Apesar das manobras contábeis patrocinadas pela equipe do ministro Guido Mantega, que inflaram o resultado primário das contas públicas em quase R$ 35 bilhões neste ano, o esforço fiscal feito por União, estados, municípios e estatais nos últimos 12 meses ainda está abaixo da meta fixada para 2010.
Mesmo excluindo as empresas do grupo Eletrobras da conta, o que reduziu a meta de economia para pagamento de juros o chamado superávit primário de 3,3% para 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB), o setor público conseguiu acumular de novembro do ano passado até outubro deste ano um superávit de apenas 2,85% do PIB, o equivalente a R$ 99,1 bilhões.
Os dados de outubro, mês em que o governo não adotou nenhum tipo de "contabilidade criativa" para inflar os resultados, ilustram bem a situação difícil em que se encontram as contas públicas. O superávit primário registrado foi de R$ 9,7 bilhões, o pior para meses de outubro desde 2005, de acordo com o levantamento do Banco Central (BC).
A diferença para alcançar a nova meta anual, de 3,1%, é relativamente pequena, mas o BC reconhece que será necessário um esforço adicional até dezembro para garantir esse objetivo. "Ainda tem alguma coisa aí para ser feita até o fim do ano", disse ontem Altamir Lopes, chefe do Departamento Econômico (Depec) do BC, ao divulgar os resultados das contas públicas em outubro.
Engorda
Sem disposição para efetuar cortes de gastos durante o ano eleitoral, o governo lançou mão de medidas que contribuíram para engordar o superávit primário em 2010. A operação mais vistosa envolveu a capitalização da Petrobras, que gerou um reforço de caixa de R$ 31,9 bilhões em setembro.
A União também garantiu mais R$ 1,4 bilhão com a venda de créditos que tinha na Eletrobras para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e outros R$ 958,5 milhões com o pagamento antecipado, pela Caixa Econômica Federal, de dividendos ao Tesouro Nacional.
Mundo real
Sem essas manobras consideradas legítimas pela equipe econômica, mas vistas com desconfiança por economistas e analistas de mercado , a situação fiscal estaria ainda mais complicada. O superávit primário acumulado nos últimos 12 meses poderia estar, em valores nominais, 35% abaixo do apurado e longe do objetivo fixado em lei para o ano, mesmo considerando-se a possibilidade de se descontar da meta fiscal os investimentos realizados do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Para Altamir Lopes, o ritmo de atividade da economia no fim deste ano permite apostar que o resultado fiscal de novembro e dezembro será melhor do que o registrado no mesmo período de 2009. "Com a arrecadação em aceleração, dado o nível de atividade, o que se espera é a geração de resultados [fiscais] melhores do que aqueles do fim do ano passado, em convergência com a meta", disse.
O resultado primário de dezembro, entretanto, é tradicionalmente deficitário, pois é mês em que o governo tem de arcar com o pagamento de 13.º salário e férias do funcionalismo público. "Durante o mandato do presidente Lula houve apenas um ano em que observamos um superávit mensal em dezembro, em 2009, quando alguns truques foram usados para impulsionar o lado das receitas", observou Jankiel Santos, economista-chefe do BES Investimento.