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Estudo

Negros estão em menos de 10% das propagandas

Noemi Santos, Alana Castro, Neli Gomes e Welliton dos Santos: alunos do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) da UFPR. | Hedeson Alves/Gazeta do Povo
Noemi Santos, Alana Castro, Neli Gomes e Welliton dos Santos: alunos do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) da UFPR. (Foto: Hedeson Alves/Gazeta do Povo)

Carla Leite é atriz. Em 2000, ela participou, com cerca de outras trinta mulheres, de uma seleção para uma propaganda sobre Aids que seria vinculada no carnaval. O vídeo, encomendado pelo Ministério da Saúde, estava sob a responsabilidade da agência Master Comunicação e, durante a seleção do elenco, a equipe não teve dúvidas: Carla era a melhor atriz dentre todas. No dia seguinte à primeira veiculação da propaganda, a Associação Brasileira de Negros Progressistas pediu que ela fosse retirada do ar e processou o então Ministro da Saúde, José Serra. Na época, a associação alegava que a propaganda utilizava a imagem de uma mulher negra associada à vulgaridade e à irresponsabilidade. O Superior Tribunal Federal, entretanto, entendeu que não havia preconceito e manteve a campanha.

Essa propaganda, de acordo com estudo do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), representa uma raridade. Em um primeiro levantamento, o núcleo observou propagandas publicadas nos jornais paranaenses entre dezembro de 2005 e fevereiro de 2006, e descobriu que apenas 7,3% das pessoas presentes nas campanhas publicitárias eram negras. Além disso, um negro dificilmente aparecia sozinho em uma propaganda e em nenhum caso fazia uso da linguagem. No caso de Carla, ela não apenas aparecia sozinha como dava um depoimento para a câmera.

Um estudo mais completo sobre o assunto será apresentado em breve pelo grupo. A estudante de Ciências Sociais da UFPR e participante do Neab, Neli Gomes da Rocha, fez uma ampliação do estudo analisando as propagandas publicadas nos jornais durante um período de três anos. Embora os levantamentos sejam restritos à publicidade em jornais, os números podem ser considerados um bom reflexo do mercado, uma vez que abrangem uma mídia que recebeu 37,5% dos gastos totais com propaganda naquele período, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope).

O professor de Neli, Paulo Baptista da Silva, é o orientador de um dos principais eixos de pesquisa do Neab. Ele afirma que há muito racismo na publicidade. "A figura do branco é a norma de humanidade, o belo. Já a imagem do negro aparece como sinônimo de feio e primitivo." Ele diz ainda que a imagem do negro é muito estereotipada pelas mídias em geral e que, por isso, muitos publicitários teriam receio de relacionar as marcas com estas pessoas. As únicas exceções seriam grandes esportistas e músicos. Entre os atletas que mais aparecem em propagandas está Pelé. "Mas o Pelé não é branco nem negro, é o Pelé", diz o professor.

O diretor de criação da OpusMúltipla, Renato Cavalher, fazia parte da equipe que selecionou Carla Leite em 2000. Ele confirma que, proporcionalmente à população, aparecem poucos negros nas propagandas. Mas ele garante que o interesse em diminuir esse preconceito vem aumentado, tanto por parte das agências quanto dos clientes. "Em propagandas destinadas ao público infantil, comuns na agência onde trabalho, eu procuro fazer um mix de raças", exemplifica. Cavalher vincula o aumento do interesse na presença do negro a uma mudança ligada às telenovelas, algo com que Baptista da Silva concorda. "Há empregadas domésticas negras, mas não são mais 100% de empregadas domésticas negras", afirma o professor.

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