Mais de 90% dos empréstimos de microcrédito feitos a juros de até 2% ao mês no Brasil são para uso livre, ou seja, gastos para consumir e não necessariamente para produzir algo. A informação é do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) de Microcrédito e Microfinanças. Segundo dados de agosto do Ministério da Fazenda, há mais de 19 milhões de contratos de microcrédito de uso livre contra 1,4 milhão de empréstimos feitos por microempreendedores. Enquanto o valor médio emprestado para consumo é de R$ 165, o dinheiro solicitado para microempreendimentos é de R$ 673,30, em média.

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De acordo com o secretário-executivo do GTI de Microcrédito, Gilson Bittencourt, a política brasileira de incentivo ao microcrédito inclui também empréstimos para consumo por uma questão de necessidade de financiamento. "Precisávamos viabilizar fontes de recursos e só crédito produtivo seria pouco atrativo para os bancos privados", justifica. Segundo Bittencourt, parte do dinheiro solicitado como sendo para consumo também deve estar sendo investida em produção. "Nada impede que uma pessoa que pega dinheiro para comprar um freezer para casa vá também usá-lo para preparar refeições para vender, por exemplo".

Para o economista Fernando Cardim de Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o governo brasileiro errou ao apostar em amplos programas de microcrédito, encabeçados pelos bancos públicos. "A chave do microcrédito é o envolvimento local, por melhores que sejam as intenções do governo federal, vir algo de Brasília afasta a população local", diz. Carvalho sugere que o Brasil deveria seguir o modelo de crédito comunitário, muito usado pelo Grameen Bank, no qual um grupo de pessoas recebe o empréstimo e se responsabiliza pelo seu pagamento. "Se o vizinho não paga, quem está no grupo tem de arcar com o prejuízo. Assim, a comunidade fiscaliza o uso do dinheiro. O microcrédito feito por ONGs geralmente funciona neste sistema. O governo poderia ter optado por financiar este tipo de iniciativa, ao invés de assumir o gerenciamento do programa", afirma.

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De acordo com Bittencourt, o governo federal cogitou a hipótese de fazer apenas o financiamento das entidades que já atuavam na comunidade. "Mas concluímos que por mais que colocássemos recursos nas entidades, o espaço de tempo de ação delas seria muito demorado. Além disso são poucas instituições atuando com microcrédito e estão concentradas nas grandes cidades, o atendimento seria muito restrito", explica. O secretário-executivo do grupo interministerial diz que o objetivo agora é fortalecer o programa de microcrédito produtivo orientado, que trabalha com agentes de crédito que mantêm contato com o devedor. (PK)