A revista The New Yorker descreveu bem o procedimento que Rana el Kaliouby usa para mostrar o seu software. A doutora em ciências da computação liga a câmera de um iPad comum e aponta para o rosto de alguém. Pontos na tela começam a varrer cada movimento de sobrancelhas, boca, testa. Em tempo real, uma barra de status crava: “feliz!” (ou “desgostoso”, “surpreso”, “confuso”). Se as máquinas já sabem quase tudo o que você faz, agora elas querem acesso a algo bem mais íntimo: seus sentimentos.

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O campo tecnológico da análise sentimental em que a Affectiva, empresa de Rana, e várias outras startups se debruçam está em alta. A criação de softwares e algoritmos capazes de descobrir (ou tentar) o que estamos sentindo é uma mina de ouro. O jornal New York Times exemplificou assim: “Se a câmera de um computador detectar a expressão de confusão de um aluno, a escola poderá fornecer explicações extras da matéria. Os videogames com câmeras poderão movimentar o jogo se o jogador parecer entediado”. Dá para ir além: um empregador poderá usar este tipo de tecnologia para aumentar a produtividade, detectar clima ruim no escritório e assim por diante

O reconhecimento facial proposto pela Affectiva -- bem como os concorrentes peso-pesados Emotient, RealEyes, Sension – é só uma das maneiras de mergulhar neste confuso universo dos sentimentos. Há outras. Por exemplo, um grupo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), capitaneado pelo professor Fabricio Benvenuto, desenvolveu, com fins acadêmicos, um algoritmo de análise textual. O IFeel usa uma série de métodos existentes para classificar se uma frase escrita tem viés otimista ou pessimista. “Um outro aluno tem trabalhado em um método que combina análise facial com textual e de reconhecimento de voz”, destaca.

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Óbvio, estas tecnologias não foram criadas apenas para que um vendedor te empurre o produto mais caro da loja ao usar um gadget que identifique sua “alegria” em comprar. Há benefícios evidentes. A própria Affectiva foi criada para ajudar autistas a “ler” os sentimentos das pessoas. Outros idealizam aplicativos capazes de te mostrar o que te faz feliz, para que você replique estes momentos.

É um cenário promissor, mas longo – ainda que muitas das ferramentas tenham tido bons resultados. “É difícil [colocar em porcentagem os acertos do sistema] porque depende da entrada de texto. O IFeel é baseado em métodos não supervisionados. O que encontra é algo entre 70% e 80% de acerto. Se puder treinar o algoritmo, essa taxa pode passar dos 80%”, diz Benvenuto. Da mesma forma, um software de reconhecimento facial do pesquisador Xiaobai Li, da Universidade de Oulu, na Finlândia , superou a capacidade humana de reconhecer microexpressões que entregam os sentimentos. Ambos trabalham em cenários controlados, porém. O cérebro humano é bem mais complexo, há que se admitir.

Um sentimento que estes softwares terão de lidar, no fim das contas, é o do medo de perder a privacidade. Afinal, não há uma pessoa no mundo que nunca tenha preferido esconder algum sentimento. Mas essa é uma discussão ainda vaga – como é praxe nas novas tecnologias (carros sem motoristas, drones...) – e, talvez, não muito diferente de hoje. “Uma tecnologia como a do IFeel vai dizer se uma frase é positiva ou negativa. O que a pessoa fará com esse dado, se ela vai obter dados sensíveis ou se vai fazer uso político, é uma questão ética de quem está por trás da ferramenta”, defende Benvenuto.