Algumas semanas atrás, a Wyze Labs, startup de Seattle, nos Estados Unidos, que completou um ano, me enviou seu primeiro dispositivo para ser testado. É uma câmera de vídeo pequena e conectada com a internet, o tipo que dá para usar como equipamento de segurança ou para acompanhar de perto os passos de seu cachorro ou de seu bebê.
Aparentemente, ela não tem nada de especial. Como as câmeras domésticas feitas pela Nest ou pela Netgear, o equipamento da Wyze pode monitorar uma área em busca de movimento ou de som. Quando localiza alguma coisa, começa a gravar um clipe curto que armazena on-line, para que possa ser acessado pelo celular ou pelo computador.
Mas a WyzeCam tem uma característica que nenhuma outra possui. Está sendo vendida por um preço tão baixo – US$ 20 – que levou a reportagem vasculhar a indústria global de dispositivos para descobrir como isso é possível, o que, por sua vez, levou a uma revelação sobre o futuro de todos os tipos de produtos.
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Que futuro? Vamos ter produtos melhores por preços muito baixos, e grandes marcas em uma série de categorias vão ter cada vez mais dificuldade para conseguir que desembolsemos muito dinheiro por suas mercadorias.
Há um herói oculto nessa história – ou, se você é uma marca importante, um vilão sombrio. É a Amazon.
Estratégia: grande volume de vendas, margens pequenas
Para entender o papel da Amazon, vamos olhar mais de perto como o Wyze se aproveitou da Amazon. As câmeras internas da Nest e da Netgear, que são comparáveis, custam cerca de US$ 200 cada, enquanto a da Wyze sai por US$ 20 mais frete se forem adquiridas no site da startup. Outro lugar em que é possível comprá-las é na Amazon, onde os membros do serviço Prime podem receber a câmera por US$ 30 em dois dias.
A Wyze não criou uma câmera doméstica por um décimo do preço das rivais diminuindo a qualidade. Embora venha em embalagem econômica, ela oferece todos os recursos que você esperaria dos equipamentos das grandes marcas, incluindo segurança reforçada. (Embora todos os dispositivos conectados à internet apresentem alguns riscos de segurança, o Wyze diz que os seus, e os dados que eles gravam, são bloqueados com criptografia.)
Os preços baixos da Wyze, em vez disso, nasceram de duas ideias, ambas ligadas à Amazon. Os três fundadores da empresa trabalharam lá e dizem que se inspiraram na metodologia de vendas de grande volume e margem pequena aplicada pela Amazon.
Para atingir o preço de US$ 20, a Wyze licenciou o hardware da câmera de uma empresa chinesa e depois criou seu próprio software. Também cortou quase todos os intermediários, entre eles a maioria dos varejistas.
E está bancando um sucesso de longo prazo. Apesar de a empresa estar apenas atingindo um ponto de equilíbrio com sua primeira câmera, seus fundadores acreditam que os equipamentos domésticos conectados à internet são uma categoria em crescimento. Eles planejam estabelecer uma marca confiável com a primeira câmera, depois lançar uma sucessão de produtos que querem vender em grande quantidade a preços baixos.
‘ Cópias chinesas’ ganham a preferência no site da Amazon
Mas como estabelecer uma marca on-line? É aí que entra, pela segunda vez, a Amazon.
Apesar de terem esnobado todos os outros varejistas, os fundadores do Wyze reconheceram que precisavam da Amazon para ajudá-los a estabelecer uma presença instantânea ao lado das grandes marcas. Os rankings e avaliações dos clientes na Amazon se tornaram o fator mais importante do modo no qual os clientes compram eletrônicos; como as páginas do gigante de vendas em geral surgem no topo de pesquisas de mecanismos de busca como o Google, uma classificação positiva no site pode efetivamente fazer uma marca – e uma negativa é capaz de acabar com ela.
"Por isso tivemos que vender na Amazon. Você não pode ignorá-la", diz Yun Zhang, executivo-chefe da Wyze.
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A Wyze é hoje uma das dezenas de empresas que dependem da Amazon para criar marcas on-line. Há a Anker, que vende acessórios bem avaliados para eletrônicos a preços baixos. Há a Yi, que, entre outras coisas, faz câmeras de movimento que rivalizam com a GoPro.
E existe a RAVPower, a TaoTronics e a VAVA, três marcas de eletrônicos pertencentes à empresa chinesa Sunvalley Group. A Sunvalley afirma que vai ultrapassar os US$ 300 milhões em vendas este ano, com cerca de 90% vindos da Amazon.
Pouco tempo atrás, você poderia ter dispensado empresas como essa por serem "cópias chinesas". Afinal, como a Wyze, a maioria usa peças básicas e a eficiência da fabricação global para criar versões mais baratas de produtos relativamente simples.
As cópias, no entanto, têm má reputação porque sua qualidade é indeterminada. Mesmo que esteja com um preço bom, quem quer arriscar comprar um carregador de smartphone portátil sem marca que pode explodir na sua cara?
Allen Fung, gerente geral da divisão norte-americana da Sunvalley, afirma que a Amazon é a única loja que encoraja os preços baixos enquanto penaliza fortemente empresas que fazem produtos de má qualidade.
"Não é um nivelamento por baixo. Os vendedores são forçados a criar produtos melhores a preços mais baixos e os que não conseguem são eliminados", explica Fung.
Recentemente, Fung passou algumas horas mostrando como gerencia as marcas de sua empresa na Amazon. Para ganhar em uma categoria de produtos – carregadores portáteis, por exemplo, ou luzes noturnas para o quarto das crianças –, a empresa monitora o feedback dos clientes de maneira obsessiva, incluindo a taxa em que os produtos são devolvidos.
A Sunvalley até colocou uma equipe de agentes de atendimento ao cliente para responder às reclamações. Também contratou designers industriais para melhorar a aparência de seus equipamentos – o que ajuda a fazer com que se destaquem de outros equipamentos básicos na página de resultados da Amazon. A Sunvalley também gasta bastante em anúncios na Amazon (os que aparecem nos resultados como "patrocinados" na página de busca do site), e algumas vezes vende produtos com prejuízo nas promoções diárias ou sazonais, para conseguir um impulso que faça todos os seus produtos à venda no site subirem no ranking de busca.
O medo pela ascensão da Amazon
Todos esses investimentos são caros e demorados, e a competição na Amazon é intensa. Fung diz que as margens brutas da Sunvalley estão abaixo dos 25%, o que é bastante baixo para eletrônicos de consumo. "É muito difícil. Há um processo real de seleção natural ali", explica ele.
Esse processo não vai afetar apenas o negócio de eletrônicos para o consumidor. Fung diz que sua equipe em geral vê a Amazon como um tipo de mapa do mercado – eles procuram categorias dominadas por itens caros de marcas conhecidas, e tentam criar versões melhores e mais baratas. A Sunvalley já se expandiu para eletrodomésticos, como luminárias e umidificadores, e também para o ramo dos cosméticos.
A Amazon, que cobra uma taxa para que as empresas terceirizadas vendam em suas plataformas, não é passiva nessa tendência. A empresa vem há tempos encorajando os negócios a se instalar em seu site. Ela afirma que metade dos produtos vem de pequenos negócios, e que, em 2016, mais de 100 mil empresas superaram os US$ 100 mil em vendas por meio de seu sistema. Eles também começaram um programa de empréstimos para permitir que esses negócios cresçam. No ano passado, os empréstimos ultrapassaram os US$ 3 bilhões.
"À medida que isso decola, você começa a questionar o que é uma marca na era da Amazon", diz Scot Wingo, presidente executivo da firma de consultoria de comércio eletrônico ChannelAdvisor.
É uma pergunta intrigante que suscita medo pela ascensão da Amazon. Apesar de o crescimento de marcas de alta qualidade e preços baixos na Amazon parecer bom para os clientes, a tendência produz perdas econômicas.
A preocupação clássica sobre a Amazon é que ela tira os lojistas do negócio. Hoje, a mais nova preocupação é que, ao expor marcas globais à dura realidade de competidores que vendem a preços mais baixos, ela pode tirá-los do mercado também. Wingo diz que marcas globais em várias categorias – eletrônicos, vestuário, produtos para casa – regularmente contatam sua empresa em busca de um modo de competir com os rivais mais em conta da Amazon.
Wingo avisa que não há uma solução fácil. "Existe essa erosão sobre o que significa ser uma marca de produtos de consumo tradicional. De certa forma, a Amazon está fornecendo toda essa informação que substitui o que você geralmente obteria de uma marca, como reputação e confiança. A Amazon está se tornando algo como uma marca guarda-chuva, a única que importa."