As idas e vindas da revisão de benefícios por incapacidade do INSS dão uma pequena amostra do que o governo deve enfrentar na reforma da Previdência. Se há dificuldade até para realizar perícias médicas previstas em lei, bem maiores tendem a ser os obstáculos à tentativa de mudar a legislação para adiar a aposentadoria e limitar o benefício dos futuros aposentados.
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Por mais que a comparação internacional e diferentes indicadores levantem suspeitas sobre a elevada proporção de aposentadorias por invalidez no Brasil, bem como sobre a longa duração de boa parte dos benefícios de auxílio-doença, a intenção de coibir irregularidades logo ganhou o rótulo de retirada de direitos.
No país em que muita gente não esconde o desejo de “se encostar” no INSS, centrais sindicais e representantes de aposentados se insurgiram contra a revisão dos benefícios. Houve sindicalista reconhecendo a existência de irregularidades, mas argumentando que elas não eram relevantes a ponto de justificar a convocação de beneficiários.
Sob suspeita: O crescimento do auxílio-doença e da aposentadoria por invalidez
“O cara não está mais doente, recebe auxílio-doença e tem gente que acha certo. O cara não está inválido, recebe aposentadoria por invalidez e tem gente que acha certo. É inexplicável”, diz o consultor legislativo da Câmara Leonardo Rolim, ex-secretário de Políticas de Previdência Social.
O próprio governo foi titubeante. Com pressa em poupar recursos, editou uma medida provisória (MP) instituindo um bônus – de R$ 60 por perícia – para estimular os médicos peritos do INSS a aderirem a um “mutirão” para revisar 530 mil auxílios-doença pagos há mais de dois anos e cerca de 1,1 milhão de aposentadorias por invalidez.
Em outras palavras, o presidente Michel Temer (PMDB) baixou uma nova lei para fazer cumprir a já existente, e pagando um extra para os peritos, com a justificativa de que a agenda deles está congestionada. As consequências da bonificação não passaram despercebidas. A Defensoria Pública da União chegou a recomendar a suspensão das revisões, argumentando que elas estavam prejudicando a concessão de novos benefícios por incapacidade.
Ocorre que, mais preocupado com o andamento da proposta de emenda à constituição (PEC) do teto de gastos, o governo não se empenhou para votar a MP no Congresso, onde mais de 160 emendas tentavam aliviar ou anular seus efeitos. O mesmo Congresso, ocupado com as eleições municipais, teve menos sessões que o habitual. Com isso, após 90 dias em vigor, a medida perdeu validade no último dia 4.
Enquanto ela durou, forem realizadas pouco menos de 21 mil perícias – e 80% dos benefícios foram cancelados. A expectativa do governo era reverter, ao longo de dois anos, cerca de 30% dos auxílios-doença e 5% das aposentadorias por invalidez, gerando uma economia de R$ 6,3 bilhões.
Para retomar o programa e as bonificações dos peritos, Temer enviou um projeto de lei ao Congresso já na segunda-feira (7), com pedido de urgência. O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a proposta poderia ir a plenário na mesma semana. Mas, na quinta-feira (9), Temer pediu o cancelamento do regime de urgência. A única explicação veio do ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira. Segundo ele, o passo atrás foi dado para “facilitar a tramitação” do projeto.
R$ 4,3 bilhões
é quanto o governo espera economizar, em 2017 e 2018, com a reversão de benefícios irregulares de auxílio-doença e aposentadorias por invalidez. A projeção, que consta as justificativas do projeto de lei enviado na semana passada, é menor que a citada na medida provisória que perdeu validade no início do mês (R$ 6,3 bilhões em dois anos).
R$ 218 milhões
é o que o governo prevê gastar, em dois anos, com o pagamento de bônus aos peritos que participarem das revisões de benefícios. A expectativa é que 1.890 profissionais – 55% dos 3.436 profissionais com agenda de perícias ativa – estejam dispostos a participar.
Benefícios por incapacidade consomem 18% das despesas da Previdência
Pouco mais de 5 milhões de brasileiros receberam auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez em 2015. O pagamento dessas duas modalidades somou R$ 68 bilhões no ano, o equivalente a 18% de toda a despesa com benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). A proporção se mantém nesse patamar desde o início da década, pelo menos.
As normas do INSS estabelecem que a autarquia deve realizar perícias periodicamente para verificar se quem recebe auxílio-doença continua sem condições de trabalhar. No caso dos aposentados por invalidez, o acompanhamento deve ser feito a cada dois anos.
Na prática, isso não acontece, porque a agenda dos médicos peritos mal dá conta de atender os que requisitam novos benefícios. O próprio governo estima que 99% dos aposentados por invalidez e “grande parte” dos beneficiários de auxílio-doença não passem pelas perícias de revisão.
O resultado é que um terço dos segurados recebe o auxílio há mais de dois anos. E o benefício por invalidez – que pode ser cancelado se a pessoa recupera a capacidade de trabalho – responde por 17% do total de aposentadorias pagas pelo INSS, proporção muito superior à de países com características semelhantes às do Brasil. O normal seria algo em torno de 10%, segundo o consultor legislativo Leonardo Rolim.
Em estudo publicado em 2015, as consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado sugeriram ações para reduzir a quantidade desse tipo de aposentadoria. O impacto estimado é de R$ 12,4 bilhões no primeiro ano de implantação e de mais de R$ 215 bilhões em uma década.
Além da própria revisão de benefícios, os consultores sugeriram a obrigatoriedade de peritos nas audiências de ações contra o INSS, bem como metas de ampliação da reabilitação profissional – hoje apenas 5% dos segurados considerados elegíveis para reabilitação são efetivamente reabilitados.
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