O general Stanley A. McChrystal, líder das forças americanas e da Otan no Afeganistão, apresentou no ano passado em Kabul um slide de PowerPoint que deveria demonstrar a complexidade da estratégia militar no país, mas parecia mais uma tigela de espaguete. "Quando alguém entender essa apresentação, vencemos a guerra", disse McChrystal, secamente e a sala explodiu em gargalhadas.O slide correu a internet desde então, como um exemplo de ferramenta militar que fugiu ao controle. Como se fosse um guerrilheiro, o PowerPoint infiltrou-se no dia a dia dos comandantes militares e alcançou o nível de uma obsessão. A quantidade de tempo gasta preparando apresentações no programa da Microsoft fez com que ele gerasse piadas internas no Pentágono e também no Iraque e no Afeganistão.
"O PowerPoint nos torna estúpidos", disse o general James N. Mattis, dos fuzileiros navais, em uma conferência militar na Carolina do Norte (ele falou sem fazer uso do programa). O general de brigada H.R. McMaster, que proibiu o PowerPoint quando comandou o bem-sucedido esforço para guardar a cidade iraquiana de Tal Afar, em 2005, prosseguiu, no mesmo evento, comparando o programa a uma ameaça interna. "É perigoso porque ele pode criar a ilusão de entender tudo, a ilusão do controlar tudo", disse McMaster, mais tarde, em uma entrevista por telefone. "Alguns problemas não podem ser reduzidos a uma linha de uma apresentação." De acordo com McMaster, o maior problema não é o gráfico-espaguete, mas o rígido formato das apresentações, que transforma tudo em uma lista de pontos, sem levar em conta forças políticas, econômicas e étnicas interconectadas (ao analisar, digamos, as causas de um conflito).
Oficiais dizem que, por trás das piadas sobre o PowerPoint, estão preocupações sérias que o programa possa sufocar a discussão, o raciocínio crítico e o pensamento necessário para as tomadas de decisão. E não é só isso: ele amarra oficiais jovens apelidados de "PowerPoint Rangers à preparação diária de slides, seja para reuniões do Estado Maior, em Washington, ou para reuniões de instrução que antecedem missões de combate em bolsões longínquos do Afeganistão. No ano passado, um site dedicado a assuntos militares, o Company Command, perguntou ao tenente Sam Nuxoll, líder de um pelotão no Iraque, que atividade tomava mais de seu tempo. A resposta: "Montar apresentações no PowerPoint". Quando pressionado pelo entrevistador, ele disse que era isso mesmo. "Tenho de fazer um storyboard completo com fotos digitais, diagramas e textos a respeito de tudo o que acontece", contou Nuxoll. "Vai preparar o grupo para um ataque importante? Faça um storyboard. Vai entregar uma medalhinha? Faça um storyboard."
Hierarquia
Apesar dessas histórias, a "morte por PowerPoint" expressão usada pelos militares para descrever o tédio de acompanhar uma apresentação de 30 telas ou mais todos os dias parece ter chegado para ficar. O programa, que foi lançado em 1987 e adquirido pela Microsoft pouco tempo depois, está profundamente arraigado na cultura militar, que se apoiou na ordenação hierárquica de itens para pôr ordem em um mundo confuso.
"Há muito antagonismo em relação ao PowerPoint, mas eu não vejo uma mudança para o curto prazo", disse o capitão Crispin Burke, oficial de operações em Fort Drum, Nova Iorque. Foi ele, sob o pseudônimo de Starbuck, quem citou o comentário de Nuxoll, num artigo que escreveu para o website Small Wars Journal.
Ao responder um pedido de entrevista, por e-mail, Burke escreveu que pensava estar disponível naquela noite, mas, infelizmente, surgiu muito trabalho adicional no fim do expediente "o que é pior: montar PPTs". Mais tarde, por telefone, ele estimou que passa pelo menos uma hora por dia montando apresentações.
O secretário de Defesa dos Estados Unidos, Robert M. Gates, revisa versões impressas de apresentações em suas reuniões matinais com a equipe, embora insista em recebê-las na noite anterior. Sua ideia é ler tudo antecipadamente para deduzir o tempo dos encontros.
Nem Obama escapa
O general David H. Petraeus, que supervisiona as guerras no Irã e no Afeganistão, diz que assistir a essas reuniões recheadas de slides é "desesperador". Apesar disso, gosta do programa por sua capacidade de apresentar mapas e tendências. Ele também usa o PowerPoint em suas próprias palestras.
Já McChrystal tem duas reuniões movidas a PowerPoint por dia em Kabul, além de outras três, de periodicidade semanal. Mattis (aquele que falou da "estupidização" provocada pelo programa), diz que um terço de suas reuniões inclui o software.
Richard C. Holbrooke, representante especial da Casa Branca para o Afeganistão e o Paquistão, assistiu a palestras do gênero em sua viagem ao Afeganistão, no ano passado. Isso em cada uma de suas três paradas, em Kandahar, Mazar-i-Sharif e na base aérea de Bagram. Numa quarta escala, em Herat, as forças italianas não só o presentearam com uma apresentação em PowerPoint como também a acompanharam com música orquestrada. Mesmo Barack Obama teve de ver slides, a maioria com mapas e gráficos, nos encontros que antecederam a revisão das estratégias para o Afeganistão, em setembro e outubro.
Os comandantes criticam os slides, observando que eles comportam menos informação do que um documento de cinco páginas, e que eles livram o autor de lapidar seu texto de forma a propor argumentos persuasivos. Imagine advogados apresentando seus argumentos diante do Supremo usando slides de PowerPoint em vez de petições.
"Hipnotizar galinhas"
O artigo de Burke no Small Wars Journal também citou um ataque ao PowerPoint feito por Thomas X. Hammes, um coronel aposentado dos fuzileiros. Bastante lido entre militares, o artigo de Hammes intitulado "Dumb-Dumb Bullets", um trocadilho que compara os itens de uma apresentação às balas dum-dum (munição que se estilhaça para produzir maior estrago no alvo) destaca o potenciar do PowerPoint para criar incoerências. Um item de apresentação que fale em "Acelerar a introdução de novas armas", por exemplo, não diz realmente quem deveria fazer isso.
Ninguém está sugerindo que o PowerPoint seja culpado por erros cometidos nas guerras, mas o programa pegou má fama durante o prelúdio à invasão do Iraque. Segundo conta o livro Fiasco, de Thomas E. Ricks (sem tradução para o português), o general David D. McKiernan, que liderou as tropas de terra, ficou frustrado quando não obteve ordens explícitas de seu superior Tommy R. Franks, comandante das forças americanas no Golfo Pérsico. Em vez de um plano detalhado de invasão, Franks passou a McKiernan uma apresentação de PowerPoint, extremamente vaga. A mesma que Franks havia submetido a Donald H. Rumsfeld, então secretário de Defesa.
Oficiais experientes dizem que o programa é útil quando o objetivo é não entregar informação como nas conferências para a imprensa. As sessões com os veículos de comunicação duram frequentemente 25 minutos, com apenas 5 minutos, no fim, para perguntas dos jornalistas que ainda estiverem acordados. Segundo Hammes, esse tipo de ação é conhecido internamente como "hipnotizar galinhas".