A crise econômica já provoca mudanças nos hábitos dos brasileiros, que estão cortando despesas e evitando contrair novas dívidas. Optar por marcas mais baratas no supermercado, adiar a compra da geladeira ou a reforma da casa, ou até mesmo cortar o curso de inglês das crianças entraram na pauta do dia das famílias para contornar os efeitos da retração da economia.
Uma pesquisa realizada pelo Ipsos, a pedido da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), mostra que mais da metade dos brasileiros não está disposta a adquirir dívidas em 2009. De acordo com o levantamento, cerca de 37% deles se declaram menos à vontade para contrair dívidas, enquanto 31% afirmam não haver nenhuma possibilidade de que isso aconteça.
Atualmente, o compromisso que está pesando mais no orçamento é a alimentação, para 73% dos entrevistados, a prestação em crediários de compra de bens de consumo é o mais pesado para 20% e o pagamento de impostos, para 18%.
O medo de perder o emprego e a pressão no orçamento fizeram o brasileiro frear principalmente as compras de produtos que dependem de crédito e financiamento, como eletrodomésticos, material de construção e automóveis. "A confiança na economia é um fator decisivo. Diante da crise e do anúncio de demissões, o consumidor prefere se precaver mais e evitar se endividar", diz o economista Reinaldo Pereira, da coordenação de serviços e comércio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O casal de empresários Eduardo Vieira, de 49 anos, e Márcia Eliane Vieira, de 46 anos, é um exemplo dessa tendência. Com uma renda mensal de cerca de R$ 5 mil e cinco filhos, eles resolveram reduzir gastos e adiar a reforma das casas de Curitiba e do Litoral. "Percebi que começou a ficar muito pesado administrar as contas e decidi mudar algumas coisas", diz Eduardo, que substituiu o celular pós-pago por um pré, dispensou os serviços do jardineiro e transferiu a filha de 16 anos para o período da tarde no colégio porque a mensalidade é mais barata.
Donos de um bar, o casal diz que a instabilidade da renda é um problema em épocas de crise. "Nunca sabemos quando o movimento (do comércio da família) será bom ou não. Assim é difícil fazer algum planejamento. Temos que nos precaver", diz.
A mudança no comportamento das famílias já tem reflexos no comércio, que amargou uma queda de 2,3% no último trimestre de 2008 na comparação com o terceiro trimestre, de acordo com o IBGE.
No supermercado, o consumidor está substituindo marcas mais caras por mais baratas e deixando no carrinho os itens supérfluos. Para a Associação Brasileira de Marcas Próprias (Abmapro), o setor se beneficia em épocas de crise. "Há uma tendência ainda maior de o consumidor experimentar itens com a marca do varejista e do atacadista, que geralmente são 20% mais baratas, e comprovar a relação custo-benefício" diz a presidente da entidade, Neide Montesano.
Educação
Os gastos com educação também estão na mira das famílias. Segundo o presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Paraná (Sinepe/PR), Ademar Batista Pereira, as escolas de cursos complementares, como de idiomas e de capacitação técnica, já sentem uma diminuição no número de matrículas. "As famílias estão cortando esse tipo de gasto com os filhos, e as empresas, que subsidiavam cursos de capacitação, também estão reduzindo as despesas", diz. Outra preocupação do setor é com o aumento da inadimplência hoje entre 3% e 10% ao anoprincipalmente a partir do segundo semestre de 2009. "Todo mundo vai pagar um preço pela crise. Se houver um aumento do desemprego, a situação pode ficar complicada."
Para Marcos Pazzini, diretor da Target Marketing, consultoria especializada em consumo, a mudança de atitude das famílias não é definitiva e deve se alterar quando a economia voltar a decolar. "O comportamento atual é uma resposta ao momento de incertezas. Mas no momento em que sentir um pouco mais segurança, o consumidor volta a comprar e a tirar do papel os seus projetos", completa.