Desde o início de 2016, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) julgou dez processos relacionados à formação de cartéis – acordos ilegais entre empresas, que trazem prejuízos ao consumidor, pois reduzem ou eliminam a concorrência. Entre os julgados, sete tiveram condenação decretada, atingindo a marca de pouco mais de R$ 77,4 milhões em multas.
Entre os setores que tiveram empresas condenadas estão o de lavanderias, de equipamentos hospitalares, de medicamentos, de compressores para refrigeração, e de operações portuárias. Segundo a entidade, outros 89 processos seguem em investigação: 19 no Tribunal Administrativo e 70 na Superintendência-Geral.
Segundo a assessoria de comunicação do Cade, a formação de cartéis é a prática ilícita que mais gera efeitos negativos ao mercado, comprometendo inclusive a inovação tecnológica e impedindo a entrada de novos produtos e processos. “Os efeitos lesivos desta conduta podem ser sentidos tanto na subtração direta de renda do consumidor quanto na deterioração das estruturas dos mercados em que os cartéis ocorrem. Essa prática anticompetitiva leva a aumentos injustificados de preços dos produtos e à redução de oferta, o que diminui o poder de compra dos consumidores e propicia a obtenção de lucros indevidos aos participantes do conluio”, afirmam os representantes da entidade, em nota.
Os casos
As maiores penas foram aplicadas nos casos envolvendo a licitação para contratação de lavanderias para hospitais públicos do Rio de Janeiro, e os acordos de preços entre os fornecedores de compressores herméticos para refrigeração, equipamentos utilizados em sistemas refrigeradores, especialmente em eletrodomésticos da chamada “linha branca”, como geladeiras, congeladores e aparelhos de ar-condicionado. No primeiro caso as multas foram de cerca de R$ 27 milhões, e no segundo, R$ 21 milhões.
Graças a acordos de leniência – uma espécie de delação premiada –, três dos sete processos resultaram em condenação e multa. O mais representativo é o processo envolvendo compressores para refrigeração, resultado de uma delação assinada pelos representantes da Tecumseh do Brasil Ltda. A empresa declarou estar envolvida em atividades anticompetitivas no mercado internacional junto às multinacionais Household Compressors Holding S.p.A, Danfoss A/S e Panasonic Electric Works Co. Ltd, também condenadas no julgamento.
Danos ao consumidor
De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os cartéis geram um sobrepreço estimado entre 10% e 20%, se comparado ao preço em um mercado competitivo, causando perdas anuais de centenas de bilhões de reais aos consumidores.
O professor de Economia da Universidade Positivo Gustavo Paiva explica que a maior dificuldade na investigação destes casos é a obtenção da comprovação da existência de práticas anticompetitivas. “As movimentações de mercado e a não existência de acordos por escrito tornam mais difícil a descoberta das provas do crime”, afirma.
Segundo ele, a formação de um cartel tem como objetivo maior eliminar os riscos da atividade empresarial, e a motivação nem sempre é apenas o preço, mas também o controle na oferta dos produtos e da estrutura do setor. Para as empresas participantes do cartel, a combinação de preços serve, explica, para preservar suas margens de lucro, o que acaba eliminando a possibilidade de livre concorrência – necessidade básica para o bom funcionamento de uma economia capitalista.
Já o cliente fica impossibilitado de escolher livremente aquela oferta que melhor atende a sua necessidade – seja ele o consumidor final ou o governo, no caso de uma licitação. “As pessoas se acostumam a falar das distorções provocadas pelo governo na economia, mas esquecem que a iniciativa privada também distorce a economia de mercado com este tipo de prática”, diz Paiva.
Investigação
Medicamentos, lavanderias, refrigeração... Conheça quatro casos julgados pelo Cade:
Hemoderivados
O caso dos hemoderivados teve início com as investigações promovidas pela extinta Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça, em 2004, que passou a analisar a existência de infrações contra a ordem econômica no âmbito da “Operação Vampiro” – ação da Polícia Federal que desmantelou a quadrilha que fraudava licitações do Ministério da Saúde para a compra de hemoderivados. A condenação por formação de cartel na licitação do MS, no entanto, só aconteceu neste ano, com aplicação de multas que somam cerca de R$ 1 milhão.
Lavanderias hospitalares
As fraudes aconteceram em concorrências realizadas entre 1999 e 2005 para a contratação de serviços de lavanderia para hospitais públicos do Rio de Janeiro. Foram condenadas sete empresas e onze pessoas físicas, com aplicação de multas que somam mais de R$ 27 milhões. O processo foi instaurado em dezembro de 2008, a partir de provas colhidas pela “Operação Roupa Suja”, realizada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal do Rio de Janeiro. Além da multa, a Brasil Sul Indústria e Comércio Ltda também foi proibida de participar de novas licitações pelo período de cinco anos.
Medicamentos antirretrovirais
Esta investigação também se iniciou com a “Operação Roupa Suja”, e acabou condenando duas empresas e quatro pessoas físicas por formação de cartel em licitações públicas no mercado de insumos para fabricação de medicamentos antirretrovirais. O cartel teve como alvo três laboratórios públicos que fabricavam medicamentos para o combate a doenças transmitidas por vírus, principalmente o HIV, e compravam destas empresas os insumos para a fabricação dos remédios.
Compressores para refrigeração
A segunda maior multa de 2016 foi aplicada pelo Cade no caso dos compressores herméticos para refrigeração, utilizados para a fabricação de eletrodomésticos como geladeiras, congeladores e aparelhos de ar-condicionado. A soma de pouco mais de R$ 21 milhões em multas foi aplicada a três empresas, e três pessoas físicas – representantes dos grupos Tecumseh e Whirlpool/Embraco, que assinaram acordo de leniência. De acordo com o Cade a fraude lesou consumidores brasileiros e de outros países durante, pelo menos, o período de 1996 a 2008.
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