O corte na taxa Selic realizado nesta quarta (2), que a levou para 13,25% ao ano, foi além das expectativas dos economistas das casas de análise, mas dentro das previsões do mercado financeiro. A decisão apertada, por cinco votos a quatro, que contou com o aval decisivo do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, pode ser atribuída a dois fatores principais:
- a melhora do quadro inflacionário, refletindo em parte os impactos defasados da política monetária; e
- a queda nas expectativas de inflação para prazos mais longos, após decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) sobre a meta de inflação, mantida em 3%.
“Foi uma decisão técnica”, ressalta o economista-chefe da Nomad e professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), Danilo Igliori.
Ele destaca que não houve efeito das pressões feitas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de seu entorno. Uma das justificativas é o próprio voto de Campos Neto pelo corte um pouco mais ousado. Outra é a sinalização do comunicado de que o processo de corte na taxa Selic vai continuar nas próximas reuniões.
Decisão é compatível com convergência da inflação às metas
Os diretores do BC apontam que a redução é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o centro da meta ao longo do “horizonte relevante”, que inclui 2024 e em grau menor, 2025.
A mediana das projeções de inflação no boletim Focus, da autoridade monetária, para o ano que vem está em 3,89% – acima da meta, mas no intervalo de tolerância, que é de 1,5 ponto percentual. Para 2025 está em 3,5%, também acima da meta e dentro do intervalo de tolerância.
“É um corte adequado para o ciclo e tem algo como três a quatro pontos percentuais para serem cortados e que podem ser feitos e testados a cortes de 0,5”, diz o economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale.
Ao mesmo tempo, o comunicado destacou a necessidade de manter os juros em patamares elevados. As razões que levam a isso, apontam os membros do comitê, são a consolidação do processo de desinflação, bem como a necessidade de as expectativas de inflação voltarem a ficar em torno de suas metas.
A Bloomberg Economics aponta que o movimento deixou a taxa real de juros – descontada pela inflação esperada em 12 meses – em 8,8% ao ano. Segundo a economista sênior para o Brasil e a Argentina, Adriana Dupita, isso ainda é consideravelmente mais alto do que a suposição do BC de 4,5% para a taxa neutra. “A política monetária continua muito rígida.”
Possibilidade de corte menor foi levantada
A possibilidade de reduzir a taxa de juro em 0,25 ponto percentual, apoiada por quatro diretores do BC, chegou a ser avaliada. “Mas [o Copom] considerou ser apropriado adotar ritmo de queda de 0,5 ponto percentual nesta reunião em função da melhora do quadro inflacionário”, diz o comunicado.
De acordo com o comitê, a conjuntura atual, caracterizada por um estágio de queda da inflação que tende a ser mais lenta e por expectativas de inflação com reancoragem parcial exige “serenidade e moderação na condução da política monetária.”
Também houve uma sinalização para as próximas reuniões: os cortes de meio ponto percentual devem ser mantidos se prevalecer o cenário esperado. “Esse é o ritmo apropriado para manter a política monetária contracionista necessária para o processo desinflacionário”, destaca o comunicado do comitê.
O economista-chefe da Nova Futura Investimentos, Nicolas Borsói, afirma que a visão do Copom tem por objetivo readequar o grau de restrição da política monetária, após a queda recente da inflação amplificar o efeito contracionista das elevadas altas de juros domésticos.
Ele avalia que a afirmação de que meio ponto percentual é o ritmo apropriado, mas vê como possível um corte de 0,75 ponto na próxima reunião, em setembro.
Até onde vai o corte nos juros
Pistas sobre a magnitude total do ciclo de redução da taxa de juros foram dadas pelo Copom. Ela vai depender de:
- evolução da dinâmica da inflação, especialmente dos componentes mais sensíveis à política monetária e à atividade econômica;
- expectativas de inflação, principalmente as de longo prazo;
- hiato do produto, ou seja, a diferença entre o PIB real de uma economia e seu potencial de produção; e
- balanço de riscos.
Igliori, da Nomad, afirma, entretanto, que o cenário é incerto. “Foi só o primeiro corte. Mas, muito provavelmente, teremos uma Selic final menor do que se esperava.”
As projeções do último relatório Focus, divulgado na segunda (31), sinalizam para uma taxa de 9,25% ao fim do ano que vem. Ele projeta que a taxa a um dígito poderá vir ainda nas primeiras reuniões de 2024.
O Itaú destaca também a possibilidade de mudanças na composição da diretoria do BC como forma de tornar o Copom um pouco mais flexível em relação aos juros. É que dois dos diretores que votaram a favor do corte mais moderado, de 0,25 ponto percentual, têm mandatos que terminam em dezembro – e serão substituídos por nomes indicados por Lula.
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