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A decisão do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de afrouxar a meta de resultado primário de 2025 e 2026 - menos de um ano após a aprovação do novo arcabouço fiscal - não foi bem recebida entre economistas.
Embora o objetivo de atingir um superávit equivalente a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) já fosse considerado inviável por grande parte dos analistas, o rebaixamento do alvo para um resultado neutro sugere um descompromisso ou, no mínimo, uma dificuldade do Executivo para lidar com as contas públicas, segundo agentes do mercado financeiro.
O projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025, apresentado pelo governo na segunda-feira (15), propõe adiar o atingimento de um superávit de 1% do PIB para 2028, um atraso de dois anos em relação às metas estabelecidas no Orçamento de 2024. Para os anos de 2026 e 2027, os alvos ficaram em 0,25% e 0,5% do PIB, sempre com uma margem de tolerância de 0,25 pontos porcentuais.
Com isso, a estabilização da trajetória da dívida pública foi postergada para o próximo governo, segundo as projeções oficiais. A equipe econômica estima que a dívida bruta do setor público vai terminar o governo Lula, em 2026, em 79,1% do PIB. Para se ter uma ideia, em dezembro de 2022, no fim do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a dívida era de 71,7% do PIB.
Nesta terça-feira (16), a desconfiança de investidores com o cenário fiscal, em meio a outros fatores, contribuiu para que o dólar comercial registrasse alta de 1,64% frente ao real, fechando o pregão em R$ 5,26. “As medidas anunciadas não trazem nada de positivo, e parecem ser um sinal bastante claro de que não haverá ajuste fiscal nos próximos anos”, diz a economista-chefe da B.Side Investimentos, Helena Veronese.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que nos últimos meses vinha alinhando seu discurso à política econômica do governo, criticou a mudança nas metas durante participação em um evento nos Estados Unidos.
“Sempre que há uma mudança no governo que torna a âncora fiscal menos transparente ou menos crível, significa que você tem que pagar com custos mais altos do outro lado, então o custo da política monetária se torna mais alto”, disse. “Torna nosso trabalho muito mais difícil se houver a percepção de que não há uma âncora fiscal, porque a âncora fiscal e a âncora monetária precisam trabalhar juntas”, declarou.
Questionada em entrevista coletiva nesta manhã, a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, argumentou que o arcabouço fiscal é maior do que as metas fiscais. “O grande núcleo do arcabouço continua, e nós não temos intenção de mudar. A despesa vai crescer até 70% da receita, no máximo 2,5% ao ano”, disse.
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Para Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, no entanto, a alteração nos objetivos fiscais “reflete a falta de comprometimento” do governo. “Isso demonstra que a questão fiscal não está sendo abordada de maneira ideal”, avalia.
“Embora haja uma aparente luta por parte da equipe econômica para manter a meta, não se observa um esforço significativo para discutir cortes de gastos ou reduções em áreas sensíveis, como os altos salários”, diz.
Rogério Mori, professor de economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e economista-chefe da Davos Investimentos, considera a mudança como “um passo em direção à realidade”, uma vez que reflete o reconhecimento por parte do governo de que as metas originalmente propostas eram inatingíveis.
“Em resumo, estamos diante de uma situação um pouco mais realista, porém ainda preocupante do ponto de vista fiscal”, diz. “Idealmente, seria importante que o governo sinalizasse um corte nos gastos para efetuar um ajuste mais eficaz dentro das metas estabelecidas. No entanto, a estratégia atual tem sido predominantemente focada na arrecadação, o que pode não resultar em boas perspectivas para os próximos anos.”
A opinião é a mesma de Alexandre Pletes, head de renda variável da Faz Capital. “Em nossa visão, é preferível ter metas realistas do que metas inatingíveis. No entanto, as metas propostas ainda não refletem efetivamente a situação, considerando todos os projetos de gastos do governo atual”, afirma Pletes.
“Os impactos disso podem incluir uma inflação mais alta, já que a redução da meta de superávit levaria a um aumento nos gastos do governo. Se a arrecadação não acompanhar esse aumento de gastos, a situação pode piorar, levando a um cenário inflacionário no futuro. Isso poderia eventualmente resultar em um aumento das taxas de juros básicas para controlar a inflação, o que seria prejudicial a longo prazo”, explica.
Para Matheus Pizzani, economista da CM Capital, ao reduzir a meta fiscal, a equipe econômica do governo está colocando um peso maior sobre a trajetória de crescimento do PIB como forma de promover o controle da dívida, em detrimento do resultado primário.
Como determina o novo arcabouço fiscal, o nível de despesas será corrigido anualmente, em termos reais, em até 70% da receita corrente líquida do país, com teto estabelecido em 2,5%.
“Tal movimento pode ser relativamente preocupante uma vez que, como é amplamente conhecido, o nível de despesas não varia apenas em função do nível de atividade econômica, estando sujeito também a fatores que fogem a esta dinâmica, como a questão demográfica, que inclusive afeta a principal linha de despesa do país, a de despesas previdenciárias”, avalia.
Apesar de a meta de resultado primário ter sido fixada em zero para 2025, o governo estima uma diferença entre despesas e receitas equivalente a -0,23% do PIB. Com o abatimento do valor referente ao pagamento de precatórios autorizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a projeção oficial é de um superávit de 0,09% do PIB.
Para Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, no entanto, as projeções são “irrealistas”. Enquanto o governo estima uma alta de 10,1% na arrecadação já em 2024, o desempenho da receita líquida de janeiro a março consolidou elevação real de 9,6% frente ao mesmo período de 2023.
“Mesmo que esse porcentual ainda elevado, pois influenciado por receitas atípicas, fosse considerado no lugar dos 10,1% já mencionados, as receitas líquidas projetadas no PLDO para 2024, base para traçar os cenários de 2025 em diante, já seriam R$ 10 bilhões mais baixas”, explica.
“Entendemos que nossos cenários continuam mais prováveis, neste momento, partindo-se de um déficit primário de 0,79% do PIB, em 2024, 0,77% do PIB, em 2025 e atingindo o zero apenas entre 2032 e 2033”, afirma.
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