Quando Analiria Tomio Lofh, de 48 anos, perdeu a cobertura do plano de saúde que tinha ao deixar a empresa em que trabalhava, há pouco mais de um ano, chegou a cotar outros planos, mas desistiu. Era inviável pagar a cobertura dela, do marido e dos três filhos de 31, 19 e 15 anos. A melhor opção que ela encontrou para garantir que a saúde da família ficasse em dia estava há poucos metros de casa, em uma clínica popular localizada em Colombo, na região metropolitana de Curitiba.
Sempre que precisa, a família de Analiria – que já usava o serviço da clínica por meio do plano de saúde há pelo menos oito anos – recorre ao local para consultas e exames. O preço bem mais acessível (cerca de R$ 80 a consulta) não foi o único fator que fez com que eles virassem clientes: “Quando acontece um problema de saúde, a gente quer resolver rápido. Ali eles têm todo o nosso histórico médico, já nos conhecem e acompanham. O atendimento é rápido”, conta ela.
Foi de olho em pessoas como Analiria que as clínicas populares surgiram no país e, agora, no vácuo deixado pelos planos de saúde, estão expandindo para cidades de menor porte no interior, principalmente por meio de franquias.
Desde o início da crise, no final de 2014, mais de 3,2 milhões de pessoas perderam seus convênios médicos, seja por que foram demitidas ou por que não conseguiram mais arcar com os custos das mensalidades, que subiram bem acima da inflação. No final do junho, a Agência Nacional Saúde Suplementar (ANS) definiu em 10% o teto do reajuste dos planos familiares e individuais, três vezes maior do que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2017, que foi de 2,95%. O aumento foi ainda maior nos planos de saúde empresariais, cujo reajuste médio chegou a 19%.
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Consultas de R$ 70 a R$ 130
O fato é que os gastos com saúde pesaram ainda mais no bolso dos brasileiros, e as clínicas populares surgiram como alternativa no meio do caminho entre a rede privada e o já saturado Sistema Único de Saúde (SUS). Com uma estrutura de pessoal bem mais enxuta e médicos prestadores de serviço, conseguem oferecer atendimento ambulatorial, consultas e uma quantidade considerável de exames mais baratos que a média do mercado, e de forma mais rápida, por exemplo, que o SUS.
O preço das consultas varia de R$ 70 a R$ 130, dependendo da especialidade e da cidade onde é ofertado o serviço. Um exame de glicemia, por exemplo, custa menos de R$ 5 e, uma ressonância, em torno de R$ 700 – na rede privada o exame tende a passar dos R$ 1 mil. Além disso, a maior parte das clínicas também permite que o paciente parcele o valor dos procedimentos.
O fenômeno das clínicas populares não é algo novo. As primeiras surgiram há pouco mais de 10 anos, mas o boom desses negócios ocorreu mesmo nos últimos cinco anos, afirma Ligia Bahia, professora da Faculdade de Medicina da UFRJ. “O aumento maior da procura pelas clínicas coincide com a queda do número de usuários dos planos, mas é importante lembrar que elas fazem um atendimento mais sintomático e, portanto, não suprem todas as necessidades de saúde da população”, diz.
Somente no início deste ano é que o Conselho Federal de Medicina definiu regras para o funcionamento desses estabelecimentos. Por exemplo: as clínicas precisam ter registro no Conselho Regional de Medicina do estado onde funcionam; não podem divulgar valores de consultas e procedimentos em materiais publicitários e oferecer planos de fidelidade. O fato de não ser regulado dificulta a mensuração do setor.
Agenda cheia
Nas clínicas da rede que a família de Analiria frequenta, a Acesso Saúde, a agenda está sempre cheia. A primeira unidade foi aberta em 2006, em Colombo. Um ano depois veio a segunda clínica, no Centro de Curitiba, e, em 2011, a marca lançou franquia. Hoje a Acesso está em 11 estados com 28 franquias instaladas e 10 em fase de contrato, todas em cidades do interior.
“Começamos com 15 especialidades médicas. Naquele momento, há 12 anos, a consulta com especialista era o principal gargalo, hoje são os exames complementares”, conta Antônio Carlos Brasil, fundador da Acesso Saúde, que faturou R$ 32 milhões em 2017.
Com um investimento inicial que varia de R$ 280 mil a R$ 470 mil, a rede oferece em suas clínicas mais de 34 especialidades médicas e 1.200 tipos de exames, de sangue à ressonância. O faturamento médio é de aproximadamente R$ 200 mil para uma unidade de 200 metros quadrados, o padrão da rede hoje.
De clínica a hospital popular
Outra rede de clínicas populares que ganhou o Brasil a partir de 2012 foi a gaúcha Docctor Med, hoje com 48 franquias em 14 estados brasileiros. O investimento em uma unidade compacta vai de R$ 250 a R$ 600 mil, com retorno estimado de R$ 200 mil.
Atenta ao potencial do segmento, a rede foi além das clínicas e lançou, em março deste ano, o primeiro hospital popular do país, em Planaltina, no Distrito Federal. Com mais de 1.500 atendimentos apenas no primeiro mês de operação, o hospital faz atendimentos eletivos de baixa e média complexidade.
“Fazemos todo o tipo de procedimento em que a recuperação do paciente ocorre no mesmo dia”, explica Geílson Silveira, fundador da rede, que também dispõe de um aplicativo para agendar as consultas, o Dr. Mob. Em fase de formatação, a franquia do hospital popular deve estar disponível para interessados até agosto, espera Silveira.
O mercado é tão promissor que atraiu até a atenção das operadoras de planos. Recentemente, Amil e Diagnósticos da América (Dasa) fecharam uma joint venture, a Clinijá, para operar clínicas populares nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Duque de Caxias.
“A entrada da Amil e da Dasa no segmento, ainda que em SP e RJ, nos dá a dimensão do futuro desse setor. Se uma das maiores operadoras de plano de saúde e uma das maiores empresas de medicina diagnóstica do mundo vão investir milhões nesse mercado, é porque ele é realmente promissor”, avalia Brasil, da Acesso Saúde.
Rumo ao interior
Embora ainda haja espaço para crescer nas capitais e em cidades maiores, a concorrência grande tem feito muitas redes apostarem em municípios do interior. Enquanto a Docctor Med delimitou a viabilidade das suas franquias a cidades com pelo menos 200 mil habitantes, a Acesso Saúde decidiu apostar em municípios ainda menores, com no mínimo 80 mil habitantes.
Há 12 anos no mercado, a Acesso Saúde percebeu que as clínicas com estruturas menores no interior possuem um desempenho melhor, em comparação às operações instaladas nos grandes centros.
“Redesenhamos o modelo de franquias e apostamos em unidades menores, de 200 metros quadrados ou, no máximo, 400 metros quadrados. Nessas unidades, focamos nas 10 especialidades que são as mais demandadas pelos pacientes e respondem por 80% do faturamento da clínica”, explica Brasil. Segundo ele, ainda há uma procura grande para unidades nas capitais, mas diante da maior concorrência, a rede tenta direcionar os investimentos para cidades do interior.
Franqueado da Acesso Saúde, Rone Branco decidiu investir fora dos grandes centros. Morador de Curitiba, ele fez o caminho inverso e abriu em Castro, cidade de 71 mil habitantes a 160 quilômetros da capital, uma clínica popular da rede, em novembro do ano passado. A dica veio de um amigo morador da cidade que relatou a carência de médicos especialistas.
Ele investiu cerca de R$ 350 mil na unidade de 400 metros quadrados e oferece hoje 15 especialidades médicas. Em apenas dois meses de funcionamento, a operação atingiu o ponto de equilíbrio, quando as receitas se igualam as despesas. Até agora, são mais de três mil consultas realizadas.
Rone Branco morava em Curitiba quando decidiu mudar para a cidade de Castro, a 160 quilômetros da capital, para abrir uma clínica popular. Em dois meses, a unidade atingiu o ponto de equilíbrio.
“Pesquisamos a cidade, e existia uma grande carência na área da saúde”, conta Rone. A aposta do investidor foi oferecer especialidades e exames que ainda não existiam na região, e que obrigavam os moradores a se deslocar para outras cidades. “Acertei o que a cidade precisava, foi uma questão de timing. Castro tem duas clínicas particulares e eu trabalho com a metade do valor deles”, acrescenta.
Nas consultas, o empresário conseguiu aplicar um preço médio maior do que o da rede, na faixa de R$ 130, melhorando a sua margem. “Mesmo assim é vantajoso para os pacientes, pois o valor médio de uma consulta em Castro é alto, em torno de R$ 550”, acrescenta.
Além da oferta menor se serviços de saúde, Branco lembra que os custos fixos em cidades do interior (mão de obra, aluguel, materiais de consumo) tendem a ser menores. Outro diferencial, segundo ele, é todo o apoio recebido da rede franqueadora. “O médico traz o carimbo do CRM e o jaleco dele”. Como um bom empreendedor, ele não sai de trás de balcão. “Abro e fecho a clínica todos os dias. Sou o dono, não o investidor”.
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