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Software

Nós encontramos o inimigo. É o PowerPoint

McChrystal, em uma de duas 17 reuniões semanais com PowerPoint: “quando alguém entender isso, vencemos a guerra” | Divulgação/Isaf
McChrystal, em uma de duas 17 reuniões semanais com PowerPoint: “quando alguém entender isso, vencemos a guerra” (Foto: Divulgação/Isaf)

O general Stanley A. McChrystal, líder das forças americanas e da Otan no Afeganistão, apresentou no ano passado em Kabul um slide de PowerPoint que deveria de­­monstrar a complexidade da estratégia militar no país, mas parecia mais uma tigela de espaguete. "Quan­­do alguém entender essa apresentação, vencemos a guerra", disse McChrystal, secamente – e a sala explodiu em gargalhadas.O slide correu a internet desde então, como um exemplo de ferramenta militar que fugiu ao controle. Como se fosse um guerrilheiro, o PowerPoint infiltrou-se no dia a dia dos comandantes militares e alcançou o nível de uma obsessão. A quantidade de tempo gasta preparando apresentações no programa da Microsoft fez com que ele ge­­rasse piadas internas no Pentá­­gono e também no Iraque e no Afeganistão.

"O PowerPoint nos torna estúpidos", disse o general James N. Mattis, dos fuzileiros navais, em uma conferência militar na Caro­lina do Norte (ele falou sem fazer uso do programa). O general de brigada H.R. McMaster, que proibiu o PowerPoint quando comandou o bem-sucedido esforço para guardar a cidade iraquiana de Tal Afar, em 2005, prosseguiu, no mesmo evento, comparando o programa a uma ameaça interna. "É perigoso porque ele pode criar a ilusão de entender tudo, a ilusão do controlar tudo", disse McMaster, mais tarde, em uma entrevista por telefone. "Alguns problemas não po­­dem ser reduzidos a uma linha de uma apresentação." De acordo com McMaster, o maior problema não é o gráfico-espaguete, mas o rígido formato das apresentações, que transforma tudo em uma lista de pontos, sem levar em conta forças políticas, econômicas e étnicas interconectadas (ao analisar, digamos, as causas de um conflito).

Oficiais dizem que, por trás das piadas sobre o PowerPoint, estão preocupações sérias que o programa possa sufocar a discussão, o raciocínio crítico e o pensamento necessário para as tomadas de de­­cisão. E não é só isso: ele amarra ofi­­ciais jovens – apelidados de "PowerPoint Rangers – à preparação diária de slides, seja para reuniões do Estado Maior, em Washing­ton, ou para reuniões de instrução que antecedem missões de combate em bolsões longínquos do Afeganistão. No ano passado, um site dedicado a assuntos militares, o Company Command, perguntou ao tenente Sam Nuxoll, líder de um pelotão no Iraque, que atividade tomava mais de seu tempo. A resposta: "Mon­­tar apresentações no Power­Point". Quando pressionado pelo entrevistador, ele disse que era isso mesmo. "Tenho de fazer um storyboard completo com fotos digitais, diagramas e textos a respeito de tudo o que acontece", contou Nu­­xoll. "Vai preparar o grupo para um ataque importante? Faça um storyboard. Vai entregar uma medalhinha? Faça um storyboard."

Hierarquia

Apesar dessas histórias, a "morte por PowerPoint" – expressão usada pe­­los militares para descrever o tédio de acompanhar uma apresentação de 30 telas ou mais todos os dias – parece ter chegado para ficar. O programa, que foi lançado em 1987 e adquirido pela Microsoft pouco tempo depois, está profundamente arraigado na cultura mi­­litar, que se apoiou na ordenação hierárquica de itens para pôr or­­dem em um mundo confuso.

"Há muito antagonismo em relação ao PowerPoint, mas eu não vejo uma mudança para o curto prazo", disse o capitão Crispin Bur­­ke, oficial de operações em Fort Drum, Nova Iorque. Foi ele, sob o pseudônimo de Starbuck, quem citou o comentário de Nuxoll, num artigo que escreveu para o website Small Wars Journal.

Ao responder um pedido de entrevista, por e-mail, Burke escreveu que pensava estar disponível naquela noite, mas, infelizmente, surgiu muito trabalho adicional no fim do expediente – "o que é pior: montar PPTs". Mais tarde, por telefone, ele estimou que passa pe­­lo menos uma hora por dia mon­­tando apresentações.

O secretário de Defesa dos Esta­dos Unidos, Robert M. Gates, revisa versões impressas de apresentações em suas reuniões matinais com a equipe, embora insista em recebê-las na noite anterior. Sua ideia é ler tudo antecipadamente para deduzir o tempo dos encontros.

Nem Obama escapa

O general David H. Petraeus, que supervisiona as guerras no Irã e no Afeganistão, diz que assistir a essas reuniões recheadas de slides é "desesperador". Apesar disso, gosta do programa por sua capacidade de apresentar mapas e tendências. Ele também usa o PowerPoint em suas próprias palestras.

Já McChrystal tem duas reuniões movidas a PowerPoint por dia em Kabul, além de outras três, de periodicidade semanal. Mattis (aquele que falou da "estupidização" provocada pelo programa), diz que um terço de suas reuniões inclui o software.

Richard C. Holbrooke, representante especial da Casa Branca para o Afeganistão e o Paquistão, assistiu a palestras do gênero em sua viagem ao Afeganistão, no ano passado. Isso em cada uma de suas três paradas, em Kandahar, Mazar-i-Sharif e na base aérea de Bagram. Numa quarta escala, em Herat, as forças italianas não só o presentearam com uma apresentação em PowerPoint como também a acom­­panharam com música or­­questrada. Mesmo Barack Obama teve de ver slides, a maioria com mapas e gráficos, nos encontros que antecederam a revisão das es­­tratégias para o Afeganistão, em setembro e outubro.

Os comandantes criticam os slides, observando que eles comportam menos informação do que um documento de cinco páginas, e que eles livram o autor de lapidar seu texto de forma a propor argumentos persuasivos. Imagine advo­­gados apresentando seus argumentos diante do Supremo usando slides de PowerPoint em vez de petições.

"Hipnotizar galinhas"

O artigo de Burke no Small Wars Journal também citou um ataque ao PowerPoint feito por Thomas X. Hammes, um coronel aposentado dos fuzileiros. Bas­­tante lido entre militares, o artigo de Hammes – intitulado "Dumb-Dumb Bullets", um trocadilho que compara os itens de uma apresentação às balas dum-dum (munição que se estilhaça para produzir maior estrago no alvo) – destaca o potenciar do PowerPoint para criar incoerências. Um item de apresentação que fale em "Acelerar a introdução de novas armas", por exemplo, não diz realmente quem deveria fazer isso.

Ninguém está sugerindo que o PowerPoint seja culpado por erros cometidos nas guerras, mas o programa pegou má fama durante o prelúdio à invasão do Iraque. Se­­gundo conta o livro Fiasco, de Tho­­mas E. Ricks (sem tradução para o português), o general David D. McKiernan, que liderou as tropas de terra, ficou frustrado quando não obteve ordens explícitas de seu superior – Tommy R. Franks, comandante das forças americanas no Golfo Pérsico. Em vez de um plano detalhado de invasão, Franks passou a McKiernan uma apresentação de PowerPoint, ex­­tremamente vaga. A mesma que Franks havia submetido a Donald H. Rumsfeld, então secretário de Defesa.

Oficiais experientes dizem que o programa é útil quando o objetivo é não entregar informação – como nas conferências para a im­­prensa. As sessões com os veículos de comunicação duram frequentemente 25 minutos, com apenas 5 minutos, no fim, para perguntas dos jornalistas que ainda estiverem acordados. Segundo Ham­mes, esse tipo de ação é conhecido internamente como "hipnotizar galinhas".

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