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Inteligência artificial

As dificuldades da Apple para se tornar uma potência em inteligência artificial

 | David Paul MorrisBloomberg
(Foto: David Paul MorrisBloomberg)

A Apple se tornou a primeira companhia a colocar a inteligência artificial nos bolsos de milhões de consumidores quando o cofundador da companhia, Steve Jobs, lançou a assistente por voz Siri, para o iPhone. Oito anos mais tarde, a gigante da tecnologia luta para encontrar sua própria voz na IA.

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Analistas dizem que saber se a Apple é capaz de ser bem sucedida na criação de grandes produtos baseados em inteligência artificial é tão fundamental para a próxima década quanto o iPhone foi na última. Mas a gigante tecnológica enfrenta um dilema formidável, porque a natureza da inteligência artificial empurra a Apple para longe de sua zona de conforto em hardware e serviços elegantemente projetados. 

A programação da IA exige um nível de coleta e mineração de dados que não combina com o posicionamento rigoroso da Apple em relação à privacidade, bem como a sua postura de empresa que não cria perfis de comportamento dos seus clientes. Além disso, a tendência de longa data da Apple para o sigilo tornou a empresa menos desejável aos olhos de potenciais grandes contratações, vindas dos principais departamentos de tecnologia do país e que são atraídos por empresas que publicam suas pesquisas. 

O DNA da Apple

“Inteligência artificial não está no DNA da Apple”, disse Steve Munster, analista e investidor de capital de risco. “Eles entendem que, no futuro, todas as empresas se transformarão em empresas de IA e que estão em uma posição difícil.”

Na conferência anual de desenvolvedores da Apple realizada na última segunda-feira (5) – o mesmo evento em que Jobs apresentou a Siri, em 2011 –, os esforços da empresa para se tornar uma potência da IA eram exibidos na forma de um novo alto-falante inteligente e independente e em recursos destinados a aumentar as funcionalidades da Siri e a incluir funções de IA em outros produtos da Apple. 

“Aprendizagem de máquina” – uma palavra-chave de IA que descreve uma forma ultrarrápida de análise de dados e modelagem estatística – foi repetida durante toda a apresentação de duas horas e meia, que contou com cerca de seis mil desenvolvedores na plateia. A Siri agora usará o aprendizado da máquina para prever os horários de uma viagem matutina – ou para analisar notícias sobre viagem quando você as lê no navegador Safari a fim de sugerir atividades relacionadas, como comprar passagens ou fazer reservas. 

Ela usará a aprendizagem de máquina para conversar com você e para ajudá-lo a selecionar músicas por meio de um novo dispositivo de automação residencial de US$ 349, o HomePod. Ela também organizará automaticamente suas fotos em álbuns, como “2º aniversário”, sem que você tenha fornecido qualquer contexto sobre as imagens. Há até mesmo um novo kit de ferramentas de software, o CoreML, que permitirá um processamento mais rápido de grandes quantidades de dados coletados durante as aplicações de aprendizagem de máquina. (Ele é seis vezes mais rápido do que o processador rival de IA do Google, segundo um executivo). 

Mas os anúncios de segunda-feira ocorreram após outras empresas de tecnologia lançarem inovações similares, com gastos de bilhões de dólares na crescente corrida armamentista de IA. Muitos têm apostado na inteligência artificial, considerando possibilidades que vão desde um software que um dia será inteligente o bastante para manter conversas como um ser humano, ou ainda a computação visual, capaz de identificar objetos do mundo real tão bem a ponto de propiciar a criação do primeiro carro autônomo totalmente independente. 

Esse cenário colocou a Apple em uma posição desfavorável de tentar liderar em uma área em que ela ficou para trás – e na qual os esforços vão de encontro à cultura de sigilo da companhia.

"Esta é uma mudança substancial para a Apple", disse Daniel Gross, ex-executivo hoje focado em inteligência artificial. "O foco interno [da Apple] está em construir ótimos produtos, não em publicar artigos". 

Em busca de um novo sucesso

Dez anos após o lançamento do iPhone, a Apple está à procura de outro produto de grande sucesso que possa ocupar seu lugar. As vendas do iPhone impulsionaram a Apple a se tornar a empresa mais valiosa do mundo e ainda representam mais da metade da receita da companhia, que foi de US$ 215,6 bilhões em 2016. Mas, no ano passado, as vendas do icônico celular da empresa caíram pela primeira vez, sugerindo que o mercado de celulares de alto desempenho pode finalmente ter saturado. 

"A diferença entre o iPhone do ano passado e o iPhone deste ano será muito menor do que a diferença entre a primeira e a segunda gerações do iPhone... Então, essa curva ‘em S’ começa a ficar plana", disse Benedict Evans, especialista em tecnologia mobile e parceiro da empresa de capital de risco do Vale do Silício Andreess Horowitz, usando um termo da indústria para aumentos exponenciais na inovação. "Então, você tem a próxima tecnologia transformadora, que ainda não chegou.” 

A Apple não respondeu aos repetidos pedidos de entrevistas para esta reportagem.

O lançamento do HomePod da Apple, que chegará nos Estados Unidos por US$ 349 em dezembro, ocorre alguns anos depois de Amazon e Google terem lançado seus próprios dispositivos de automação, o Echo e o Google Home, que enviam as consultas por voz dos consumidores de volta aos seus servidores na Califórnia para análise. Google, Tesla, Uber e outros testam veículos autônomos em estradas públicas há vários anos; a Apple recebeu sua primeira licença para começar os testes há apenas dois meses. Antes dos anúncios de segunda-feira, a assistente Siri ainda era um mero buscador mais requintado capaz de disparar piadas pré-programadas vez ou outra. 

Agora, a Apple está correndo para se recuperar. Em outubro passado, a empresa contratou Russ Salakhutdinov, um professor da Carnegie Mellon, cuja experiência se concentra em uma área de inteligência artificial conhecida como aprendizagem "profunda" ou "não supervisionada" – um ramo complexo da aprendizagem de máquina em que os computadores são treinados para replicar a maneira como os neurônios reagem quando reconhecem objetos ou a fala. Salakhutdinov é discípulo de Geoffrey Hinton, talvez o principal pesquisador do mundo nesta área. Como Salakhutdinov, que divide seu tempo entre a Carnegie Mellon e a Apple, Hinton se desdobra entre o Google e a Universidade de Toronto. 

Além de ajudar na melhora dos produtos, estabelecer relações com estrelas da academia também é uma ferramenta importante de recrutamento, disse Richard Zemel, diretor do Instituto Vector para Inteligência Artificial e professor especializado em aprendizagem de máquina na Universidade de Toronto.

"Era raro encontrar pessoas com crachás da Apple em conferências, mas agora isso acontece", disse Zemel.

Em dezembro, a Apple apresentou e publicou seu primeiro artigo acadêmico sobre inteligência artificial durante uma conferência da indústria. Outro artigo foi aceito para uma prestigiada conferência de visão computacional e será publicado em julho, conforme disse Salakhutdinov em entrevista. Salakhutdinov afirmou que não estava autorizado a discutir seu trabalho na Apple em detalhes. 

Zemel, que afirmou ao site Bloomberg há dois anos que a Apple estava "fora da escala" em termos de sigilo e que esse sigilo os manteve fora do ciclo dos principais desenvolvimentos da área, agora diz que a gigante de Cupertino “fez algumas mudanças".

"Mas isso vai dar algum trabalho", acrescentou. 

Pesquisadores de universidades renomadas disseram em entrevistas que a Apple ainda não era a melhor escolha para seus graduados em tecnologia – o Google, o Facebook e a Amazon eram, de longe, as melhores opções –, mas que a empresa estava subindo no ranking. 

Privacidade

As incursões da Apple em IA também foram mais lentas do que as de seus pares porque a empresa tem sido relutante em abraçar as práticas de mineração de dados de rivais como o Google e o Facebook, disseram os especialistas. A empresa tem gasto recursos consideráveis para criar camadas adicionais de privacidade. Ao contrário do Google e do Facebook, que são, antes de qualquer coisa, empresas de publicidade que coletam enormes quantidades de dados privados para perfilar seus usuários, a Apple acredita em limitar a quantidade de dados coletados dos usuários. Em uma conferência anterior de desenvolvedores, os executivos se gabavam de que a empresa não criava perfis de usuários. Tim Cook posicionou a empresa como o anti-Google. 

Mas esse posicionamento contra a coleta de dados se torna um problema quando se está construindo inteligência artificial, dizem os pesquisadores. Um dispositivo doméstico deve coletar e analisar as falas das pessoas, a fim de melhorar a maneira como o aparelho conversa com humanos, por exemplo. Para que a Siri seja inteligente, ela precisa coletar e interpretar dados de outros aplicativos, como seu calendário, suas reservas em restaurantes e, agora, sua navegação. 

No ano passado, quando passou a adotar inteligência artificial no iPhone, a Apple empreendeu um grande projeto de proteção da privacidade. O projeto fez uso de um conceito acadêmico chamado de “privacidade diferencial” e o aplicou às funções de IA no iPhone. A privacidade diferencial funciona inserindo ruído – ou informações ruins – nos dados originais, a fim de confundir pessoas de fora que tentem ganhar acesso aos registros de um indivíduo. Por exemplo, para que o software da Apple agrupe as fotos do seu cão em um único álbum, ele precisa coletar muitas fotos de seus cachorros. 

A Apple coleta essas imagens, mas não antes de criptografar os dados nelas e, em seguida, codificá-los com outros dados, de modo que, se alguém tentar recuperar o conjunto de dados inicial, não será possível saber o que está vinculado a um único usuário, diz a empresa. Esta técnica é considerada uma proteção de privacidade mais forte do que outros métodos, como o uso de fórmulas matemáticas para tornar anônimos os perfis dos usuários. 

O foco da Apple em privacidade pode ter atrasado a empresa em termos de construção de alguns produtos, disse Gross, mas a contrapartida seria a confiança do consumidor. "A Apple está se acostumando com uma etapa extra de ciência que é realmente difícil, a fim de tentar manter a sua privacidade", disse ele. "Acredito que o Google e o Facebook terão que que prestar esclarecimentos quando é oferecido [pela Apple] um produto similar e capaz de resguardar a privacidade". 

Munster apontou que até o momento nenhuma empresa de tecnologia tem uma liderança destacada em inteligência artificial. "A má notícia é que a Apple está em desvantagem", disse ele. "Já a boa notícia é que, se considerarmos como a IA pode impactar o mundo, trata-se apenas do início – há muito tempo para recuperar o atraso".

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