Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Política econômica

Na sala de aula, o livre mercado tirou zero

"Como é que ninguém viu que isso iria acontecer?", pergunta um aluno ao professor. Outros estudantes o acompanham, em coro. Afinal, para quem está estudando Economia ou Finanças, é difícil entender como o governo dos Estados Unidos e analistas econômicos não perceberam que a bolha das hipotecas subprime estava prestes a estourar. Por alguns momentos, os alunos deixam de lado a teoria e se atêm à prática. A crise global vira assunto para a sala de aula.

O professor Luiz Carlos Monteiro, do Isae/FGV, explica à turma de MBA em Gestão Empresarial que, quando muita gente está ganhando dinheiro, o clima de oba-oba é contagiante, e quem ousa falar o contrário é desacreditado. Por exemplo: em setembro de 2006, o economista que agora é conhecido como o "profeta do caos", Nouriel Roubini, falou para seus pares do Fundo Monetário Internacional (FMI) que os Estados Unidos iriam enfrentar uma profunda crise, provocada pela bolha imobiliária. Após o discurso, o mediador fez um gracejo, todos riram e o assunto ficou por aí.

Dois anos depois, os estudantes de Economia e afins ficam indignados com a falta de "semancol" do mercado. Para eles, era óbvio que financiar imóvel para pessoas sem renda suficiente, como foi feito nos Estados Unidos, e ainda negociar papéis lastreados nesses financiamentos iria dar em algo ruim. Era óbvio e foi o que aconteceu. Atualmente, as maiores economias do mundo estão entrando em recessão, impulsionadas pela crise de liquidez e de confiança que se seguiu ao estouro da bolha imobiliária norte-americana.

"Houve uma concentração de renda gigantesca nos Estados Unidos, e há dados que mostram que as crises sempre ocorrem quando há essa concentração", diz o aluno Felipe Alejandro, do 2º ano de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ele e seus colegas compartilham muitas opiniões. "O que se vê é que o capitalismo não funciona bem se o Estado não intervir." Tenta-se ouvir o outro lado mas, nesses tempos, coisa mais difícil é achar alguém que se diga neoliberal.

Se Milton Friedman, mentor do neoliberalismo, está em baixa, são os economistas mais à esquerda que brilham, principalmente nos discursos acadêmicos. Karl Marx, John Maynard Keynes e Hyman Minsky, por exemplo, foram as estrelas de um recente debate que reuniu professores e alunos da UFPR. "Os marxistas se sentem confortáveis perante a crise, até porque eles não têm dinheiro a perder", disse o professor Francisco Paulo Cipolla, provocando risos no público. Em um momento de crise do sistema capitalista, tripudiar sobre os erros do mercado não serve apenas para comprovar uma ou outra teoria, mas para angariar seguidores.

O discurso keynesiano do professor Marcelo Curado também agradou os alunos, que, no entanto, ficaram desapontados quando ele disse que "seja como for, o sistema capitalista não vai acabar". O professor Fabiano Dalto, que segue as idéias de Minsky – considerado pós-keynesiano –, foi quem apresentou os dados sobre concentração de renda, aqueles que impressionaram o aluno Felipe Alejandro: recentemente, apenas 1% da população norte-americana concentra 22,9% da renda total dos Estados Unidos, nível muito próximo ao registrado em 1929, quando ocorreu o crash da Bolsa de Nova Iorque, ou a "Primeira Crise Mundial".

Apesar das posições bem claras de cada professor, o que impera na sala de aula não é nem Friedman, nem Marx, nem Keynes. O "manual" fala mais alto. Isto é, os livros de macroeconomia, com conteúdo geral, são as bíblias; nenhum economista é reverenciado. Quem diz isso são os professores e os próprios alunos. Mas, extra-oficialmente, o desdém ao livre mercado parece ter virado um fundamento para os estudantes de economia.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.