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Nos anos 1980 era muito mais simples tentar entender os penteados da banda Duran Duran do que imaginar as possibilidades que abririam os aparelhos celulares — o que havia de mais avant-garde até então. A década e os penteados mudaram. Hoje, a inteligência artificial (IA), a capacidade de as máquinas pensarem “quase como humanos” (com direito a muitas aspas), é o celular dos anos 2010. Muitos dizem o que poderão fazer, mas poucos conseguem de fato visualizar. Talvez por isso tenha passado até com uma certa discrição uma notícia de janeiro, das mais importantes para este segmento: o Google lançou uma plataforma (Cloud AutoML) para democratizar (você e eu podemos usar a preços relativamente módicos) esses sistemas inteligentes.

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Se passou batido pelas pessoas comuns que nunca estiveram em uma aula de códigos computacionais, não foi assim com os entendidos. O “AutoML” no nome esquisito da ferramenta do Google significa “automated machine learning” que, de forma simplista mas explicativa, é a capacidade de as máquinas aprenderem sozinhas — um dos pilares da IA. Para a Forbes, esse é o “futuro da inteligência artificial”. Para o New York Times, foi a realização do “sonho de todos os pesquisadores [desse campo]”. Ficou claro: não é pouca coisa.

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O aprendizado automático das máquinas é fundamental em um mundo que depende cada vez mais da análise de uma grande quantidade de dados geradas, o Big Data. Pegue o exemplo do escândalo do Facebook com a Cambridge Analytica. A consultoria britânica jamais conseguiria descobrir como tirar vantagens de todas as informações concedidas pela rede social se não conseguissem interpretar o volume massivo de informações que caiu em seu colo. Esse trabalho de interpretação foi feito por algoritmos desenvolvidos por cientistas de dados, pessoas de carne e osso que definiram parâmetros para descobrir quem eram os possíveis eleitores de Donald Trump em um mundo de informações variadas — desde interesse por gatos até flerte com as políticas protecionistas.

Não há, no entanto, muitas destas pessoas de carne e osso com essa expertise no mundo. Há bem poucas, na verdade: cerca de 10 mil, segundo estimativas norte-americanas. “As maiores empresas de tecnologia do mundo, incluindo Google, Facebook e Microsoft, às vezes pagam milhões de dólares por ano para os especialistas em inteligência artificial, efetivamente tencionando o mercado com esses talentos difíceis de encontrar. A escassez não vai desaparecer tão cedo, pois dominar essas habilidades exige anos de trabalho”, descreve o New York Times.

Resultado: a solução do Google, de uma ferramenta mais autônoma que facilita criar esses algoritmos – quase um “para leigos” — é bastante lógica. Qualquer um pode ser um cientista de dados. Hoje, ela ainda precisa de parâmetros humanos. Logo, poderão não mais depender.

Pajé

Mas não foi somente a gigante que teve essa ideia. Uma plataforma brasileira, criada por um professor da Universidade de São Paulo (USP), pretende fazer sombra ao Google, também oferecendo uma ferramenta de autoML. O Pajé, ainda em desenvolvimento, deve ser um sistema livre e colaborativo. A expectativa do professor é de que uma versão inicial da plataforma seja colocada à disposição da população em meados de agosto.

Mas, se o Google investe em empresas, o Pajé também quer as “pessoas não-jurídicas”. O usuário poderá, por exemplo, entender e otimizar o Big Data de sua casa. Que tal analisar quanto se investe em educação, saúde e transporte e entender e redirecionar os gastos? O computador pode indicar onde é melhor gastar. “A ideia é que qualquer pessoa possa usar essa ferramenta, quer seja o dono de um bar, de um consultório médico, de um hospital, de uma organização não-governamental ou um funcionário do poder público”, explica André de Carvalho, professor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) e idealizador do projeto.

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Basicamente, a Pajé AutoML analisa um conjunto de dados fornecidos para extrair o que o usuário busca — ou seja, não é preciso contratar um cientista de dados para elaborar uma forma de fazer isso.

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O professor exemplifica uma aplicação mais ampla: pense nos dados à disposição nas Unidades Básicas de Saúde brasileiras. É possível criar um modelo de previsão que seja capaz de recomendar ao médico qual o tipo de parto mais indicado para as mulheres que hoje estão realizando pré-natal por meio da análise dos dados clínicos prévios daquelas que efetuaram o mesmo acompanhamento nessas unidades e dos dados referentes aos tipos de parto realizados. “Note que o Pajé apenas recomenda o procedimento, de acordo com os dados previamente existentes na plataforma. Quem tomará a decisão é o médico”, ressalta André.

É só o primeiro passo: no futuro, garante o professor, as máquinas precisarão menos de cientistas de dados ou leigos ajudados pelos autoMLs: elas aprenderão sozinhas. Ao executar as tarefas milhares de vezes, desenvolverão a capacidade. Algo em que o Google, sempre ele, já está na frente. No ano passado, o sistema NASNet criou algoritmos de análise de dados eficiente na maioria dos casos em que foi testada.

Quem será o pioneiro importa, mas não é garantia de sucesso. “É o velho exemplo da Kodak, que criou a câmera digital e foi engolida por ela”, explicou o analista e professor do MIT, dos Estados Unidos, James Elway, ao MIT Tech Review, revista científica do renomado instituto.

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A ciência dos dados

Uma máquina é capaz de aprender a extrair o que importa de um conjunto de dados se seguir três passos:

1) Pré-processamento: o sistema “limpa” os dados, selecionando o que importa e o que é descartável. Imagine uma análise de dados do Facebook em que se quer conhecer apenas usuários que gostam de cachorros. É o papel nesta fase eliminar todas as citações que não incluem esses animais.

2) Modelagem: é quando se escolhe o método (algoritmo) e os parâmetros mais adequados para ensinar o computador a analisar os dados selecionados. No exemplo acima, se o dono do algoritmo pretende achar somente cachorros felizes, ele delimita parâmetros como “rabo balançando” ou palavras positivas. A máquina então aprende a indicar previsões: “os cachorros são mais felizes em regiões X da cidade”, por exemplo.

3) Pós-processamento: o modelo criado é avaliado, após a realização de testes, e o usuário pode julgar os resultados gerados pelo sistema e sugerir alterações a fim de aprimorá-lo.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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