Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
perspectiva 2010

No que acreditar em 2010

 |
Veja as previsões e os resultados efetivos do PIB |

1 de 2

Veja as previsões e os resultados efetivos do PIB

Confira abaixo como mudou a opinião dos bancos e consultorias sobre o PIB |

2 de 2

Confira abaixo como mudou a opinião dos bancos e consultorias sobre o PIB

O mercado financeiro prevê que a economia brasileira crescerá algo próximo de 5,1% neste ano, conforme relatório de expectativas divulgado há uma semana pelo Banco Central. Trata-se de um momento histórico. O BC publica o relatório Focus desde 1999, e os bancos e consultorias jamais haviam projetado, às vésperas do ano-novo, expansão tão forte para o Produto Interno Bruto (PIB).

Portanto, há quem considere a notícia ótima. Mas, acredite, há razões para temê-la.

A começar porque, para a economia crescer tudo isso, os prognósticos dos "especialistas do mercado" têm de estar corretos, fenômeno que só ocorre uma vez por década. Não é força de expressão. Se dermos aos analistas uma tolerância bem camarada, de 10%, veremos que, entre 2000 e 2009, eles só "acertaram" o PIB de 2005 – o país cresceu 3,2% na ocasião, pouco abaixo dos 3,5% esperados. Comparar previsões e resultados dos outros nove anos é, no mínimo, didático. Ensina que devemos dar o devido desconto a tais expectativas (sugere-se fazer o mesmo quando alguém afirmar que "bolsas em alta" significam, necessariamente, "economia a toda", e vice-versa).

Há de se fazer algumas res­­salvas, em defesa dos eco­­nomistas-chefes. Projeções econômicas não são profecias; refletem apenas o que ocorrerá se persistirem as tendências que um deles enxerga em dado mo­­mento, acrescidas de uma pitada de intuição. Portanto, as estimativas estão sujeitas a fatores como miopia, ingenuidade ou descrença de quem as faz (ignoremos os maldosos que também mencionam má-fé e incompetência). E estão sujeitas, claro, ao acaso.

Dito isso, a "marolinha" prevista pelo presidente Lula foi bo­­bagem pouca se comparada às ba­­­boseiras alardeadas por departamentos econômicos Brasil afora – que, não raro, são chefiados por pós-doutores formados no exterior, teoricamente alheios a intrigas políticas e eleitorais. Po­­deríamos relembrar aqui os inúmeros disparates cometidos por instituições e personalidades re­­nomadas desde o estouro da crise – mais cômicos que os palpites furados, só as justificativas que deram a eles –, mas fiquemos ape­­nas por conta das expectativas médias apresentadas pelo Focus.

Em novembro de 2008, dois meses após a quebra do Lehman Brothers, os eminentes do mercado ainda previam PIB positivo de 3% em 2009 (que seria fantástico, dadas as circunstâncias). No fim de dezembro, o palpite persistia em níveis relativamente altos (+2,4%). Depois, a coisa degringolou de tal forma que 2009 terminou e ninguém sabe nem sequer se a economia ficou acima ou abai­­xo de zero. Aliás, já não faz diferença, a não ser para governo e oposição, que podem usar o resultado na campanha eleitoral conforme a conveniência.

Assim, a atual enxurrada de previsões otimistas é assustadora por pelo menos dois motivos: 1) quase todas foram feitas pelos mesmos que erraram por atacado ao longo da última década, com capricho redobrado em 2009, e 2) torcer para que desta vez eles estejam certos também tem seus riscos.

Quando um especialista fala em "crescimento robusto do PIB", quase sempre insinua que a economia está muito aquecida e que o Banco Central terá de elevar os juros para evitar um surto inflacionário. É o caso do economista-chefe de um dos maiores bancos brasileiros. Ele aposta em alta de 6% do PIB, mas defende que a taxa básica de juros, a Selic, au­­mente já em março (nota: seis me­­ses atrás, esse mesmo senhor apos­­tou que o PIB cairia 2% em 2009).

Por esdrúxulas que possam parecer, o Banco Central leva tais opiniões muito a sério. Foi inspirado na crença (ou crendice?) de que a economia ainda estava aquecida que o BC elevou o juro básico dias antes da falência do Lehman Brothers, e o manteve nas alturas até janeiro de 2009. A mesma crença (ou crendice?) faz com que o mercado aposte que a Selic, hoje em 8,75% ao ano, subirá até 10,75% ao longo de 2010 (nota: o palpite do tal economista-chefe é que ela chegará a 11,5%).

A lamentar também temos o óbvio: nada indica que, em ano eleitoral, Executivo e o Legislativo farão qualquer esforço para começar a remover tradicionais barreiras como a baixa escolaridade e capacitação da população, a complexidade e a distribuição injusta da carga tributária, o excesso de burocracia e ou­­tras tantas que conhecemos bem.

Triste falar disso em pleno começo de ano, época em que as esperanças se renovam. Vamos, portanto, aos motivos para otimismo, que também são vários.

Por maior que seja a inépcia do governo e da oposição; por mais influência que bancos e consultorias possam ter sobre a política monetária e o andamento da economia; e por mais que esses agourentos acreditem que a economia vá crescer com força... desta vez é muito provável que ela cresça com força, mesmo.

A vida continuará bem complicada para os exportadores, de fato. Mas o front doméstico é dos mais auspiciosos. Devem avançar o crédito, o consumo das famílias, o investimento público e privado – fala-se no maior ciclo de investimentos desde 1994 – e, consequentemente, o nível de emprego e dos salários. De quebra, a inadimplência e a inflação tendem a permanecer sob controle.

Não é só. O país, que atravessou 2009 sem avanço do ponto de vista social, mas também sem regressão, tem grandes chances de reduzir a pobreza à metade nos próximos cinco anos. Não é preciso milagre: basta que se repitam os padrões de crescimento econômico e de melhora na distribuição de renda observados entre 2003 e 2008. Quem diz é o pesquisador Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas, um dos maiores especialistas no assunto.

Em artigo recente, ele escreveu que, na hipótese de repetição daqueles padrões, a pobreza (classe E) cai de 16% para 8% da população até 2014, ao passo que a participação da classe D baixa de 24,4% para 19,9%. Em compensação, 56,5% da população estará na classe C daqui a cinco anos, diante dos 49,2% atuais, enquanto a faixa mais rica, a AB, aumenta de 10,5% para 15,7% do total.

Aí estão previsões pelas quais vale a pena torcer.

P.S.: o histórico das previsões do relatório Focus dá margem a pelo menos um bom presságio. O mercado erra bastante, sim, mas seu equívoco mais comum é subestimar o crescimento da economia brasileira – o que fez em seis dos últimos dez anos. Quem sabe não seja este o equívoco da vez?

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.