O produtor Julio Glodzienski: dívidas desde o primeiro cartão| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

Encrenca

Fatura engole até 70% da renda

O produtor artístico Julio Cesar Glodzienski, de 22 anos, usa com frequência o rotativo do cartão de crédito e atualmente compromete entre 60% e 70% da sua renda com as faturas de seus dois cartões, que somam cerca de R$ 950 por mês.

"Desde que adquiri meu primeiro cartão, aos 18 anos, eu gasto mais do que tenho. Na maioria das vezes eu pago mais que o mínimo, mas ainda assim é ruim, porque os juros são muito altos para quem não paga a fatura integral", diz.

Segundo ele, a sua mãe chegou a fazer um empréstimo para pagar a dívida do cartão. "Depois vendi meu carro, quitei a dívida do empréstimo, mas recentemente voltei a comprar e ter dificuldade para pagar as faturas", afirma. "Tem mês que eu recebo no dia 1º e no dia 3 já estou usando o cartão para cobrir despesas", completa.

Glodzienski conta que a dívida total soma cerca de R$ 3 mil, e ainda há R$ 400 no cheque especial. "Acho que vai demorar até o fim do ano para eu resolver meu problema", acrescenta ele, que gasta principalmente com roupas, alimentação, combustível e lazer.

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Estratosfera

Taxa de juros do rotativo chega a 193% ao ano

Os juros para quem paga o valor mínimo da fatura do cartão de crédito são os mais caros do mercado, segundo pesquisa da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). Em fevereiro, eles estavam em 192,94% ao ano, superiores até mesmo aos do cheque especial (145,46%). Com juros tão altos, é fácil um deslize virar uma bola de neve.

Segundo Miguel José Ribeiro de Oliveira, diretor executivo e coordenador de estudos econômicos da Anefac, o consumidor inadimplente tem duas opções. A primeira é tentar "trocar" uma dívida cara (como a do rotativo) por uma mais barata, como o crédito pessoal ou com desconto em folha.

A segunda opção, mais radical, é parar de pagar e tentar negociar com o banco. "Essa é mais complicada, porque quando ela ocorre o banco corta o limite do cliente. Ou seja, ele não vai poder mais usar o cartão até pagar o que deve", diz.

A inadimplência dá sinais de melhora, mas o consumidor continua a usar modalidades de crédito caríssimas, como o chamado "rotativo" do cartão de crédito. A procura por essa modalidade de parcelamento – usada por quem não paga o total da fatura – disparou no início do ano, o que sugere que as famílias ainda têm dificuldade para honrar seus compromissos e estão "rolando" dívidas.

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Números do Banco Central revelam que, no primeiro bimestre de 2013, 43% do aumento das concessões de crédito não foi direcionado à compra de bens, e sim à rolagem de dívidas.

Segundo o BC, o volume "emprestado" no rotativo do cartão de crédito cresceu 75% nos dois primeiros meses do ano na comparação com o mesmo período do ano passado. Foram R$ 44,7 bilhões, contra R$ 25,4 bilhões em 2012.

O aumento ficou bem acima da média das concessões de crédito para pessoas físicas. Os desembolsos com recursos livres cresceram 19,9% nos dois primeiros meses do ano, para R$ 240 bilhões. Só que a expansão foi desigual. Enquanto a liberação para aquisição de veículos caiu 4,8%, as concessões com desconto em folha subiram 32,5%. A média de todas as operações do cartão de crédito (rotativo, à vista e parcelado) aumentou 34,1% e do crédito pessoal, 18,9%.

Sinal amarelo

Para o economista Mar­celo Curado, professor de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), esse movimento do consumidor acende o sinal amarelo. O brasileiro, mais endividado, continua a acessar um crédito de baixa qualidade e altas taxas.

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"É preocupante porque essa é uma das piores modalidades de crédito, que é usada quando o consumidor já está com dificuldade para pagar suas contas. Significa que mais para frente esse consumidor tem grandes chances de ficar inadimplente", diz Curado.

Dívida resistente

O crescimento do empréstimo com desconto em folha, segundo ele, pode indicar que o consumidor está usando esse financiamento para trocar dívidas mais caras por uma mais barata. "Ele sugere que o endividamento permanece resistente", diz.

O fenômeno pode jogar água nas projeções de uma queda mais expressiva da inadimplência nos próximos meses. O calote do consumidor no crédito livre acima de 90 dias recuou de 7,9% em janeiro para 7,7% em fevereiro. Um ano antes, estava em 8%.

Para Lucas Dezordi, economista-chefe da Inva Capital, é cedo para afirmar que a disparada do rotativo no bimestre é uma tendência. "Acredito que seja um efeito sazonal, fruto principalmente dos gastos do cartão de crédito, principalmente no exterior, no fim do ano passado", diz.

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Segundo ele, esse crescimento do rotativo pode diminuir em dois, três meses. "Mas, se as famílias estão usando esse tipo de crédito, mais caro, é porque elas provavelmente não têm mais acesso a formas mais baratas, o que é um problema", acrescenta.

Em reais, gasto no exterior cresceu 15%

O crescimento das dívidas com cartão de crédito pode estar associado ao aumento das despesas no exterior. No início do ano, os gastos dos brasileiros com cartão de crédito fora do Brasil subiram apenas 1% em dólar, mas, quando esses valores são convertidos para reais, o crescimento chega a 15,2%.

Quem viajou para o exterior e usou cartão de crédito sofreu o impacto de três movimentos negativos para seu orçamento, segundo Lucas Dezordi, economista-chefe da Inva Capital. "Em primeiro lugar, a desvalorização do real frente ao dólar. Em segundo, o aumento do custo de vida com a inflação e, em terceiro, o aumento da taxa de juros ao consumidor", diz. Além disso, existe o peso das despesas sazonais, como impostos e escola das crianças.

Os salários, por sua vez, andam atrás da inflação, e as famílias tendem a não fazer ajustes e desacelerar o ritmo, mesmo com o custo de vida mais caro. Para ele, o crescimento de quase 20% nos dois primeiros meses do ano no volume de concessões de crédito livre para pessoa física – que inclui aquisição de veículos e de outros bens, cartão de crédito, cheque especial e todas as modalidades de crédito pessoal – ainda é alto. "O ideal seria que esse porcentual ficasse na casa dos 15%", diz.

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