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Mercado de trabalho

Duas grandes descobertas da IA deste ano são das mulheres, mas elas ainda são minoria em TI

Márcia Munaro, dona da Lume da Tecnologia. (Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo)

No dia 10 de abril deste ano, graças à criação de um algoritmo capaz de entender milhares de dados astronômicos, o mundo viu pela primeira vez a imagem de um buraco negro. Um mês antes, em 14 de março, foi divulgado o valor mais preciso já calculado para o número Pi, com mais de 31 trilhões de dígitos. O que as duas descobertas têm em comum, além de serem duas das grandes conquistas científicas de 2019? O fato de terem sido alcançadas por mulheres: a cientista americana Katie Bouman e a desenvolvedora japonesa Emma Haruka Iwao, respectivamente.

Dois episódios que evidenciam o trabalho de mulheres como referência no campo de tecnologia, mas, ao mesmo tempo, contrastam com as estatísticas do setor. Um estudo realizado pela revista americana Wired em parceria com a startup Element AI mostrou que apenas 12% dos profissionais que trabalham com inteligência artificial são do sexo feminino. No Brasil, levantamento divulgado em março pela Associação para Promoção da Excelência do Software Brasileiro (Softex) apontou que, em dez anos, não apenas diminuiu a proporção de mulheres no mercado de Tecnologia de Informação (TI) como aumentou a diferença salarial entre elas e os homens.

O estudo da Softex é dividido em duas áreas: Core TI, que engloba os setores econômicos tipicamente da área, como desenvolvimento de programas, suporte técnico, tratamento de dados e provedores de conteúdo na internet; e TI in House, de profissionais que desempenham funções em outros setores, como financeiro, saúde e educação.

Na primeira áreas, eram 40,4 mil mulheres atuando em 2017, contra 136,6 mil homens, uma participação feminina de 19,8%. Dez anos antes, em 2007, elas representavam 24% do total. No segmento In House, são 61,4 mil mulheres, mas a proporção é praticamente a mesma: 19,7%, contra 23,3% em 2007 (veja mais detalhes do estudo no infográfico)

Estamos falando de um dos segmentos que mais tem crescido nos últimos anos. Segundo a Softex, o número de profissionais empregados no setor entre 2007 e 2017 cresceu 72%, em uma taxa anual de 5,7%, bem superior à média do PIB brasileiro no mesmo período, de 1,7%.

“O número de profissionais mulheres cresceu, mas o preenchimento dessas vagas por homens acontece em uma proporção bem maior. Isso fez com que aumentasse o desequilíbrio entre os dois gêneros”, observa Fiorella Machiavello, pesquisadora responsável pelo estudo.

A desproporção se acentua ainda mais em alguns cargos de Core TI, como diretores de TI, técnicos de programação e engenheiros de computação, onde os homens representam mais de 87% dos ocupantes desses postos.

“Quando se observa que os cargos com maiores salários são mais ocupados proporcionalmente pelos homens, a melhora na qualificação das mulheres pode ser um vetor para reduzir essa diferença. Para isso, é importante a promoção de políticas públicas que venham a garantir acesso a estudos na área”, diz Fiorella.

Os próprios homens são envolvidos no debate, com ações que visam à conscientização sobre equidade. “Os profissionais são orientados para que olhem para o potencial das candidatas mulheres, de modo que elas não saiam prejudicadas quando comparadas com um homem. Além disso, desafiamos os gestores para que reflitam sobre tomadas de decisões nesse sentido.”

Mesmas funções, salários diferentes

Salário médio de um engenheiro da computação no Brasil: R$ 10,4 mil. Mas se for uma mulher, esse valor cai para R$ 8,9 mil, 16,1% menos. A diferença salarial é realidade não apenas neste, mas em todos os cargos de Core TI, segundo o estudo realizado pela Softex. Na média, os homens ganham 11% mais que as mulheres, uma diferença que mais que dobrou em dez anos – em 2007, era de 5,3%.

“Uma das razões que podem explicar o aumento da brecha salarial no período é a queda da participação das mulheres em cargos diretivos e gerenciais, os quais passaram a ser mais ocupados por homens proporcionalmente. E, de fato, há maior predominância de homens entre os engenheiros (87,4%) e nos cargos diretivos (87,1%) onde os salários são mais altos”, diz o estudo da Softex.

Na TI in House os valores são bem mais aproximados, mas ainda há uma vantagem de 1,5% para os profissionais do sexo masculino. Por outro lado, há casos como os de analistas de sistemas e técnicos em programação, cargos em que as mulheres ganham cerca de 4% mais que os homens. Além disso, é curioso observar que somente na Região Sudeste a média salarial dos homens é superior à das mulheres. No Centro-Oeste, a diferença a favor das profissionais femininas chega a 12,8%.

A explicação para isso pode estar nos números: a proporção de mulheres com ensino superior, mestrado ou doutorado na região é de 80%, superior ao percentual de homens (70%). “O estudo mostra que os profissionais da área vão progredindo na medida que se qualificam. Por isso, estimular políticas públicas para o desenvolvimento da educação, bem como o fomento à participação da mulher no mercado de trabalho, são fundamentais”, avalia Fiorella Macchiavelllo, pesquisadora da Softex.

De pioneira da inovação a empresária

Fazer uma consulta ao Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), a fim de saber se o consumidor tem o nome sujo na praça, é uma tarefa corriqueira há muito tempo. Mas quando a novidade chegou ao comércio na década de 1980, por iniciativa da Associação Comercial do Paraná (ACP), foi uma inovação de extrema importância, que se tornou referência para todo o país. Quem esteve à frente do projeto foi uma jovem programadora, que hoje comanda uma empresa de TI em com mais de 80 profissionais em Pinhais, na Região Metropolitana, prestando serviços para todo o país.

“Naquela época não existia a facilidade da internet. Fiz toda a arquitetura e engenharia do software que permitiu, de forma inovadora, que o lojista, através de um terminal no estabelecimento, pudesse consultar a situação do cliente em tempo real”, relembra Márcia Regina Munaro, 57 anos de idade, 35 deles dedicados à tecnologia. A relação teve início no ensino médio, quando fez o curso de Processamento de Dados no Colégio Estadual do Paraná. Foi programadora, analista de sistemas, graduou-se em Administração, mas sempre atuou no campo da tecnologia da informação.

Em 1989 ela abriu a própria empresa, a Lume Tecnologia, que desenvolve soluções e presta serviços especializados na área de TI. Ainda que, por muitas vezes, tenha sido comum ser a única mulher em grupos de estudantes ou profissionais, diz que jamais se sentiu intimidada.

“Sempre foi um desafio e, muitas vezes isso exigiu que eu tivesse um posicionamento mais firme”, afirma. Na sua própria empresa, a predominância ainda é masculina. “Ainda existe uma barreira, mas através do nosso próprio trabalho e do compartilhamento de experiências estamos quebrando esse paradigma, de que TI é um ambiente masculino.”

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Dificuldades para quem é gestora

Graduada em Administração de Empresas e com MBA em Gestão de TI, Paula Lopes ingressou em 2005 na unidade de Porto Alegre (RS) da Service IT, empresa de Tecnologia da Informação com 23 anos de atuação no Brasil e América Latina. Em 2016 ela foi transferida para Curitiba, onde no ano passado assumiu o cargo de diretora da companhia para toda a Região Sul. Numa empresa que, de acordo com ela, 40% dos cargos de direção são ocupados por mulheres, ela é a responsável pelo segmento que representa 36% do faturamento total.

Ao longo desses 14 anos, Paula sentiu na pele as dificuldades resultantes da menor representação feminina, não apenas como profissional da área, mas também como gestora. “Recentemente abri uma vaga em Curitiba. Como tenho dois gerentes, queria uma do sexo feminino. Foi muito difícil porque várias mulheres se candidataram, mas a oferta de profissionais do sexo masculino era bem maior e, consequentemente, a qualificação deles era melhor”, conta a diretora, que usa o exemplo para demonstrar que, em um meio predominantemente masculino, as mulheres precisam redobrar o esforço para progredir na carreira.

Mãe de uma menina de 17 anos, ela acredita que é necessário trabalhar a equidade desde a infância. “As meninas brincam de casinha e de boneca, enquanto os meninos brincam de carrinho, avião, coisas ligadas à tecnologia. Aí já começa a haver uma diferenciação. A partir do momento que se cria uma cultura mais universal, de que tanto a menina quanto o menino podem tudo, não teremos esse tipo de problema mais adiante.”

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Uma empresa no caminho da igualdade

Em busca do equilíbrio entre homens e mulheres, há iniciativas sendo desenvolvidas pelas próprias empresas de TI. A multinacional americana Cognizant, que há pouco tempo abriu um escritório em Curitiba, desenvolve há dois anos um programa de diversidade que tem como um dos pilares o empoderamento feminino. Isso inclui ações como a contratação de mulheres, engajamento entre os colaboradores e melhora da comunicação interna.

“Não é fácil encontrar mulheres na área de tecnologia porque existem poucas delas dentro das universidades. Por isso, deixamos de dar tanto foco na formação técnica da graduação para valorizar a experiência profissional”, explica Carla Catelan, responsável pela área de Talent Aquisition na empresa. Atualmente, cerca de 40% dos colaboradores e lideranças em cargos de direção são mulheres. O objetivo é chegar a 50%, igualando os postos ocupados por homens e mulheres.

Um dos caminhos para isso é promover o contato de profissionais de outras áreas, bem como menores aprendizes, com a área de tecnologia. “Independentemente da formação, buscamos fazer com que todas as nossas colaboradoras se interessem por tecnologia. A partir do momento que consigamos envolvê-las com a área, há maiores possibilidades de que sejam direcionadas para posições que hoje são primariamente preenchidas por homens”, destaca Carla.

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