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Como a Renner venceu a disputa com a C&A e virou a maior varejista de moda do Brasil

Fachada da loja  da Renner de Montevidéu, no Uruguai | Fábio Brum/Divulgação
Fachada da loja da Renner de Montevidéu, no Uruguai (Foto: Fábio Brum/Divulgação)

Em um período de pouco mais de duas décadas, a Lojas Renner passou de uma rede varejista gaúcha com oito lojas, cerca de 800 funcionários e ameaçada pela C&A para ser a maior empresa do setor de vestuário do país, superando, inclusive, a sua rival europeia. A companhia é a maior varejista de moda do Brasil em faturamento e market share (participação de mercado), tendo ultrapassado a C&A nesse último quesito em 2015 e mantido a liderança desde então. Ela tem 512 lojas em operação das suas três marcas em todo o país e no exterior e emprega mais de 19 mil pessoas. Seu valor de mercado já bateu a casa dos bilhões de reais, alcançado R$ 24,7 bilhões na terça-feira (27).

Só que para chegar a esse patamar, a empresa passou por três grandes ciclos de transformação desde a sua fundação, em 1965, quando o grupo criado por Antônio Jacob Renner decidiu transformar a rede gaúcha de lojas de departamento, com foco no vestuário, em uma empresa separada, chamando o empreendimento de Lojas Renner. E as principais mudanças foram guiadas pelo executivo gaúcho José Galló, o maior responsável por transformar a Renner em uma gigante do setor de vestuário.

O grande salto: profissionalização da gestão

No livro “O poder do encantamento”, publicado pela editora Planeta Estratégia, Galló conta como foi essa trajetória. O primeiro grande ciclo de transformação da empresa aconteceu quando a família Renner, controladora do negócio, resolveu profissionalizar a gestão e convidar um executivo com experiência no varejo para criar um plano estratégico e comandar o negócio. Na época, eram poucas as varejistas com gestão profissional.

Galló, formado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e com passagem pela Imcosul, uma das principais cadeiras de varejo do Rio Grande do Sul, aceitou o desafio em 1991. Ele encontrou uma rede de vestuário com uma marca muito forte no estado gaúcho, mas que começava a passar por dificuldades.

O ponto forte da Renner durante anos foi vender coleções de grifes estrangeiras, focando no público de maior poder aquisitivo. O que os controladores não previram foi a chamada década perdida, período nos anos 1980 em que o Brasil viveu anos de endividamento e estagnação econômica. O público da Renner já não tinha mais o mesmo poder de compra que antes e os 30% de royalties pagos às marcas de grifes para vender suas roupas no país começaram a pesar para a rede gaúcha.

As Lojas Renner acumularam prejuízo durante o período e perderam bastante patrimônio. A família controladora decidiu, então, renovar a companhia chamando Galló para reposicionar o negócio no mercado. O executivo percebeu que o maior problema da Renner, na época, era o mix de produtos. A rede chegou a vender até pote de mel em suas lojas, em uma tentativa desesperada para sair da crise. Havia, ainda, a concorrência da C&A, que abocanhava o público da Renner ao vender moda a um preço mais acessível.

A varejista começou, então, a substituir as grifes internacionais por marcas similares nacionais para se livrar do pagamento de royalties de 30% e a vender moda, não apenas roupa. Outra mudança importante foi focar na consumidora mulher das classes A-, B e C+ que, aos poucos, começava a ganhar mais espaço no mercado de trabalho e que era (ainda é) a maior responsável pela decisão de compra de uma família. O artigo que acompanha o nome da companhia também mudou: de “o” Renner, a empresa passou a ser chamada de “a” Renner.

Todo esse reposicionamento do mix de produto, dos preços e do público-alvo aconteceu em 1992, logo depois da entrada de Galló. No ano seguinte, eles mudaram as oitos lojas da rede, que eram velhas e não tinham padronização. Mudaram, também, a distribuição dos produtos. Se antes os itens eram separados por tipos, como “ala das calças” e “ala das blusas”, passaram a ser distribuídos por segmento (jovem, casual, etc.).

Em 1994, terminaram esse ciclo de reposicionamento investindo em propaganda e comunicação para mostrar essa nova Renner para as clientes. Criaram dentro da organização a cultura do “encantamento”, que significa entregar mais do que o cliente espera, ou seja, deixá-lo encantado. Eles implantaram, por exemplo, os “encantômetros” nas lojas, ou seja, fichas que eram preenchidas pelos consumidores para medir o nível de satisfação.

Tudo isso feito em paralelo a uma política de austeridade. Galló conta no livro que, desde o primeiro dia na sede da empresa, em Porto Alegre, subia os três andares até a sua sala de escada. Logo depois, esse hábito virou rotina entre os funcionários da empresa. Hospedagens em hotéis eram as mesmas para qualquer funcionário da empresa.

Disputa com C&A

Tudo isso fez a Renner voltar a se destacar no mercado e a incomodar a C&A, rede que inspirou a transformação da companhia brasileira e que agora via a gaúcha como uma ameaça no Rio Grande do Sul. Onde uma abria loja, a outra abria na frente. Uma fazia promoção, a outra copiava. O ápice da disputa das concorrentes aconteceu no fim de 1995.

Na época, a Renner lançou uma promoção para as clientes anteciparem sua compra para novembro e só pagarem a primeira parcela em janeiro. No dia seguinte, a C&A anunciou a mesma promoção no Rio Grande do Sul, em anúncio de uma página no jornal “Zera Hora”, com a possibilidade ainda de o valor ser parcelado em cinco vezes, sem juros e sem acréscimo.

A Renner respondeu com um anúncio nos jornais “Folha de São Paulo” e “Estadão”: “ Na C&A você compra em cinco vezes, sem entrada e sem acréscimo, com o primeiro pagamento em sessenta dias. A má notícia é que a condição é válida só para Porto Alegre”. A peça publicitária terminava dizendo: “Lojas Renner, você ainda vai ser nosso cliente”. A Renner estava somente no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, mas já dava o seu primeiro passo a expansão nacional.

Expansão nacional e novo dono

A família controladora, que já tinha profissionalizado a gestão, vendeu a Renner para a Penny, uma das maiores redes de departamento dos Estados Unidos, em 1998. A Renner virou uma subisidiária da Penny, mas toda a gestão e as lojas foram mantidas. Os americanos, inclusive, impulsionaram a expansão nacional da marca, que teve o capital necessário, cerca de 80 a 100 milhões de dólares, para passar de 20 lojas no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina para 80 no Brasil, em especial no Sudeste. Em um ano e meio, por exemplo, fizeram o que nunca tinha acontecido antes, abrir 28 lojas de uma só vez nesse período.

Essa expansão foi através de lojas próprias e da compra de algumas unidades das varejistas Mappin e Mesbla, que passavam por dificuldades financeiras. Eles compraram 19 lojas Mesbla que ficavam da Bahia para baixo e nove pontos de venda da massa falida da Mappin. Com isso, conseguiram entrar em pontos estratégicos, como shoppings centers.

Além do dinheiro para impulsionar a expansão nacional, a grande vantagem da entrada dos americanos, conta Galló no livro, foi que eles mantiveram a gestão, inclusive o executivo gaúcho, a essência, a política de austeridade, o valor do encantamento e a estratégia da marca. Mexeram, apenas, na parte operacional, evoluindo a gestão de processos e controles administrativos e implantando novas tecnologias e auditorias nas lojas.

Com isso, transformaram a Renner em uma das maiores varejistas do país, dando fim ao segundo ciclo de transformação do negócio.

Renner, sem controlador, com muitos donos

A terceira etapa de transformação aconteceu quando a Penny resolveu sair do Brasil. Ele ofereceram a Renner a Galló, por US$ 250 milhões, mas o executivo não aceitou o valor. A sua maior concorrente, a C&A, demonstrou interesse em comprar a rede que tanto a incomodava. “Como eu poderia explicar isso a minha equipe, se vier a ocorrer?”, questionou Galló a Mike Ullman, presidente do grupo americano. “Você tem razão, não podemos deixar isso acontecer. Vamos preservar a Renner”, disse Ullman.

Em 2005, a Renner, que já era uma companhia aberta desde a década de 1960, virou uma empresa de capital pulverizado, ou seja, sem um controlador ou grupo de controladores. Os americanos se desfizeram da sua participação de 98% no negócio vendendo todos os papéis na Bolsa. A Renner deixou de ter uma família controladora e, depois, um dono americano para ser comandada por todos os acionistas, que são representados no Conselho de Administração.

Com isso, relata Galló, ganharam agilidade na gestão e na implantação de processos. Entraram no Nordeste e no Norte, implantaram um ritmo de 15 a 20 novas lojas por ano, apostaram no conceito de moda lifestyle (de acordo com o estilo de vida) e, depois, no fast retailers, oferecendo lojas menores, com menos opções, mas com maior frequência de coleções (até oito por ano) e marcas próprias.

Compraram, ainda, a Camicado para voltar ao segmento de cama, mesa e banho e lançaram a marca jovem YouCom. Mais recentemente, lançaram, ainda, o e-commerce e digitalizaram o negócio. No ano passado, deram início à expansão internacional, abrindo as primeiras lojas no Uruguai.

“Poderia ter sido um belo epílogo para uma história repleta de situações de encantamento. Não para as Lojas Renner, a empresa que tem em seu DNA a vocação para reinventar-se constantemente”, diz Galló no livro. Resta aguardar os próximos ciclos de transformação dessa história.

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