Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Mercado

Por que o “muro” é o melhor lugar para o Brasil na guerra comercial EUA-China

(Foto: Johannes Eisele/AFP)

Depois de uma campanha eleitoral na qual fez críticas à relação brasileira com a China e lançou uma névoa de preocupação sobre o futuro da principal parceria econômica do país, o presidente Jair Bolsonaro parece ter abandonado a postura de emular o colega norte-americano Donald Trump.

Atos de aproximação e diálogo já sinalizam que as falas do então candidato não se transformarão em medidas práticas no governo. A mudança de rota é considerada a mais acertada por especialistas que acompanham o mercado sino-brasileiro, em meio às águas turbulentas da guerra comercial entre China e Estados Unidos e de uma recessão que se instala em ambiente global.

"O pior dos cenários de um eventual acirramento das relações entre Estados Unidos e China é que sejamos levados a tomar posição de um em relação ou outro, seja em termos comerciais, seja no âmbito de instituições multilaterais", avaliou Renato Bauman, subsecretário para investimentos estrangeiros da Secretaria-Executiva da Câmara Exterior do Brasil, durante Conferência Anual do Conselho Empresarial Brasil China (CEBC), em São Paulo*.

VEJA TAMBÉM:

Também no evento, a economista coordenadora do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco, Fabiana D'Atri, afirmou que a perspectiva que se desenha é de uma situação de guerra comercial "mais permanente do que temporária", com a necessidade de adaptação ao cenário de tensões.

A previsão é de que a economia mundial deve vir para uma desaceleração ficando abaixo da linha dos 3% [de crescimento, o que já caracteriza recessão global de acordo com o FMI] e se houver intensificação das tensões pode haver uma desordem mais intensificada com reflexos - é claro no Brasil: "os nossos ciclos são correlacionados com os ciclos globais, não só porque exportamos, importamos, mas porque o Brasil tem muitas multinacionais, o capital estrangeiro circula de longa data aqui e [assim] decisões globais afetam também decisões nacionais", conclui.

Perdas e ganhos

A polarização EUA-China obviamente já causou impactos nos mercados em termos de vendas de produtos (seja com quedas, seja com aumentos de demanda - caso dos embarques de commodities agrícolas), mas cabe também uma atenção redobrada a oportunidades que devem surgir do acirramento entre os dois gigantes para além de efeitos inerciais.

"O que se impõe como necessidade do lado de cá? É internalizar o conhecimento, pois coisas importantes estão acontecendo, e nos preparar para maximizar o benefício, a apropriação de benefício que isso possa trazer", defende D'Atri ao defender uma postura menos passiva do país em termos de estratégia.

VEJA TAMBÉM:

Numa linha similar, Bauman afirma que "é preciso que haja uma internalização por parte do empresariado brasileiro, do setor público brasileiro, em promover a proatividade. Havia um dito na década de 70, quando começou o drive exportador brasileiro, se dizia que o Brasil não vende, o Brasil se deixa comprar. Continua a ser verdade, 40 anos depois", critica o subsecretário ao defender uma estratégia mais agressiva de mercado.

Reflexos anteriores

A mudança de discurso de Bolsonaro pode evitar problemas adiante, mas foi capaz de fechar parcialmente a torneira dos investimentos chineses promovidos no Brasil ainda em 2018. A conclusão é apontada no sumário executivo elaborado pelo Conselho Empresarial Brasil China (CEBC), que traça o quadro geral dos recursos injetados no país.

No ano passado, foi registrada queda considerável no valor de investimentos chineses confirmados. Apesar de terem somado US$ 3 bilhões, foram 66% menos do que o realizado em 2017, quando o país recebeu US$ 8,8 bilhões em aportes da China.

O tombo, de acordo com a CEBC, seguiu ritmo de redução de investimentos do asiático na América Latina, mas foi impactado pelas incertezas de um período eleitoral conturbado e pelas "declarações hostis à China, proferidas pelo atual presidente da República durante a campanha eleitoral de 2018, [que] contribuíram para o surgimento de um ambiente de dúvidas sobre as relações bilaterais".

VEJA TAMBÉM:

Independentemente do temor gerado e da efetiva queda nos investimentos, a percepção é de que o interesse da China no Brasil é pragmático, com base em uma estratégia mercadológica bem traçada e atenta às oportunidades; assim, a expectativa é pela continuidade da injeção de recursos - voltados especialmente aos setores de energia e logística.

Essa perspectiva aparece colada, também, a declarações passadas do presidente chinês Xi Jinping, de que o país investirá cerca de US$ 250 bilhões em territórios latinos e do Caribe até 2025. O panorama é positivo para o Brasil, uma vez que foi o destino de 49% do total mandado para o continente entre 2007 e 2018 - um total de US$ 57 bilhões.

*A jornalista viajou a convite da Siemens, patrocinadora do evento.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros