Contando com o casamento do último sábado, a agência curitibana Par Ideal já uniu 1.770 casais desde 1995, dos quais apenas 39 se separaram. De certa forma, cada união bem-sucedida reforçou a importância de estabelecer incentivos e regras para que determinados mercados funcionem bem, gerando benefícios mútuos a agentes econômicos (pessoas, empresas, governos) que tenham interesses iguais ou complementares. Em outras palavras: homens e mulheres inscritos em agências de casamento existem aos montes; o desafio é saber como aproximar duas pessoas de forma que ambas fiquem felizes e continuem juntas.
As chamadas "combinações estáveis" são objeto de toda uma área de pesquisas. E ela acaba de ser homenageada com o Nobel de Economia, anunciado ontem em Estocolmo. Os norte-americanos Alvin Roth, 60 anos, e Lloyd Shapley, 89, vão dividir o prêmio de 8 milhões de coroas suecas (R$ 2,4 milhões) oferecido pela Real Academia Sueca de Ciências.
Em seu anúncio, a academia afirmou que o prêmio reconhece os esforços de Roth, professor da Universidade de Stanford, e Shapley, da Universidade da Califórnia, em "encontrar soluções práticas para o mundo real". Soluções que, claro, vão além de unir caras-metades. Como mostraram Roth e Shapley, a "modelagem" de mercados pode ser útil, por exemplo, para aproximar pacientes à espera de transplante e doadores de órgãos, médicos recém-formados e hospitais em busca de residentes, estudantes em busca de vagas e escolas públicas.
Mercados sem preços
Segundo a Academia Sueca, "a combinação da teoria básica de Shapley e as investigações empíricas, os experimentos e o formato prático do trabalho de Roth deram origem a um campo de pesquisa fértil que melhorou o desempenho de muitos mercados". "O prêmio nos lembra que um dos mais interessantes problemas da Economia está descrito em sua própria definição: é a ciência que estuda a alocação de recursos escassos", diz Cláudio Shikida, professor e pesquisador do Ibmec-MG.
O mais interessante é que as contribuições de Roth e Shapley se aplicam a mercados em que os preços quase sempre o instrumento mais eficiente para regular um mercado não são capazes de refletir nem orientar a oferta e a demanda. "Quase sempre a alocação de recursos é dada pelo sistema de preços. Mas há mercados em que isso é difícil ou impossível, por questões institucionais ou éticas, por exemplo", diz Lucas Dezordi, coordenador do curso de Economia da Universidade Positivo.
Matrimônio e transplante
Os estudos de Shapley, nos anos 1960, partiram justamente dos casamentos. Ele propôs um algoritmo que, em tese, permitiria aproximar cada solteiro de um grupo do melhor cônjuge possível, dentro das expectativas de cada um. A partir dos anos 1980, Roth testou na prática não em casamentos, diga-se o algoritmo proposto pelo colega. Um projeto recente baseado no trabalho de Roth combina doadores de rim e pacientes que precisam do órgão. E os sistemas públicos de ensino de cidades como Nova York, Boston, Chicago e Denver usam um algoritmo baseado em seu trabalho que ajuda a distribuir alunos pela rede escolar.
São iniciativas que, para Shikida, do Ibmec-MG, podem inspirar projetos no Brasil. "Governos do mundo inteiro enfrentam problemas similares aos do Brasil na alocação de órgãos para transplantes, mas alguns usam incentivos que chegam a zerar o descompasso entre a oferta de órgãos e sua demanda", diz.