A volta da CPMF vai representar para o bolso do brasileiro muito mais do que os “dois milésimos” do valor das compras citados pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, ao anunciar a medida. Como tem efeito em cascata e incide sobre toda a cadeia de produção, o tributo é inflacionário e trará novo aumento da carga tributária, preveem analistas. Os R$ 32 bilhões que o governo prevê arrecadar com a alíquota de 0,2% de CPMF equivalem a 0,57% do Produto Interno Bruto (PIB) do país em 2014. No ano passado, o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) estimou a carga tributária em 35,47% do PIB. Com a volta da CPMF, o percentual deve chegar a 36,2%.
Em entrevista ao canal oficial do governo NBR, Levy minimizou o impacto no bolso dos brasileiros. Ele disse que o tributo é “justo”, por atingir todas as classes sociais e operações financeiras, além de não “bater na inflação” e “é um imposto pequenininho, de dois milésimos”.
“Todo mundo diz que é muito horrível, os políticos não gostam, mas na verdade é um imposto pequenininho, de dois milésimos. Não é algo que vai alterar a economia. Mas como você paga sobre tudo, isso acaba trazendo dinheiro suficiente para a gente garantir o pagamento das aposentadorias e outros gastos. É um imposto que todo mundo paga, todas as empresas pagam, quem tem caixa dois tem que pagar. É muito justo esse imposto, e é mais fácil de cobrar”, disse o ministro.
Críticas
Para o professor de Tributação e Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV), Fernando Zilvetti, com a ascensão das classe C e D e a maior “bancarização” da população, o número de transações financeiras hoje é muito maior que em 2007, último ano de vigência da CPMF, quando o governo arrecadou R$ 37,2 bilhões. Por isso, o valor a ser arrecadado deve ser maior.
“O crescimento das transações financeiras eletrônicas foi absurdo nos últimos oito anos. Agora, o valor está mais para R$ 54 bilhões. Assim, Levy não assusta tanto a oposição”, disse Zilvetti.
Para o setor produtivo, uma característica danosa é a incidência da cobrança em várias etapas: da compra de insumos básicos e bens intermediários até a venda ao consumidor, sem mecanismos de compensação. Ana Cláudia Utumi, sócia responsável pela área Tributária de TozziniFreire Advogados, diz que, mesmo com alíquota menor – 0,20%, ante 0,38% que vigorava no passado –, o efeito cumulativo tende a afetar o preço de produtos.
“Sempre tem um impacto nos custos. O tamanho vai depender do tipo de produto. Quanto mais etapas de produção, maior o impacto. Todo esse aumento de carga tributária vai ser repassado ao consumidor”, disse.
A CPMF incidia sobre as movimentações financeiras e deve voltar nos mesmos moldes de 2007. A cobrança é feita sobre as saídas da conta corrente de pessoas físicas e empresas. Ela incide sobre saques em caixas eletrônicos, transferências a outras contas, pagamentos de faturas e contas de consumo. O imposto é debitado pelas instituições financeiras, o que garante à Receita Federal baixo custo de fiscalização e implementação. “A tributação na conta bancária faz com que todo mundo tenha que pagar. É um tributo que não tem progressividade. O rico e o pobre pagam a mesma alíquota”, explicou Ana Cláudia.
Dinheiro
Outra consequência é o estímulo ao uso do dinheiro em espécie. Segundo a Associação Brasileira de Cartões (Abecs), a participação dos meios eletrônicos, como cartões de débito e crédito, nas compras no varejo subiu de 68% em 2008 para 76,1% em 2013 (último dado disponível).
O setor produtivo recebeu as medidas anunciadas com ceticismo. A leitura é que, num momento em que a economia já está deprimida, a indicação do governo é mais pelo aumento de impostos do que pelo corte de gastos e o pacote depende de muitas variáveis.
O presidente do Conselho de Administração do grupo Gerdau, Jorge Gerdau, mostrou preocupação com a carga tributária. “O Congresso, com a aspiração de atender às demandas sociais, qualquer dinheirinho que entra, quer destinar para um determinado assunto. Se não cuidarmos, a CPMF pode ir para uma destinação fixa. Bom, já se decidiu que a CPMF, se for aprovada, vai para o ajuste.”
O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Carlos Pastoriza, definiu as medidas como “enrolação”. “Não há quase corte de despesa. É uma pedalada. A maioria virá do aumento de imposto. O pacote foi feito da maneira mais recessiva possível.”