A proposta de implantação de um sistema de monitoramento das operadoras de telefonia fixa e móvel por parte da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) que daria ao órgão acesso on-line a informações como números chamados e recebidos, data, horário, duração e valor cobrado das chamadas dos usuários pode ser uma ferramenta útil aos consumidores. Mas, para que a medida não represente uma ameaça ao sigilo telefônico e às garantias constitucionais dos cidadãos, a sociedade deverá acompanhar a discussão e regulamentação da proposta. Essa é a opinião de analistas em telecomunicações e especialistas em direitos do consumidor, para quem a medida não representa um mal em si, já que tem por objetivo aperfeiçoar a fiscalização das empresas de telefonia, setor que lidera os rankings de reclamações nos órgãos de defesa do consumidor em todo o país.
O documento que prevê a implantação do sistema, publicado no Diário Oficial da União, é resultado de uma consulta pública promovida pela Anatel. O texto, no entanto, representa apenas diretrizes e ainda não foi aprovado pelo conselho diretor da agência e nem regulamentado. O sistema permitiria à Anatel ter acesso facilitado às informações da base de dados das operadoras. Hoje, a agência já pode acessar essas mesmas informações mediante requerimento às empresas, mas nem sempre a entrega desses dados é facilitada. "A competência regulatória é da Anatel, que deve ter instrumentos para fiscalizar. E a fiscalização hoje é falha, tanto que as empresas descumprem sistematicamente pontos previstos na legislação", afirma o advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Guilherme Varella.
Varella ressalta que todas as informações continuarão sendo protegidas pela legislação. "O Idec seria o primeiro a se insurgir contra qualquer invasão de direito pelo Estado ou pela iniciativa privada. A questão de monitoramento e guarda dessas informações é uma grande preocupação", garante.
Já o presidente da consultoria de telecomunicações Teleco, Eduardo Tude, afirma que o teor das conversas e conteúdo das mensagens continuarão protegidos, sendo acessados apenas mediante autorização judicial. "A Anatel não vai estar olhando para quem você liga. O que ela quer saber é se a rede está congestionada, se as ligações estão caindo", afirma. Para ele, houve um grande alarmismo em torno da questão. "O que não deixa de ser positivo para que a sociedade questione e discuta. Mas entendo que a medida não tem esse objetivo nem esse alcance [de monitoramento individual], o que seria um absurdo total", diz Tude.
Para o ex-ministro das Comunicações Juarez Quadros do Nascimento, que comandou a pasta no último ano do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), a intenção da Anatel é realmente a de criar uma ferramenta de controle das operadoras. Ele, no entanto, aponta o risco de que o novo sistema seja usado para outros fins. "Vale lembrar o caso do Wikileaks, em que um informante pode vazar qualquer tipo de informação. Ainda que haja boa intenção, o risco da quebra de sigilo é grande. Mas, como se trata de uma proposta, cabe à sociedade se manifestar e aprimorar", finaliza.
Por meio de nota, a Anatel afirmou que a proposta busca aperfeiçoar a atividade de fiscalização sobre as prestadoras de telecomunicações sem invadir a privacidade dos usuários.