Imagine um mundo onde trocar de banco fosse igual a trocar de operadora de telefonia, ou seja, em que fosse fácil “portar” seus investimentos ou dados financeiros para onde você bem entendesse, sem toda aquela burocracia que atualmente te prende a um banco ou conta específica.
É mais ou menos essa a proposta do Open Banking, uma diretriz que reforça que o consumidor é o proprietário dos seus dados bancários, da mesma forma que recentemente nos tornamos “donos” dos nossos números de telefonia celular.
Quem está na dianteira dessa nova conduta na área financeira é o Reino Unido, que determinou que nove das suas maiores instituições financeiras criassem interfaces digitais (APIs) que permitam aos consumidores compartilharem seus dados bancários com terceiros. A intenção é facilitar o acesso dos consumidores a produtos financeiros — como financiamentos, investimentos ou até aconselhamento — através de provedores que não sejam seus atuais bancos, o que dará mais opções e maior transparência aos correntistas.
Essa pressão das entidades governamentais, como foi o caso da determinação de Open Banking britânica, feita pela Autoridade de Mercados e Competitividade (Competition and Markets Authority, em inglês), é essencial para transpor a resistência das instituições financeiras mais consolidadas, que tendem a se recusar a abrir os dados financeiros dos seus clientes. “É natural que os bancos queiram aglutinar o máximo de serviços prestados ao consumidor em torno do seu próprio ecossistema”, explica Marco Santos, diretor geral para a América Latina da GFT, empresa alemã especializada no desenvolvimento de sistemas bancários. A função das diretrizes, portanto, é pressionar os bancos a colaborar com um ambiente financeiro mais aberto.
“Portabilidade” bancária
Enquanto o número de telefonia é um só — e a migração, portanto, uma tarefa única —, no caso dos bancos, essa “portabilidade” bancária permitida pelo Open Banking poderá ocorrer de diversas maneiras. Isso significa que será possível, num futuro próximo, que os consumidores possam ter uma conta corrente em um banco, realizar investimentos financeiros através de outro serviço, fazer pagamentos via um terceiro fornecedor, tudo isso de acordo com o que ele julgar ser o melhor para ele, baseado na qualidade do serviço, na experiência, na conveniência ou no menor custo.
O Brasil dá os primeiros passos em direção a um mercado financeiro mais aberto. Em agosto de 2017, o Banco do Brasil anunciou a primeira iniciativa brasileira de Open Banking, permitindo que micro e pequenas empresas que fossem clientes do banco integrassem suas informações bancárias à plataforma Conta Azul por meio de uma API do Banco do Brasil.
“Atualmente estamos com dez serviços de API rodando e outras seis parcerias em estágio de desenvolvimento”, explica Carlos Rudney, gerente executivo de negócios digitais do Banco do Brasil. Segundo ele, o número reduzido de serviços que usam a API do banco se deve ao fato de que a plataforma não está totalmente aberta. “Decidimos renovar o portal do desenvolvedor para que ele seja uma plataforma 100% automatizada e de autosserviço, de forma que os desenvolvedores não precisem mandar email, ligar, assinar papéis… Estamos nos distanciando desse mundo analógico nesse momento”, contextualiza Rudney, que tem com meta fazer o Open Banking do Banco do Brasil alcançar um milhão de clientes integrados via API até junho deste ano.
O Banco Original, que desde março de 2016 se apresenta como um banco 100% digital, também já está alinhado com as propostas de Open Banking, oferecendo aos desenvolvedores a chance de se conectarem às APIs do banco para acessar dados da conta e de investimentos dos seus correntistas, além de permitir que apps terceiros autorizados pelos clientes possam realizar pagamentos e transferências.
Segundo Santos, a tendência do Open Banking é inevitável. Os grandes bancos do Brasil estão se preparando para essa abertura digital, arquitetando e testando suas soluções de Open Banking para liberá-las o quanto antes. “É um processo inexorável”, resume ele.
Mais responsabilidade nas decisões
O sistema financeiro atual não é exatamente fácil de compreender e de transitar. Por isso, é bastante comum que o brasileiro se sinta um pouco leigo no assunto, afinal sempre nos vimos com poucas opções de investimentos, financiamentos ou gerenciamento das finanças pessoais.
Os especialistas com quem conversamos entendem que com as novas opções que o Open Banking promete trazer o consumidor se tornará mais responsável pelas próprias escolhas e decisões financeiras, ao invés de deixar tudo aos cuidados do banco onde possui conta corrente. “Hoje, quando o brasileiro pensa em produtos financeiros, ele costuma se limitar aos produtos do banco. A força do Open Banking é ajudar as pessoas a se darem conta de que as opções dela não estão limitadas à prateleira do banco, dando espaço para financeiras e financiadoras menores, além das fintechs [startups do ramo financeiro]”, explica Maria Teresa Fornea, cofundadora do Bcredi, uma fintech de financiamento imobiliário e crédito através de garantia de imóvel.
A tendência é que ao dar ao consumidor uma maior força de decisão sobre onde “deixar” o seu dinheiro, a competitividade aumentará e, consequentemente, os preços de produtos financeiros tenderão a cair, gerando benefícios ao consumidor final. “É a ‘uberização’ do mercado. Naturalmente, as instituições vão lutar para prestar o melhor serviço pelo melhor preço”, prevê Santos.
Ter mais opções no seu “cardápio” financeiro também pressupõe uma necessidade do consumidor por mais conhecimento das próprias finanças. Para poder escolher melhor, será necessário aprender mais sobre planejamento financeiro, opções de investimento, retornos, taxas, juros, sendo mais cuidadoso e criterioso com as decisões. “Esperamos que as pessoas passem a ver produtos financeiros como qualquer outro produto, comparando antes de comprar”, frisa Fornea.
Ou seja, no longo prazo, pressionar os bancos a compartilharem os dados financeiros dos correntistas que quiserem utilizar apps ou serviços fora do banco também é uma forma de fomentar o aprofundamento do conhecimento financeiro do cidadão. Atualmente, parte da falta de jeito do brasileiro no que tange a lidar com o próprio dinheiro é também um efeito colateral do ambiente fechado dos bancos, que não permite que o cliente desenvolva um traquejo para lidar com o próprio dinheiro. Esse comportamento tende a mudar de acordo com que mais opções - e até mais serviços de ensino de controle financeiro - surjam no horizonte. “A abertura propiciada pelas iniciativas de Open Banking certamente vai proporcionar um melhor aprendizado e conhecimento sobre gestão financeira, e acredito que isso será muito bom para a sociedade”, especula Santos. “Ao ter que tomar uma decisão, o consumidor precisará entender melhor qual o retorno de cada um dos seus investimentos”, conclui.
Sigilo bancário também vale fora do banco
Em 2016, o Bradesco entrou com um processo contra o app Guia Bolso, que auxilia os usuários a organizarem suas finanças, sob a alegação de que a coleta de dados de transações realizada pelo app criava uma vulnerabilidade nos seus sistemas de segurança, o que poderia prejudicar os correntistas do banco, segundo matéria publicada na Folha de S. Paulo.
Esse é o tipo de queixa que será resolvida através da futura implementação do Open Banking, já que os bancos são incentivados a criar formas seguras, através de APIs, para que aplicativos, serviços e plataformas de terceiros acessem os dados dos seus clientes, quando e se eles autorizarem esse acesso. “O que eu estarei dizendo é ‘ei, banco, pegue esses dados que são meus e mostre para uma empresa X, que eu quero que veja meus dados para me oferecer um serviço melhor, ou algo que você ainda não me oferece, ou para que eu possa comparar para ver se o seu serviço é mesmo melhor’”, ilustra Fornea.
Caberá aos usuários, contudo, serem criteriosos para com que tipo de aplicativos decidem abrir suas informações financeiras via Open Banking. Fintechs e empresas de produtos financeiros que se conectarem aos bancos através de APIs também serão co-responsáveis pelo sigilo bancário dos usuários, mas é importante lembrar que o setor ainda não tem obrigatoriedade de regulações ou regulamentações para garantir a confiança, responsabilidade e segurança das informações.
Por isso, é importante manter-se atento e conferir o máximo de informações possíveis sobre a empresa ou app que irá utilizar antes de autorizar o acesso aos seus dados bancários. “É importante pesquisar sobre a empresa, entender quem está por trás daquele serviço ou fintech que você escolheu e, principalmente, se manter em alerta diante de qualquer pedido de pagamentos antecipados”, adverte Fornea, dando dicas do que fazer para evitar cair em um golpe oportunista.