Ouça este conteúdo
O economista turco Daron Acemoglu, um dos laureados com o Nobel de Economia na segunda-feira (14), disse no ano passado que as relações e o posicionamento do Brasil em relação aos BRICs e, principalmente, à China o desapontaram. “Fui um grande apoiador do presidente Lula, mas agora estou extremamente desapontado”, afirmou em entrevista à revista Veja publicada em outubro de 2023.
Acemoglu, professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), recebeu o Nobel de Economia juntamente a Simon Johnson, também professor do MIT, e James A. Robinson, docente da Universidade de Chicago. O trio foi premiado por sua pesquisa a respeito de como as instituições sociais são formadas e impactam o desenvolvimento e a prosperidade das nações.
Segundo os vencedores do Nobel de Economia, instituições inclusivas e fortalecidas são fundamentais para o desenvolvimento econômico e político saudável e, portanto, para geração de riqueza. Por outro lado, instituições frágeis ou autoritárias, ou as instituições extrativistas, como as chamam, levam a pouco crescimento econômico e político, corrupção e outros vícios de poder nas nações.
Em outubro de 2023, quando deu a entrevista, o futuro Nobel de Economia já era mundialmente reconhecido por seu sucesso editorial Por que as Nações Fracassam, também assinado por seu colega de Nobel James A. Robinson. Naquele momento, em entrevista à revista Veja, ele afirmou que tinha se decepcionado ao ver que o governo de Lula não teria feito nada para impedir o domínio chinês sobre os BRICs.
“Devo expressar minha profunda decepção em relação aos países do Brics, especialmente o Brasil. Fui um grande apoiador do presidente Lula, mas agora estou extremamente desapontado. A atual expansão do grupo me parece ir em direção equivocada aos interesses do bloco”, disse.
Na visão de Acemoglu, o mundo em desenvolvimento precisa de uma “voz independente”. O economista ainda afirmou que a China “parece estar se movendo em uma direção mais repressiva em comparação com uma década atrás” e que os BRICs parecem estar se colocando sob a influência chinesa.
“Essa situação é lamentável. Para o Brasil, que parece concordar com essa mudança, é uma tristeza profunda. Trata-se de um retrocesso significativo”, afirmou.
Segundo o vencedor do Nobel de Economia, países como Brasil, Turquia, Indonésia, Índia e Bangladesh precisam ter uma voz independente, contrária à supremacia da China e dos EUA, principalmente no que diz respeito à tecnologia, inteligência artificial e aos impactos do comércio global.
Enfatizando ainda mais seu posicionamento contrário ao rumo tomado pelos BRICs, Acemoglu afirmou que os países integrantes do bloco parecem estar se tornando “meros clientes dos chineses e dos russos”. Ele reforçou ainda mais suas preocupações em relação à China, por ir na contramão da democracia.
O professor afirma que a China age “reprimindo movimentos democráticos em diversas regiões e usando a tecnologia para o controle autoritário”. Ele também destaca que essas práticas não se restringem ao território chinês.
“A repressão e a falta de liberdade na China são comparáveis às de regimes fascistas do passado. Além disso, a China exporta tecnologias de vigilância, censura e monitoramento para pelo menos 60 países, a maioria dos quais não é democrática, o que mina a sociedade civil e organizações semelhantes. Isso cria problemas significativos em todo o mundo”, afirmou.
Em relação aos EUA, o economista destaca a preocupação com a abordagem tecnológica e o empoderamento de corporações, sendo que ambos os aspectos trazem “desafios substanciais” para o mundo.
Nobel de Economia afirmou que é preciso ir além das políticas de redistribuição de renda
Outro ponto abordado pelo economista são os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família. O economista elogiou o programa, no entanto, passadas duas décadas de sua implementação, afirmou que não é o suficiente.
Segundo o Nobel de Economia, as estratégias não podem se firmar somente nas “transferências diretas de renda”, mas devem ser expandidas para medidas educacionais e de geração de empregos.
Acemoglu explicou que, nesses casos, a melhor estratégia “está relacionada ao mercado de trabalho” e que “isso envolve a criação de oportunidades para pessoas de diferentes níveis de habilidade e a prevenção do poder excessivo de tecnologias e corporações no mercado de trabalho”.
Ao citar os exemplos de Noruega e Suécia, campões mundiais na distribuição igualitária de renda, onde há altos investimentos em educação e especialização de mão de obra, o professor indica o melhor caminho, na sua visão, para o Brasil:
“Nesse contexto, a criação de empregos e oportunidades para trabalhadores com diferentes níveis de habilidade desempenha papel fundamental. O Brasil deveria seguir por esse caminho”, disse.
VEJA TAMBÉM:
Judiciário imparcial é importante no combate à corrupção
Na entrevista à Veja, o laureado com o Nobel analisou ainda a relação entre desigualdade e democracia, argumentando que alta desigualdade corrói as bases democráticas, prejudicando a estabilidade política e abrindo espaço para líderes populistas e autoritários. Era, segundo a revista, uma referência ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
“Em países onde a desigualdade é exacerbada, a confiança nas instituições democráticas diminui, e figuras políticas que antes seriam impensáveis começam a ganhar apoio, como um presidente que expressou simpatia pela ditadura militar ou manifestou intenções autoritárias. Portanto, tanto a desigualdade quanto a corrupção representam ameaças ao funcionamento saudável da democracia e devem ser enfrentadas de forma decisiva”, disse ele.
Acemoglu ainda falou sobre a importância da imparcialidade do Judiciário no combate à corrupção e dos perigos da perseguição a adversários políticos.
“É importante contar com instituições independentes, como um sistema judiciário que atue de forma imparcial. No entanto, é fundamental evitar que o combate à corrupção seja utilizado como pretexto para perseguir adversários políticos, como ocorreu especialmente na China. Ao lidar com a corrupção, é preciso exercer cautela para não aprofundar ainda mais a polarização política e preservar a independência das instituições democráticas”, concluiu.