O governo corre o risco de ver seu pacote de ajuste fiscal naufragar antes mesmo de zarpar, já que a recriação da CPMF não passará com facilidade no Congresso e o atraso no reajuste do funcionalismo pode deflagrar uma greve insuportável. Fora a reclamação do empresariado, que não quer mais impostos, nem que o governo retire recursos do Sistema S para cobrir o rombo da Previdência. E o pior é que muitos analistas já dizem que os números apresentados ontem são insuficientes para o cumprimento da meta de superávit de 0,7% do PIB em 2016. Dois fatos sobre o ajuste que não podem ser ignorados: não existe como fazê-lo com medidas populares; é preciso pensar em mudanças estruturais. Abaixo, seis sugestões que estão nessas duas categorias e que são defendidas por analistas da linha que prioriza a melhora nas contas públicas como ponto de partida para a arrumação da economia.
Revisão geral dos gastos, inclusive os sociais
Ninguém gosta de anunciar que vai tirar dinheiro da educação, da saúde e outros programas sociais. Mas hoje 90% do Orçamento está vinculado a algum gasto. E o governo gasta mal. Um cálculo dos economistas Felipe Salto e Nelson Marconi, da FGV/EESP, mostra que os custos dos produtos e serviços comprados pelo setor público subiram 128% entre 2005 e 2014, 40 pontos percentuais a mais do que os custos para o setor privado. O governo paga mais caro porque não é um bom pagador e também porque há corrupção em várias esferas da administração. Um corte de gastos em troca de maior eficiência seria até palatável. O problema é como garantir que a qualidade dos serviços não vai piorar.
Fim do abono salarial
Quando foi criado, o abono até podia fazer sentido, mas hoje ele é apontado por muitos economistas como anacrônico. Ele beneficia trabalhadores formais, que não estão entre os mais necessitados, e custa mais do que o Bolsa Família, que chega a quem não tem renda. Acabar com o benefício daria mais de R$ 20 bilhões ao caixa do governo por ano, quase 60% do que a CPMF vai gerar. Mudanças feitas neste ano tornaram as regras do abono mais rígidas, mas a economia ainda é pequena.
Idade mínima para aposentadoria
O Brasil é um dos poucos países que não têm idade mínima para a aposentadoria. Como o maior buraco fiscal de longo prazo está na Previdência, essa seria uma saída para melhorar as contas do governo. Neste ano, porém, uma MP instituiu uma regra mais branda do que o fator previdenciário, o que pode se tornar um problema em duas décadas. É verdade que o debate sobre a Previdência precisa incluir uma revisão de regras para o setor público, que tem benefícios desproporcionais, mas ele não pode ignorar uma alteração estrutural no INSS. Ao criar a CPMF para ajudar a pagar a Previdência, o governo corre o risco de ter de mantê-la indefinidamente.
Reforma no Imposto de Renda
Esse item até apareceu no radar do governo. O Brasil tem poucas faixas de IR e elas estão achatadas (em parte porque o governo não corrige a tabela de acordo com a inflação). A criação de mais faixas e de uma alíquota superior mais alta poderia tornar o sistema tributário mais justo. Ao mesmo tempo, poderiam ser aumentadas alíquotas de rendas hoje pouco tributadas, como dividendos, lucros com compra e venda de ações, entre outras. O risco visto pelo governo é incentivar a criação de pessoas jurídicas para driblar o imposto, o que exigiria regras mais rígidas contra a chamada “pejotização”.
Fim dos subsídios de crédito
O Brasil subsidia bastante o crédito direcionado, através de bancos de investimento, bancos públicos e de regras de aplicação dos recursos captados. Isso distorce o sistema de crédito, que fica mais caro no crédito livre, e gera custos ao Tesouro. Programas como o PSI, crédito agrícola, Minha Casa Minha Vida e Fies criam uma conta que precisa ser paga durante anos – lembre que uma linha de crédito com dez anos para pagar precisa de recursos durante todo esse período para “equalizar” os juros. Uma revisão profunda desses mercados pode encontrar soluções com melhor custo-benefício. Com cortes recentes no Fies, por exemplo, as próprias instituições de ensino encontraram formas de baratear o crédito privado a seus alunos. A mesma lógica pode ser aplicada a outros subsídios setoriais em vigor no país.
Privatizações
Essa é talvez a proposta mais impopular, mas defendida por vários economistas liberais. O governo tem participação em mais de 200 empresas. Algumas são iniciativas caras, que teriam como objetivo fazer no país coisas que são importadas – caso uma fábrica de microchips e outra de derivados de sangue – e que poderiam ser repensadas. Participações do governo em empresas já privatizadas, como a Vale, também são bastante questionáveis. Há também as participações indiretas via BNDES que podem ser revistas. Depois disso, há as grandes empresas públicas, como Petrobras e Banco do Brasil, parte de uma briga que dificilmente qualquer governo compraria.
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