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Na China, uma geração inteira está crescendo sem Google, Facebook ou Twitter

Jovem chinês mexe em seu celular, que não tem acesso aos meus apps a que os brasileiros estão acostumados. | Gilles Sabriê/NYT
Jovem chinês mexe em seu celular, que não tem acesso aos meus apps a que os brasileiros estão acostumados. (Foto: Gilles Sabriê/NYT)

Wei Dilong, 18 anos, que vive na cidade chinesa de Liuzhou, gosta de basquete, hip-hop e filmes de super-heróis de Hollywood. Planeja estudar Química no Canadá quando for para a faculdade, em 2020.

Além disso, é o típico adolescente chinês por outro detalhe: ele nunca ouviu falar do Google ou do Twitter. Uma vez, ficou sabendo da existência do Facebook. “Seria talvez como o Baidu?”, perguntou, referindo-se ao mecanismo de busca predominante na China.

Há uma geração de chineses que cresceu com uma internet distintamente diferente do resto do mundo. Na década passada, a China bloqueou o Google, o Facebook, o Twitter e o Instagram, assim como milhares de outros sites estrangeiros, incluindo o do New York Times e da Wikipedia chinesa. Inúmeros sites surgiram no país para oferecer as mesmas funções, embora com uma boa dose de censura.

Agora, as consequências do uso desse sistema diferente estão começando a aparecer. Muitos jovens chineses não têm ideia do que sejam Google, Twitter ou Facebook, criando um abismo com o resto do mundo. E, acostumados aos aplicativos e aos serviços on-line nacionais, parecem pouco interessados em saber o que foi censurado, permitindo que Pequim construa um sistema de valores alternativo que compete com a democracia liberal ocidental.

Essas tendências estão se expandindo: a China está agora exportando seu modelo de internet censurada a outros países, incluindo Vietnã, Tanzânia e Etiópia.

A situação é o oposto do efeito da internet que muita gente no Ocidente havia antecipado. Em um discurso de 2000, o presidente Bill Clinton argumentou que o crescimento da rede tornaria a China uma sociedade mais aberta, como os Estados Unidos. “No novo século, a liberdade vai se espalhar pelo celular e pelo modem a cabo”, disse ele.

Para os gigantes ocidentais da internet, a esperança de abocanhar uma parte do enorme mercado da China é cada vez mais um sonho inalcançável. O Partido Comunista chinês demonstrou claramente que vai continuar trilhando o caminho de controle ideológico rígido com o presidente Xi Jinping. Na primeira metade deste ano, o órgão regulador da internet, a Administração Cibernética da China, disse que tinha desligado ou revogado as licenças de mais de três mil sites.

Dois economistas da Universidade de Pequim e da Universidade de Stanford concluíram este ano, após uma pesquisa de 1,5 ano, que os estudantes universitários chineses não faziam questão de ter acesso à informação política não censurada. Os pesquisadores deram ferramentas para burlar a censura a quase mil alunos de duas universidades de Pequim, mas descobriram que quase metade deles não as usou. Entre aqueles que o fizeram, quase nenhum navegou por sites estrangeiros de notícias que eram bloqueados.

“Nossos resultados sugerem que a censura na China é eficaz não só porque o regime dificulta o acesso às informações, mas também, basicamente, porque promove um ambiente em que os cidadãos não as exigem”, escreveram os pesquisadores.

Zhang Yeqiong, 23 anos, representante de atendimento ao cliente em uma empresa de comércio eletrônico em Xinji, uma pequena cidade a algumas horas de carro de Pequim, comprovou esse sentimento. “Eu cresci com o Baidu, estou acostumada com ele”, afirmou.

A atitude é bem diferente da existente entre os nascidos na China nos anos 1980. Quando essa geração se tornou adulta, há uma década ou mais, houve quem se rebelasse – como Han Han, blogueiro que questionou o sistema político e os valores tradicionais chineses, vendeu milhões de cópias de livros e tem mais de 40 milhões de seguidores no Weibo, o equivalente chinês do Twitter.

Agora não há nenhum adolescente chinês como Han. Mesmo ele, hoje com 35 anos, está diferente. Em geral, posta sobre seus negócios no Weibo, que incluem a produção de filmes e carros de corrida.

Muitos jovens chineses consomem preferivelmente aplicativos e serviços como o Baidu, a rede social WeChat e a plataforma de vídeos curtos Tik Tok, que geralmente tratam de consumismo e nacionalismo.

Em março, quando o gigante das redes sociais, Tencent, pesquisou mais de dez mil usuários que nasceram em 2000 ou depois, quase oito em cada dez disseram achar que a China estava em seu melhor momento da história, ou que estava se transformando em um país melhor a cada dia. Quase a mesma porcentagem disse estar muito ou bastante otimista sobre o futuro.

“Os aplicativos chineses têm tudo”

Uma que se descreve como patriótica, otimista e desinibida é Shen Yanan, 28 anos, que trabalha no departamento de operações de um site de imóveis em Baoding, cidade de cerca de três milhões de habitantes perto de Pequim. Ela acredita que seu país é grande e afirmou que fará o possível para torná-lo ainda mais forte.

Todas as noites, assiste a uma ou duas horas de novelas sul-coreanas no telefone. Não possui nenhum aplicativo de notícias porque disse que não se interessa por política. Viajou para o Japão algumas vezes e usou o Google Maps lá, mas, fora isso, nunca visitou sites estrangeiros bloqueados. “Os aplicativos chineses têm tudo”, afirmou.

Sua amiga, Chu Junqing, também de 28 anos, representante de recursos humanos, disse que passa de duas a três horas assistindo a vídeos cômicos no Tik Tok após o trabalho. Ela às vezes lê notícias no aplicativo Jinri Toutiao, e descobriu que muitos países estavam envolvidos em guerras e tumultos. “A China é muito melhor”, concluiu.

Wen Shengjian, 14 anos, quer se tornar rapper e idolatra Drake e Kanye West. Shengjian, cuja família se mudou em julho de Pequim para Dongying, uma cidade petrolífera na província oriental de Shandong, disse que tinha notado que os rappers americanos falavam muito sobre questões sociais e que alguns até mesmo criticavam o presidente em sua música.

Isso não funcionaria na China, disse ele, que é um país em desenvolvimento e precisa de estabilidade social. Essa é uma linha que o Partido Comunista faz questão que a mídia estatal e os livros escolares repitam o tempo todo.

Shengjian, que gosta de jogar basquete, disse já ter ouvido falar de Google, Facebook, Twitter e Instagram. Contou que um amigo de seu pai mencionara que esses sites foram bloqueados porque parte de seu conteúdo “não era apropriado para o desenvolvimento do socialismo com características chinesas”.

“Não preciso deles”, garantiu.

Quando os jovens chineses passam algum tempo no exterior, muitos entram em contato com um ecossistema internético inteiramente diferente. Isso aconteceu com Perry Fang, 23 anos, que saiu há dois anos de Guangzhou, no sul da China, para estudar marketing em Sydney, Austrália. Lá, ficou conhecendo novos sites, incluindo Google, Facebook, YouTube e Snapchat.

Fang disse que, agora, quando volta para a China para visitar a família nas férias, é difícil não poder usar o Google. Ele também aprendeu a não verificar notícias políticas na frente de seus pais, que o repreenderam por fazê-lo.

“Os aplicativos chineses são inúteis quando você se muda para o exterior, mas, com o Google e outros, pode visitar qualquer país e ainda usar os mesmos aplicativos. O retorno do investimento é muito alto”, concluiu. 

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