A última crise financeira foi há dez anos e alguns já começaram a prever que a próxima está a caminho. Mas, quando ela chegar, provavelmente terá suas raízes no Vale do Silício, e não em Wall Street.
O mundo financeiro é muito diferente hoje do que há dez anos. Em 2007, nossa maior preocupação era o “too big to fail” (“muito grande para falhar”, em inglês). Os bancos de Wall Street cresceram tanto e se tornaram tão centrais para a saúde do sistema financeiro, que nenhum governo racional jamais poderia deixá-los falir. Conscientes dessa proteção de que desfrutavam, os bancos fizeram apostas excessivamente arriscadas em mercados imobiliários e inventaram derivativos cada vez mais complicados. O resultado foi a pior crise financeira desde a Grande Depressão.
Nos anos seguintes a 2007, fizemos grandes progressos no lidar com o dilema do “too big to fail”. Os bancos estão mais capitalizados do que jamais estiveram. Os órgãos reguladores conduzem testes de estresse regulares em grandes instituições. E o Dodd-Frank Act impõe exigências rigorosas às instituições financeiras de importância sistêmica.
Mas, embora essas reformas tenham conseguido reduzir os riscos que causaram a última crise, elas ignoraram e, em alguns casos, exacerbaram os riscos emergentes que podem causar a próxima.
Desde 2007, uma tremenda onda de inovação varreu o setor financeiro, afetando quase todos os aspectos das finanças. Novas startups baseadas em decisões automatizadas, como o Betterment e o Wealthfront, começaram a soltar aconselhamento financeiro com base em cálculos algorítmicos, com pouca ou nenhuma participação humana. Empresas de financiamento coletivo como o Kickstarter e o Lending Club criaram novos caminhos para empresas e indivíduos para arrecadarem dinheiro de redes difusas de indivíduos. Novas moedas digitais, como Bitcoin e Ethereum, mudaram radicalmente a nossa compreensão de como o dinheiro pode e deve funcionar.
Esses mercados de tecnologia financeira (ou "fintech") são povoados por pequenas startups, exatamente o oposto dos grandes e concentrados bancos de Wall Street que há muito dominam o mercado tradicional. E elas trouxeram grandes benefícios para investidores e consumidores. Ao automatizar a tomada de decisões e reduzir os custos das transações, as fintechs lubrificaram as engrenagens do setor, tornando-o mais rápido e eficiente. Elas também ampliaram o acesso ao capital para grupos novos e desatendidos, democratizando de maneira sem precedentes o acesso às finanças.
Mas revoluções, em muitos casos, acabam em destruição. E a revolução das fintechs criou um ambiente propício para instabilidade e ruptura. Ela faz isso de três maneiras.
Primeiro, as fintechs são mais vulneráveis a ondas rápidas de adversidades do que os típicos bancos de Wall Street. Por serem pequenas e terem operações focadas, eles podem facilmente ser afetadas quando atingidas por uma paulada do mercado. Considere o caso da casa de câmbio Mt. Gox, de Tóquio, que chegou a ser a maior de bitcoins do mundo, até que uma aparente brecha de segurança a derrubou em 2014, gerando perdas que, em valores corritidos, chegam a mais de US$ 3,5 bilhões.
Em segundo lugar, as fintechs são mais difíceis de monitorar do que as empresas financeiras convencionais. Porque elas dependem de algoritmos computacionais complexos para muitas de suas funções essenciais, é difícil para quem está de fora obter um panorama claro dos riscos e das recompensas. E porque muitas de suas tecnologias são inéditas e inovadoras, elas podem ficar fora do alcance de estruturas reguladoras antigas e desatualizadas. A recente proliferação de "ofertas iniciais de moedas" (ICO, na sigla em inglês), por exemplo, colocou uma enorme pressão em reguladores do mundo inteiro para descobrirem como responder.
Em terceiro lugar, as fintechs não desenvolveram o conjunto de normas e expectativas não escritas que orientam instituições financeiras mais tradicionais. Em 2008, quando o Lehman Brothers estava à beira da falência, os chefes dos maiores bancos de investimentos de Wall Street se reuniram em Nova York para coordenar suas ações e evitar mais pânico. É difícil imaginar algo assim acontecendo no mundo fintech. A indústria é tão nova, e os players tão diversos, que as empresas têm pouco incentivo para cooperar para o bem maior. Em vez disso, eles priorizam o crescimento agressivo e o comportamento imprudente.
Então, o que pode tornar o ecossistema das fintechs mais seguro? Não há respostas fáceis, mas um começo seria olhar para além dos EUA. Os governos de Abu Dhabi e Cingapura lançaram novos “playgrounds regulatórios" onde as fintechs podem cooperar com os reguladores a fim de garantir a segurança e a solidez de seus negócios. A Autoridade de Conduta Financeira do Reino Unido criou um programa similar. Esses tipos de arranjos carregam uma esperança significativa.
Mas, mais importante do que como abordamos as fintechs, é que reconheçamos a necessidade de fazê-lo. Wall Street não é mais o futuro das finanças. O Vale do Silício é.
Magnuson é professor associado da Faculdade de Direito da Texas A&M University. Foi um Climenko Fellow da Faculdade de Direito de Harvard e trabalhou em fusões e aquisições da Sullivan & Cromwell LLP.