Ainda é cedo para dizer que o mundo vive completamente o fenômeno da desglobalização (ou antiglobalização), mas seguramente atravessa uma fase desglobalizadora. Essa é a visão de Marcos Troyjo, diretor do BRICLab (Centro de Estudos sobre Brasil, Rússia, Índia e China) da Columbia University, de Nova York, onde também é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas.
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Trump deve aquecer economia dos EUA no curto prazo, mas consequências são incertas
Em entrevista à Gazeta do Povo antes do lançamento do livro Desglobalização: Crônica de um Mundo em Mudança, Troyjo destaca os principais fatos que fortalecem o discurso contrário à globalização, os grandes malefícios dessa fase e algumas das principais consequências para o Brasil. Confira os principais trechos da entrevista:
O termo globalização era muito usado para falar de política e de economia desde a década de 1990. Agora é o momento de “virar o disco” e passar a falar sobre desglobalização?
Quando se falava em globalização usava-se em tom mais positivo e realmente acho que a globalização foi boa para muita gente. Ela ajudou, por exemplo, no maior milagre econômico já registrado, que é a China ter resgatado 800 milhões de pessoas de uma renda média inferior a US$ 2 por dia. E mesmo nos Estados Unidos, onde podem falar que pessoas perderam o emprego em Indiana ou Ohio, mas também apareceram novos setores, como o Vale do Silício, que virou o epicentro da tecnologia no mundo. Mas, com o susto da crise de 2008 e com muita gente no mundo ocidental que perdeu o posto de trabalho porque aquela função migrou para um país como China e Índia, se criou sim essa contra energia que tem um efeito desglobalizador. Estamos então passando por uma névoa, uma fase desglobalizadora. Na minha opinião ela não será tão duradoura, mas sim, hoje os vetores da desglobalização estão mais fortes, muito mais operantes que os da globalização.
Há mais benefícios ou malefícios na desglobalização?
Eu vejo mais malefícios ao mundo se essa tendência de desglobalização se aprofundar, principalmente do ponto de vista econômico. Por exemplo, se um consumidor está acostumado a comprar uma folha de papel produzido no Vietnã por uma fração de custo, ele provavelmente está tirando posto de trabalho de alguém que faria esse papel no Brasil ou nos EUA. Por outro lado, esse consumidor está sendo compensado com um bem muito mais barato. Essa dinâmica permite uma melhora na eficiência da economia, porque aquela porção de pessoas que produziriam o papel pode ser treinada para fazer outra coisa que o país tenha mais vantagens comparativas. Vamos supor que essa retórica protecionista vingue nos EUA e na Europa, isso vai resultar em inflação no mundo. Vamos ter aumento no custo de produção dos bens e isso vai ser repassado para os consumidores. Com o aumento da inflação, vão ser necessárias políticas monetárias mais apertadas. Essa notícia recente de que a economia mundial está entrando em uma trajetória melhor, portanto, pode rapidamente ser revertida.
Discursos nacionalistas reforçam esse clima antiglobalização?
Do ponto de vista político, infelizmente as lições da história mostram que o nacionalismo, que é uma das antíteses da globalização, vem de mãos dadas com o militarismo. O nacionalismo é um discurso muito desglobalizador e não há exemplos de nacionalismo exacerbado sem militarismo exacerbado. Então quando você leva em consideração que há uma potência como os EUA armada até os dentes, outra como a Rússia que era antagonista e também está armada até os dentes, além de um ator econômico em ascensão, como é a China, que também está se armando. Tudo isso aumenta o potencial de conflito e, portanto, deixa de ser inimaginável que um contencioso comercial possa se transformar em uma confrontação militar maior.
E o Brasil, como fica nesse cenário?
Na área fundamental da globalização que é o comércio exterior, o Brasil é um dos países mais fechados do mundo. Alguns dizem que é o país mais fechado do mundo se desconsiderar Coreia do Norte, Cuba e Venezuela. E isso não é só problema dos governos petistas, pois se pegarmos do momento em que fomos descobertos até agora, raramente temos mais do que 20% ou 25% do PIB resultante da ação de exportação e importação. O curioso é que depois de ter passado por essa experiência nacional desenvolvimentista dos últimos 13 anos, em que se manteve o país fechado, o Brasil resolveu se abrir.
Mas, nesse momento, o mundo está com as portas fechadas. Ou seja, quando o mundo estava aberto para negócios a gente não queria fazer nada, agora que o mundo se fechou estamos forçados a buscar mercados lá fora. Mas temos notícias boas também, como o acordo Mercosul–União Europeia, que vai completar 18 anos, e tem mais chance de sair do papel agora. Os europeus estão loucos para fazer esse acordo porque querem mostrar que a saída dos britânicos não vai afetar tanto a política externa na área comercial. O Brasil tem muitas oportunidades de atrair investimentos chinês e do mundo árabe. Então, muitas portas se fecham e outras se abrem, mas do ponto de vista do comércio, não há dúvida alguma que o mundo está mais fechado, com menos oportunidades para o Brasil do que em tempos recentes.
Com Donald Trump nos EUA, o cenário fica ainda pior?
Tem uma coisa boa que na realidade é ruim da relação comercial Brasil–EUA, que é o seguinte: p Brasil não vai ser muito afetado por políticas mais protecionistas da Casa Branca. Isso é bom, mas pelas razões erradas. Primeiro porque importamos super pouco dos EUA. Segundo motivo: uma das coisas mais malucas é o fato de o Brasil ser um dos únicos países do mundo que consegue ter déficit comercial com os EUA. Eles têm superávit na balança comercial com o Brasil. Isso faz com que nós não fiquemos na tela de radar do Trump como o México está, como a China está. Isso significa que vamos aumentar as exportações para os EUA? Não necessariamente. Temos apenas uma exceção que são as commodities minerais. Se nesse período Trump for agressivo na questão da infraestrutura, isso vai jogar o preço da commoditie de minério lá para cima, que é o que já está acontecendo com o minério de ferro desde novembro no mundo.
Acho que é esse o aumento do comércio entre os dois países, não vejo muito avanço em outras áreas. Também não vejo nenhum apetite de recriação de uma Alca (Área de Livre Comércio das Américas) e acho pouco provável que surja outro acordo de comércio entre Brasil e EUA. Agora, para outras áreas do mundo, a situação não está necessariamente ruim para nós.
Nessa lógica, é um bom momento para ampliar a relação Brasil e China?
A relação comercial Brasil e China já é volumosa, sobretudo se levar o histórico dos últimos 15 anos, em que um comércio de US$ 1 bilhão se transformou em um de US$ 80 bilhões. Agora, quando olhamos a composição dessas exportações, ficamos chateados porque ali basicamente só tem minério de ferro e complexo soja. Do outro lado, se olhar o fluxo contrário vai ver máquinas, satélites, computadores...Outro dado chocante: uma tonelada de produto brasileiro exportado para a China custa US$ 200, já uma tonelada de produto chinês exportado para o Brasil custa mais ou menos US$ 3 mil. Então, tem um desequilíbrio estrutural na balança comercial Brasil–China que não vai mudar porque os EUA se fecharam.
O que pode sim mudar – na verdade já está acontecendo e eu espero que aconteça mais – é que como os chineses têm muitas reservas cambiais na forma de papéis da dívida americana, eles querem diversificar esses investimentos, portanto deve sobrar recursos para investir em ferrovias e rodovias brasileiras. É também do interesse deles para fazer escoamento de produtos mais rápidos. Tudo isso é muito importante, então, há uma perspectiva de aumento das relações Brasil e China, mas não necessariamente no comércio, mas no campo do investimento e do financiamento.
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