhões”.
Renovação de contratos de pedágio do Paraná continua “em aberto”
A prorrogação dos contratos de pedágio das rodovias que integram o Anel de Integração no Paraná depende da renovação do convênio de delegação entre os governos estadual e federal, que vence em 2021. Em março, uma decisão judicial impediu que houvesse qualquer movimentação para a renovação dos contratos de pedágio do Paraná. A determinação foi derrubada em maio no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). O caso dos pedágios do estado é sensível e promete ser alvo de muitas disputas antes de caminhar para renovações antecipadas.
O presidente da Associação Brasileira das Concessionárias de Rodovias (ACBR), César Borges, afirma que há expectativa que a MP viabilize diversas prorrogações no país, mas não confirma quais concessionárias já demonstraram interesse. “É consenso que falta recursos do orçamento para investimentos. Para melhoria da infraestrutura. E isso pode vir do setor privado. A MP vem ao encontro disso. Vem dar respaldo legal para que se possa realizar”, diz.
A Arteris informou que a Planalto Sul (BR-116 que liga Curitiba à divisa dos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul) e a Litoral Sul (BRs-116/376/101 de Curitiba a Florianópolis) discutem com a ANTT a inclusão de novos investimentos nos contratos de concessão. Porém, o reequilíbrio dos investimentos, caso autorizado, não será realizado necessariamente por meio de extensão do prazo contratual. Já no caso da Régis Bittencourt (BR-116 entre Curitiba e São Paulo) não existem estudos em curso junto à ANTT. Apesar disso, a concessionária identificou necessidades de obras na rodovia que podem ser sugeridas dentro do âmbito da MP.
Em apresentação publicada na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Ecorodovias afirmou enxergar oportunidades no “acesso a portos e outros” na Ecovia (BR-277 que liga Curitiba ao Litoral) e também de duplicação no caso da Ecocataratas (BR-277 entre os municípios paranaenses de Guarapuava e Foz do Iguaçu). Procurada para comentar o interesse na prorrogação dos contratos, a empresa não respondeu a reportagem, assim como a Caminhos do Paraná e a Viapar. Já a CCR Rodonorte e a Triunfo Econorte informaram que a ABCR responde pelas empresas.
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