O economista Marcello Velloso comandava toda a operação de varejo do HSBC no México quando o banco encerrou sua operação brasileira. Disponível no mercado, ele logo recebeu a oferta de uma multinacional mexicana e voltou para São Paulo, com o cargo de vice-presidente. A vida seguia estável e tranquila quando ele se viu diante de uma oportunidade irrecusável: largar tudo para morar em Curitiba e trabalhar em uma empresa “ponto.com”. Há três meses, ele assumiu o cargo de vice-presidente executivo da MadeiraMadeira
A startup nasceu vendendo pisos pela internet, quase como uma empresa de “fundo de quintal”, em São José dos Pinhais. Em nove anos, virou o maior vendedor online de materiais para casa, e hoje ocupa um prédio de oito andares no Centro de Curitiba. A empresa cresceu rápido, sempre com profissionais “prata da casa” -- em geral jovens com pouca experiência, mas muita vontade de aprender. Mas chegou a um ponto em que precisa recrutar profissionais como Velloso. Gente graúda, com experiência em cargos de liderança de corporações gigantes, com faturamento na casa do bilhão.
Velloso não é o único profissional, e nem a MadeiraMadeira a primeira empresa a fazer este movimento. As principais startups de Curitiba estão todas em buscas de profissionais com este perfil, o chamado “c-level”. O termo em inglês refere-se a cargos de liderança, como CEO (diretor executivo), CFO (diretor de finanças), COO (diretor de operações) e por aí vai.
LEIA TAMBÉM: Startups emergem como vetor da transformação industrial no Paraná
A Pipefy foi ao Vale do Silício, nos Estados Unidos, buscar seu novo VP (vice-presidente) de Marketing. O mexicano Rodrigo Vaca fez carreira em empresas veteranas da tecnologia, como Google e Microsoft. Especialista em desenvolvimento de software, ele já gerenciava o Marketing de uma startup quando mudou para a Pipefy. Vaca trabalha na sede americana da startup, em São Francisco.
Focada em desenvolvimento de soluções (como softwares “em nuvem”, que podem ser acessados diretamente pela internet), a Pipefy decidiu ser uma empresa global desde o primeiro momento. Hoje, muitos dos clientes da empresa são dos Estados Unidos, por exemplo. Daí a importância de buscar profissionais graduados também no exterior. O coração da empresa, no entanto, fica em um prédio no bairro Juvevê, em Curitiba.
A internacionalização de talentos também é uma demanda constante para os recrutadores da Ebanx. A startup oferece seu serviço de “intermediar pagamentos” em toda a América Latina. Mas os clientes vêm do mundo todo. O serviço da startup é justamente o de conectar estas partes -- permitir que os chineses do AliExpress, por exemplo, consigam vender para um brasileiro que paga via boleto bancário. A startup hoje tem talentos de 19 nacionalidades diferentes.
Desafio de embarcar numa empresa que nasceu do zero é o que atrai os talentos
Alphonse Voigt, João Del Valle e Wagner Ruiz, os fundadores do Ebanx, são eles próprios profissionais experientes que trocaram o mundo corporativo para assumir a startup. Por muito tempo, no entanto, eles recrutaram basicamente millennials (a média de idade da empresa é de 29 anos). Mas de uns tempos para cá a demanda por trazer gente com maior bagagem cresceu. Atualmente a empresa busca um vice-presidente comercial para a América do Norte. A meta é encontrar um profissional com muita experiência no mercado local dos Estados Unidos, para ser uma espécie de embaixador da marca.
Sergio Coelho assumiu como líder no segmento voltado ao consumidor (chamado B2C) do Ebanx há três meses. Na GVT ele foi um dos responsáveis por liderar a estratégia digital em um momento de transição, quando a companhia deixava de pensar só em infraestrutura para se converter em uma empresa de tecnologia. Trabalho que ele manteve na Telefônica (que adquiriu a GVT em 2014), desta vez em São Paulo.
A possibilidade de ser repatriado para Curitiba pesou na escolha de Coelho pelo Ebanx. Assim como na de Marcello Velloso — que é mineiro, mas há anos escolheu a capital paranaense como sua casa. Mas o grande motivador que motiva a decisão de todos estes profissionais é o desafio de entrar em empresas que começaram do zero, e em poucos anos já faturam na casa dos milhões. E que têm potencial para manter este crescimento exponencial”.
“O propósito de vir para construir algo que não tem só uma página em branco, mas um livro inteiro em branco, isso brilha o olho da pessoa. Ela vai ser a primeira desta posição, não teve ninguém antes, então nada melhor do que poder escreer a história da sua identidade”, explica Denise Barbosa, que comanda a área de Pessoas e Cultura na MadeiraMadeira. Ela própria vem desta trajetória mais “tradicional” de carreira, com 20 anos de experiência na área de recursos humanos.
Choque de cultura de quem chega nas startups é grande
Mas se adaptar à realidade das empresas digitais. Denise explica que, da mesma forma que é feito nos demais cargos, para os c-level a empresa busca um “fit cultural” com os talentos. Muitas startups costumam dizer que seus líderes são “hands on”, por exemplo. Na prática, isso significa que os líderes muitas vezes têm de voltar a executar tarefas que realizavam 10 anos antes, em suas carreiras.
LEIA TAMBÉM: Startup cria “vale terapia” para empresas cuidarem da saúde mental de funcionários
“Muitas vezes eles saem de uma estrutura enorme, onde conseguem se manter só no estratégico, para vir para uma organização onde no mesmo minuto ele está executando o operacional e definindo a estratégia da empresa. Essa capacidade de ir do operacional ao estratégico em oito segundos é a grande chave. E nem todos têm interesse”, resume Denise Barbosa.
Daiane Peretti viveu isso na prática. Com mais de 10 anos de experiência em multinacionais da indústria, ela já estava em busca de um trabalho em que tivesse maior qualidade de vida quando conheçou a Olist. Foi a funcionária número 15 da startup, que ainda estava no começo.
Acostumada a uma estrutura enorme no RH das grandes corporações, onde contava com fornecedores para diferentes tarefas e orçamentos robustos para todo tipo de projeto, ela ficou oito meses sozinha, fazendo dezenas de contratações, ao mesmo tempo em que criava, do zero, todos os processos que iriam traduzir o espírito dos fundadores em uma cultura organizacional, e ainda gerenciava a equipe “na unha”, utilizando planilhas de Excel.
“As grandes corporações normalmente tem gente de todo tipo. Então tem muita competição, um clima muito pesado. Eu fiz parte de empresas que tiveram muita fusão. E essas mudanças são cansativas”, diz ela. Hoje, em um clima mais leve, ela não trabalha menos horas; mas fica menos cansada, e consegue aproveitar melhor a vida pessoal. “Mas não é leve desde o início, porque requer adaptação”.
O clima mais “leve” a motivou pessoalmente e também nos processos que implantou na empresa. Hoje a Olist tem mais de 170 funcionários – na sede em Curitiba e no escritório no Cubo Itaú, em São Paulo –, e parte do trabalho de Daiane é construir, junto com as lideranças, “um ambiente bom, em que as pessoas acordem na segunda-feira e se sintam confortáveis de vir trabalhar, e não tristes”.
A possibilidade de criar e crescer junto
A possibilidade de crescer junto com a empresa, como fez Daiane, é um dos atrativos das startup para atrair este profissionais escolados no mercado. Uma prática comum é a possibilidade de ceder ações da empresa. As grandes também fazem isso; mas, como as startups muitas vezes dobram de tamanho ano a ano, este crescimento acelerado se converte em valorização dos papéis, o que é um atrativo financeiro.
A qualidade de vida também pesa. O Ebanx criou até uma página e uma calculadora em que compara os custos de vida em São Paulo aos de Curitiba. Assim como o ambiente jovem. O que para muitos executivos é um temor, para outros é um atrativo, já que as novas gerações tendem a criar um ambiente mais colaborativo do que o encontrado em corporações mais antigas.
“Nesta fase de crescimento, a gente precisa menos de pessoas que fazem um pouco de tudo e mais pessoas que fazem em quantidade. E estes profissionais a gente tem recrutado fora de Curitiba, até pelo tipo de empresa pela qual este profissional passou”, explica diretor de “People” do Ebanx, Rodrigo Adanya.
Marcello Velloso brinca que não dá para ver nenhuma impressora em um andar inteiro da MadeiraMadeira, onde trabalham cerca de 100 pessoas. Um rapaz de 20 e poucos anos o corrige: tem uma lá no canto. Os resquíscios de um mundo analógico não interferem em nada no espírito digital que emana do ambiente.
Com quase três décadas de experiência no varejo, o executivo se encantou com a possibilidade de contribuir com métodos e métricas para ajudar a MadeiraMadeira a dar um novo salto qualitativo na sua curva de crescimento.
LEIA TAMBÉM: Startup desenvolve software que reduz em até 30% faltas de pacientes em clínicas
O que as startups maduras querem dos profissionais mais experientes
A busca por perfis como o dele não significa que as startups mudaram sua forma de contratar. Estas empresas ainda valorizam profissionais que vão aprender e crescer dentro da empresa. Mas a necessidade de trazer profissionais com mais bagagem de mercado tem a ver com o jogo dos grandes que, cada vez mais, estas startups passam a disputar.
A Ebanx recebeu, em janeiro, um aporte de US$ 30 milhões do fundo norte-americano FTV Capital, e busca consolidar sua presença na América Latina. Também no primeiro semestre, a Pipefy recebeu US$ 16 milhões em nova rodada de investimentos, e atualmente foca em aumentar a robustez dos seus produtos com tecnologias como inteligência artifial. A ideia é ofertar soluções mais completas para seus clientes ao redor do mundo.
Os planos da Olist, que permite a qualquer pessoa que vende algo pela internet se inserir de forma rápida nas principais lojas virtuais do país, é igualmente ousado. Com mais de 3,4 mil lojistas, a startup quer ser a maior loja dentro de “marketplaces” (sites como o da Americanas e Ponto Frio) do país.
A MadeiraMadeira estima que já é a maior loja de produtos para casa 100% online do país. Com um marketplace recém lançado, a startup quer expandir cada vez mais em vendas nos mundos físico e digital — de preferência ambos de forma integrada.
Todas estas empresas já são grandes “para uma startup”. A meta, agora, é falar de igual para igual com estas mesmas corporações que formaram esses profissionais que elas garimpam no mercado.