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A grande ideia dos apps de corrida compartilhada? Reinventar o ônibus 

Smartbus do Citymapper nas ruas de Londres | Alisha Juszczyk
Smartbus do Citymapper nas ruas de Londres (Foto: Alisha Juszczyk)

“Isso é um ônibus. A Lyft inventou o ônibus”, atestou alguém pelo Twitter, referindo-se ao Lyft Shuttle, serviço disponível atualmente apenas nas cidades norte-americanas de San Francisco e Chicago. O misto de incredulidade e sarcasmo aí é justificado: basta conferir a proposta do novo serviço da startup de mobilidade urbana, principal concorrente da Uber nos EUA: “veículos para transporte compartilhado, mediante uma pequena taxa, em que passageiros embarcam e desembarcam em locais pré-definidos”. Sim, isso se parece muito com um ônibus. 

Embora o panorama do transporte público tenha se alterado drasticamente com a chegada de serviços como a Uber e a Cabify, novidades como o Lyft Shuttle e o UberPool põem em xeque o argumento de que eles são modais para “complementar a mobilidade urbana”. Conforme novos serviços são anunciados e entram em operação, o que fica é a impressão de que as expansões do modelo, em boa parte dos casos, devem culminar com uma reinvenção do (não tão) bom e velho transporte coletivo. 

Enquanto o Lyft Shuttle faz ecoar o ônibus, o UberX foi uma tentativa, bem sucedida, de abocanhar um nicho maior de mercado. Essa expansão ficou ainda mais nítida com o UberPool, quando clientes que não se conhecem, mas têm destinos espalhados por uma mesma rota, dividem o mesmo carro pagando até 30% menos que se tivessem pedido um exclusivo. Em San Francisco, onde a Uber nasceu, mais da metade das corridas já são feitas por essa modalidade, de acordo com a empresa. No Brasil, por ora ela só está disponível em São Paulo.

Por outro lado, seria simplista negar os avanços tecnológicos propostos para um setor de serviços frequentemente estagnado. É uma reinvenção, sim, mas com melhorias dignas de nota.

“O grande problema hoje é a qualidade do serviço oferecido, a insatisfação do usuário final”, diz o economista Carlos Lebelein, da LMDM Consultoria Empresarial. “Nós até dizemos que hoje, de maneira geral, o setor de ônibus é moldado para abranger apenas as faixas salariais mais baixas”, afirma. 

Vácuo de serviços 

Para Lebelein, o descompasso na gestão do transporte público visto em várias cidades ao redor do mundo acabou por abrir espaço para a iniciativa privada. Isso permitiu que soluções alternativas surgissem, como os mencionados Lyft Shuttle e UberPool, além de outras especializadas, caso do Chariot, startup comprada pela Ford que faz o transporte por vans da montadora em rotas pré-definidas.

Em parte, essas iniciativas tentam suprir uma carência dos modelos tradicionais, integral ou parcialmente administrados pelo setor público. “As startups tentam aproveitar o vácuo que foi criado, já que todo mundo precisa se transportar”, diz o consultor. “Criou-se o estigma de que o transporte público não precisa ter qualidade.”

O referido estigma fica evidente nas reações registradas em redes sociais. No caso dos ônibus do Lyft Shuttle, as mensagens – cômicas ou indignadas – revelam a falta de diferenciação entre esse serviço e os ônibus tradicionais. Na falta de uma distinção mais clara, portanto, resta a usuários e críticos buscá-la nas entrelinhas. 

“Se estudar as rotas do Lyft Shuttle em San Francisco, você verá claramente que o transporte foi projetado para mover pessoas das partes mais ricas da cidade para os setores destinados ao trabalho profissional”, apontou o jornalista Keith A. Spencer, em artigo para o site Salon, que parece ver no Shuttle uma espécie de segregação do transporte público. “Considerando-se que o Lyft Shuttle tem preço comparável a um ônibus tradicional, a principal vantagem parece ser a de evitar o contato com gente pobre”, complementa. 

Sinergia com o setor público 

Entre o descaso usual com o transporte público e o senso de oportunidade do investimento privado, talvez a saída resida em uma colaboração entre os setores. Iniciativas como o Smartbus do Citymapper, um app que ajuda as pessoas a se movimentarem pelas cidades através de vários modais, não apenas afastam as interpretações de segregação social como ainda miram em outra classe de argumentos usualmente lançados contra o transporte privado: o de que a perda de qualidade é inevitável para o transporte com regulamentação governamental. 

O app de mobilidade urbana já conduz alguns testes em Londres. São ônibus e micro-ônibus dotados de materiais sustentáveis, carregadores de celular e telas mostrando o trajeto em tempo real. O grande diferencial, porém, é o uso de dados de mobilidade urbana, coletados pelo app, que ajudam a definir rotas de acordo com a viabilidade e frequência dos passageiros, e se integra a outros modais quando faz sentido. O Citymapper garante que seus ônibus “são integrados com a infraestrutura existente da cidade.”

Tudo isso tem sido feito em estreita parceria com a prefeitura da cidade, que cedeu todos os mapas e dados necessários para iniciar o projeto. “A agência de transportes de Londres é um dos órgãos de transporte público mais inovadores do mundo”, afirmam os criadores do Citymapper.

A julgar pela comunicação da startup, há uma tentativa honesta de promover avanços no transporte público. “Nós estamos reinventando a forma de pensar sobre [questões de transporte] no mundo real”, diz o relato do experimento publicado no Medium. “Estamos integrando sistemas que normalmente não ‘conversavam’ uns com os outros.” 

Mesmo com trajetos inteligentes e navegação computadorizada, a startup reconhece: é um ônibus. “Ele percorre rotas fixas; para em pontos; as pessoas sobem e descem.” Em vez de reinventar a roda, portanto, a companhia tem seu foco no aperfeiçoamento por meio de tecnologias e análises de dados. Isso além de “veículos menores e mais ágeis, necessários a cidades muito populosas”. 

“O planejamento precisa acompanhar a tecnologia” 

Segundo Lebelein, parcerias semelhantes à do Citymapper com a prefeitura de Londres podem ser a solução para o embate entre o livre mercado praticado pelas startups e a regulamentação estatal – desde que exista um planejamento adequado. “Essas tecnologias já poderiam existir nos ônibus há muito tempo”, diz o economista. “Nós conduzimos estudos que mostraram que a utilização de aplicativos – com itinerários, horários etc. – deixaria mais barato o serviço para o usuário final.” 

Para ele, faz-se necessário identificar e consolidar soluções para a relativa defasagem do transporte público, tornando-o capaz de acompanhar os avanços privados. “A questão é que a tecnologia hoje avança mais rápido do que o planejamento”, afirma o consultor. “Alguém precisa pensar nos modelos de transporte do futuro, como eles vão trabalhar juntos para tornar a cidade mais eficiente.” Talvez essa seja a resposta mais adequada à ideia inusitada do Lyft Shuttle, afinal.

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