Método alternativo: restrição ao crédito elevou valor do financiamento de veículos| Foto: Valterci Santos/ Gazeta do Povo

Análise

Pacote do governo requer Selic menor e ajuste fiscal, diz analista

O pacote de medidas que reduz impostos para ampliar os financiamentos de longo prazo no país, anunciado na quarta-feira pelo governo, tem grandes chances de dar certo, desde que condições macroeconômicas também sejam atendidas, comentou ontem o economista e sócio da MCM Antônio Madeira. "O governo precisa continuar a reduzir os juros básicos para diminuir a atratividade da aplicação em títulos públicos. E isso pode ser feito pela melhora da gestão das contas públicas", disse. "Ao mesmo tempo, o Poder Executivo precisa diminuir a gula do Tesouro para a emissão de papéis da dívida pública, pois isso vai abrir espaço para que o setor privado possa lançar bônus no mercado", ressaltou.

De acordo com o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, o Brasil precisará de R$ 650 bilhões de investimentos para que a taxa da Formação Bruta de Capital Fixo ante o Produto Interno Bruto (PIB) suba de 19% em 2010 para 23% em 2014. E, segundo ele, o conjunto de medidas divulgado anteontem será fundamental para alavancar o interesse do setor privado em projetos de longo prazo de maturação em várias áreas, como indústria, infraestrutura, energia, saneamento e telecomunicações.

Madeira afirmou que as novas ações do governo estão no caminho certo, entre elas a adoção de alíquota zero de Imposto de Renda para pessoas físicas e para investidores estrangeiros e de 15% para empresas que aplicarem em debêntures relacionadas a obras de infraestrutura. "Se o investidor internacional tem isenção de IR para aplicar em títulos públicos, também deve ter o mesmo direito quem dedica seus recursos em projetos de longo prazo", destacou.

Para o sócio da MCM, é fundamental que o governo da presidente eleita, Dilma Rousseff, cumpra sua promessa de aumentar a eficiência das contas públicas, a fim de harmonizar a velocidade do consumo com a oferta, o que diminuiria as pressões de alta da inflação e daria mais condições para o BC reduzir a Selic. Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a meta de superávit primário para o próximo ano será de 3,1% do PIB, bem acima do 1,8% que deve ser atingido em 2010.

Agência Estado

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No próximo ano, o governo poderá adotar formas alternativas de política monetária para conter o aumento da inflação. Esse é o entendimento da ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada ontem. De acordo com o documento, algumas medidas implantadas recentemente pelo Banco Central (BC) podem brecar o constante aumento da taxa básica de juros (Selic), hoje em 10,75% ao ano.

Um primeiro movimento já foi realizado, com a retirada de parte dos estímulos fiscais ao consumo, medidas utilizadas durante a crise financeira mundial. No mês passado, o BC aumentou o valor compulsório (dinheiro que os bancos devem manter em depósito, sem poder movimentar), restringindo o crédito e tirando R$ 61 bilhões da economia. A mudança de regras também teve impacto no financiamento ao consumo com prazo superior a 24 meses.

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Para os especialistas, a última ata do Copom é uma clara sinalização de que a política monetária de Dilma Rousseff seguirá nessa linha menos "ortodoxa". Ou seja, a forma de conduzir a economia brasileira pode sofrer reformas importantes. "O documento é a sinalização de que o BC entende que a taxa Selic não é a única forma de política monetária. Outros instrumentos podem ser implantados para controle da demanda e, consequentemente, da inflação", aponta o professor do Depar­tamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB) José Luís Oreiro.

Segundo o economista e professor do Estação Business School Jedson de Oliveira, o aumento do compulsório também poderia ser estendido para os bens de menor valor, como os eletrodomésticos. "Se existir limite no número de parcelas, o que aumenta o valor das prestações, isso acaba inibindo o consumo. E vai sair do orçamento das pessoas. Uma medida como essa acabaria afetando outros setores também, principalmente fornecedores", explica.

Ainda de acordo com Oli­veira, as medidas só não foram colocadas em prática antes por se tratar de ano de eleição. "Durante o ano eleitoral não tem como fazer. É o que os especialistas chamam de ciclo político da economia, quando o governo reduz os gastos nos primeiros anos para gastar bastante nos últimos", alerta.

Embora reconheça que outras ações de política macroeconômica podem influenciar a trajetória dos preços, o documento reafirma a visão de que cabe especificamente à política monetária "manter-se especialmente vigilante" para segurar a inflação.

Para Simão Davi Siler, economista e professor da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (USP), o governo não terá outra opção a não ser controlar a alta dos preços com os juros. "Acho que não vai ter outra saída de controle da inflação que não mexer na taxa de juros. Caso não ocorram medidas mais duras, a inflação, que está chegando a 6% ao ano, vai continuar subindo."

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Blindagem

Na avaliação dos economistas, independentemente das medidas que forem adotadas futuramente, o setor de imóveis, considerado a "menina dos olhos" do governo, não deverá ser afetado. Recen­temente, o BC anunciou a prorrogação das alíquotas reduzidas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para materiais de construção, mesmo com o setor da construção civil atravessando um dos melhores momentos da história. O benefício será prorrogado pela segunda vez e valerá até o fim de 2011.

"Tomar alguma medida que possa prejudicar o setor seria tiro no pé. Com certeza, as medidas só serão para outras áreas e o setor de imóveis não vai sofrer impacto", afirma Oliveira.

Gastos públicos

Os economistas são unânimes em afirmar que a política fiscal precisa sofrer mudanças para equilibrar a balança. "O gasto público primário não pode continuar tão alto", aponta Silber. Nos últimos anos, a arrecadação aumentou cerca de 15%, diante do crescimento de 17% dos gastos. "O ideal seria que o gasto do governo não ultrapassasse 8%", conclui Oliveira.

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