Quatro meses após o Senado fazer alterações sensíveis no texto original, a Câmara retoma nesta terça-feira (27) a discussão do projeto que regulamenta empresas de transporte privado de passageiros, como Uber, Cabify e 99. Trata-se do PLC 28/2017.
O projeto é o segundo item da pauta desta semana na Casa em virtude de uma Medida Provisória (MP) que tranca a pauta: a MP 801/2017, que elimina as exigências feitas a Estados e municípios que queiram renegociar ou refinanciar suas dívidas com a União.
Há a possibilidade dos deputados fazerem novas mudanças no projeto que regulamenta esse tipo de transporte privado. O projeto aprovado na Câmara em abril do ano passado era visto como favorável aos taxistas. No Senado, no entanto, os parlamentares retiraram a obrigatoriedade do uso de placas vermelhas e também a imposição de que apenas o dono do veículo poderá dirigi-lo.
Foram retirados ainda outros dois trechos: um que possibilita a prefeitura regulamentar o serviço e também o trecho que restringia o veículo a circular só na cidade onde foi registrado. Com as mudanças, os deputados poderão reavaliar o projeto que saiu do Senado, uma vez que o texto inicial é oriundo da Câmara.
“Nível de investimento depende dessa regulação”
Nos últimos seis meses, motoristas ligados à Uber fizeram 500 milhões de viagens no Brasil, a mesma quantidade acumulada nos três anos e meio anteriores. A disseminação desse tipo de transporte também atingiu outros aplicativos e levou a chinesa Didi Chuxing, que desbancou a Uber na China, a adquirir a brasileira 99 neste ano, num negócio de mais de US$ 1 bilhão.
A aposta da Uber no Brasil a partir de agora, no entanto, estará atrelada às normas fixadas para os serviços pela Câmara dos Deputados, diz Dara Khosrowshahi, 48, CEO da Uber, em entrevista concedida por telefone.
Qualquer empresa assume riscos e há um “mercado promissor” no país, diz ele, mas tudo está condicionado às restrições que devem voltar à pauta dos deputados. “O nível do investimento, obviamente, dependente dessa regulação.”
Engenheiro elétrico nascido no Irã e criado nos EUA, Khosrowshahi assumiu a Uber em agosto de 2017, após uma série de escândalos envolvendo a empresa — de acusações de tolerância com episódios de assédio sexual e moral a alegações de roubo de segredos comerciais da tecnologia de veículos autônomos.
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Na semana passada, sob a justificativa de que não há regras claras e de que não colocaria seu negócio sob risco, a Uber decidiu encerrar suas atividades no Marrocos.
Khosrowshahi diz que a situação no Brasil parece distante disso. “Seria um resultado trágico que eu não antevejo, mas às vezes essas coisas acontecem pelo mundo”.
Os projetos da Uber incluem outros modelos de transporte, como um sistema com bicicletas pensado para cidades como São Paulo, e a tecnologia dos “carros voadores”, com pousos e decolagens na vertical e que Khosrowshahi projeta no mercado dentro de cinco a dez anos.
Pergunta: Em que medida a Uber depende da decisão da Câmara dos Deputados? O serviço no Brasil pode ser suspenso dependendo dessa regulação?
Dara Khosrowshahi: Qualquer operação nossa, incluindo o Brasil, exige parcerias não só com governos locais, mas com motoristas e usuários vinculados ao aplicativo. De modo geral, nosso diálogo com o Senado e o governo brasileiro melhorou ultimamente.
A Uber planeja investir no Brasil mesmo com o risco de mudança das regras?
DK: Todo negócio traz riscos. No Brasil, na última semana, nós ultrapassamos a marca de 1 bilhão de viagens. A companhia demorou três anos e meio para alcançar meio bilhão de viagens e outros seis meses para alcançar mais meio bilhão. Portanto, o negócio tem crescido muito no Brasil.
Na medida do possível, vamos continuar investindo no Brasil. O nível do investimento, obviamente, depende dessa regulação. Podemos continuar sendo uma força econômica positiva no país não só com os impostos pagos, quase R$ 1 bilhão em 2017, mas também com os mais de 500 mil motoristas que trabalham com nossa plataforma em época de turbulência econômica.
Como foram as conversas com os parlamentares?
DK: Temos tido contato com diversos agentes no governo, deputados e senadores nos últimos anos. O texto que o Senado enviou à Câmara reflete o equilíbrio apropriado. Uma regulação que traga a segurança de motoristas e usuários, mas também a abertura que garanta que a tecnologia continue avançando.
A chinesa Didi Chuxing adquiriu recentemente a 99 e decidiu investir bastante no país. A Uber está perdendo espaço para a empresa rival no Brasil?
DK: Achamos que ainda é muito cedo. Qualquer mercado atrativo irá atrair competição, o que nos fará melhor.
Nós investimos significativamente no Brasil por anos. Temos 77 pontos de apoio a motoristas, cinco escritórios no país e recentemente investimos mais de R$ 200 milhões em um call center de excelência na América Latina.
Respeitamos a 99 e o investimento da Didi, a posição competitiva deles, mas não acho que eles estejam tão dedicados ao Brasil há tanto tempo como nós estamos.
Nossa visão do Brasil é de um mercado muito promissor, queremos nos dedicar a ele, desde que o ambiente regulatório nos permita continuar investindo no país. Pretendemos continuar a investir não só em tecnologia, talvez possamos contratar engenheiros.
Uma agência de trânsito em Boston fez uma pesquisa sugerindo que Uber e Lift [concorrente americana] tiravam pessoas de transportes públicos e acrescentavam novas viagens nas ruas. Em Nova York há a discussão de que empresas como Uber possam deixar o trânsito mais lento. Como o sr. rebate o argumento de que a Uber pode piorar o trânsito?
DK: Acredito que os dados nessa área ainda são novos e ainda estão em desenvolvimento. Eu diria que toda vez que se introduz uma tecnologia nova e acessível, toda vez que se introduz mobilidade, haverá o aumento da demanda.
O fato de a Uber ser um serviço conveniente que provê ganhos a diversos motoristas, isso toma certo volume [de passageiros] de outros meios de transporte, é inevitável.
Estamos investindo agressivamente em tecnologias como Uber Pool, que permite mais de um passageiro compartilhar um carro. Essa modalidade tira carros das ruas e diminui congestionamentos.
Em São Francisco, introduzimos uma tecnologia que queremos disseminar pelo mundo em que abrimos a nossa plataforma para outros meios de transporte, incluindo bicicletas. Esperamos ver essa tecnologia mundialmente implantada, o que inclui o Brasil e a cidade de São Paulo.
Ajudar a combater o problema dos congestionamentos é parte da nossa missão.
A Uber tem trabalhado em projetos de carros autônomos (sem motorista) e voadores (Uber Elevate, aeronaves leves capazes de pousar e decolar na vertical). O quanto tudo isso ainda está distante?
DK: Essas são tecnologias muito estimulantes e caras. Acreditamos que a tecnologia dos carros autônomos estará nas ruas dentro de um ano, em uma escala muito reduzida e com base comercial somente nos Estados Unidos.
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O Uber Elevate é uma outra história. As cidades se tornaram verticais, devido aos seus prédios comerciais e arranha-céus. Acreditamos que o transporte também será vertical. Precisaremos usar o céu para tirar os carros da rua.
Achamos que o primeiro modelo com decolagem e pouso vertical sairá em cinco anos. E para que eles estejam completamente prontos para operarem comercialmente, entre cinco a dez anos.
A Uber se envolveu nos últimos anos em escândalos pelo mundo, de relatos de assédio sexual a estratégias agressivas de competição empresarial...
DK: Acredito que parte das críticas sobre nossa atividade no passado é justificada e uma das minhas primeiras ações ao me tornar CEO foi introduzir novos valores culturais. E uma das novas regras mais importantes é: nós fazemos a coisa certa, ponto. Podemos nos tornar uma empresa de sucesso, mas também uma empresa a se orgulhar.
No Brasil, há críticas sobre a falta de transparência nos dados da empresa. A Uber abriria seus dados para ajudar São Paulo a planejar o trânsito?
DK: Queremos ser muito atenciosos com a privacidade dos nossos usuários e motoristas, mas seremos muito mais abertos a compartilhar informações com as autoridades das cidades nas quais operamos. Por exemplo, para encontrar soluções conjuntas para ajudar no tráfego. Então, esse é o tipo de parceria para a qual certamente estamos abertos. Sendo o Brasil um mercado tão importante para nós, isso é algo para o qual estamos dispostos a desenvolver, dentro de determinadas circunstâncias.
Recentemente, a Uber suspendeu suas operações no Marrocos. De que maneira o quadro é comparável ao do Brasil?
DK: Uma vez que estamos em um país, esperamos regras claras em que a tecnologia possa prosperar e os motoristas possam ter a oportunidade de ganhar a vida. Algumas cidades e países querem avançar e usar o poder da tecnologia, enquanto outras olham para trás. Enquanto nosso negócio é global, em último caso uma abordagem local depende de um ambiente regulatório específico.
Marrocos é um exemplo de como nós não tínhamos clareza, e não estávamos dispostos a colocar nossos parceiros motoristas e nosso negócio em risco por lá. Decidimos que tínhamos que sair. Acho que o Brasil está longe desta circunstância. Seria um resultado trágico que eu não antevejo, mas às vezes essas coisas acontecem pelo mundo.