Após a eleição do ano passado, o Facebook foi castigado por seu papel na propagação das desinformações – ou “notícias falsas”, como a chamávamos na época, antes de o termo começar a ser aplicado a qualquer notícia da qual você não goste. A crítica procedia: o Facebook é a rede social mais popular do mundo, e milhões de pessoas buscam nele suas notícias diárias.
Porém, o foco no Facebook deixou outra rede social de lado. Estou falando do meu vício diário, o Twitter.
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Embora a rede dos posts de 140 caracteres, a preferida do presidente norte-americano Donald Trump, seja bem menor que o Facebook, é muito usada pelo pessoal da mídia, exercendo assim uma influência talvez ainda maior sobre o mundo das notícias.
Esse é um dos problemas pelos quais o Twitter está deixando a mídia mais burra: o serviço é fechado e grupal. Exacerba o pensamento de um grupo. Prioriza gracejos em detrimento de um debate mais profundo, e tende a destacar bobagens, não a seriedade – recentemente, foram inúmeras horas desperdiçadas com “covfefe”, essencialmente um bafafá sobre um erro de digitação.
Mas o maior problema com a posição do Twitter na mídia é seu papel na produção e divulgação de propaganda e desinformação. Ele continua espalhando teorias da conspiração – e, porque muitas pessoas nos meios de comunicação não entendem muito bem como ele funciona, para não mencionar muitos consumidores de notícias, o mecanismo merece ser analisado.
Recentemente, vimos esse processo em ação quando outra teoria da conspiração sem fundamento chegou ao topo dos noticiários: a ideia de que o assassinato de Seth Rich, membro do Comitê Nacional Democrata, no ano passado estava relacionado, de alguma forma, com o vazamento dos e-mails de campanha de Hillary Clinton. O apresentador da Fox News Sean Hannity se dedicou com afinco a espalhar a teoria, mas foram grupos no Twitter – ou, mais especificamente, os bots no Twitter – que começaram com a história e ajudaram a ganhar espaço.
Veja como isso aconteceu.
As entranhas da mídia
Uma maneira de pensar no ecossistema de desinformação de hoje é imaginá-lo como uma espécie de sistema digestivo.
Na extremidade superior – vamos chamá-la de boca – entram as matérias primas da propaganda: os memes gerados por quem quer manipular o que a mídia cobre, sejam campanhas políticas, grupos terroristas, trolls patrocinados pelo Estado ou provocadores que fazem parte de comunidades on-line extremistas.
Então, em seu trajeto ao que educadamente chamaremos “extremo oposto”, emergem narrativas fechadas preparadas para a ampla divulgação, para você e todos seus conhecidos. Esses são os fatos quentes que dominam o rádio e os noticiários do horário nobre, além dos posts virais no Facebook avisando sobre este ou aquele último ultraje cometido por Hillary Clinton.
Como as matérias primas se transformam nas narrativas culturais e teorias da conspiração? O caminho é variado e flexível e muitas vezes se espalha por múltiplas plataformas de mídia. Mesmo assim, em muitas das maiores campanhas de desinformação do ano passado, o Twitter desempenhou um papel fundamental.
Mais especificamente, muitas vezes ele funciona como o intestino das notícias digitais; é ali que as mensagens e as desinformações políticas são digeridas, embaladas e coletadas para a distribuição em massa via cabo, Facebook e o resto do mundo.
Esse papel do Twitter parece ter se intensificado durante (e desde) a campanha de 2016. Essa rede social agora funciona como um clube de grande parte das notícias. É lá que os jornalistas buscam histórias, conhecem fontes, promovem seu trabalho ou criticam o trabalho e o veículo dos concorrentes. De maneira mais sutil, o Twitter se tornou um lugar onde muitos jornalistas inconscientemente constroem e checam uma visão de mundo – onde desenvolvem um senso do que é importante e do que merece cobertura ou não.
Isso faz dele o principal alvo dos manipuladores: se você pode postar algo grande no Twitter, a cobertura está quase garantida em todos os lugares.
O Twitter está cheio de falsos usuários
Para manipuladores de determinados meios de comunicação, divulgar algo grande no Twitter não é muito difícil. Ao contrário do Facebook, que exige que as pessoas usem seus nomes verdadeiros, ele essencialmente oferece aos usuários o anonimato completo, e disponibiliza o acesso a muitas de suas funções a programadores externos, permitindo a automatização de suas ações no serviço.
Como resultado, numerosas ferramentas on-line baratas e fáceis de usar permitem a rápida criação de milhares de bots no Twitter – contas que parecem reais, mas que são controladas por alguém com intenções variadas.
O modo de funcionamento do Twitter também promove uma devoção servil à métrica: cada tuíte vem com um contador de curtidas e retuítes, e o usuário acaba internalizando essas métricas como substitutas da popularidade no mundo real.
Porém, essas métricas podem ser adulteradas. Um único usuário do Twitter pode criar várias contas e utilizá-las de forma coordenada, por isso a rede social permite que grupos relativamente pequenos se façam passar por grandes. Se o principal perigo do Facebook é a sua divulgação de histórias falsas, então o do Twitter é a reunião de pessoas falsas.
“Os bots permitem que grupos se destaquem mais do que conseguiriam em qualquer outra plataforma da mídia social; eles transformam essa rede em um megafone. Ela está fazendo algo que eu chamo de ‘consenso de fabricação’, ou a criação da ilusão de popularidade de um candidato ou de uma determinada ideia”, disse Samuel Woolley, diretor de pesquisa do Projeto de Propaganda Computacional da Universidade de Oxford.
O modo em que isso funciona para teorias da conspiração é relativamente simples: fora do Twitter, em fóruns ou grupos do Facebook, um grupo decide espalhar uma determinada mensagem. Aí, começa o dilúvio. Os bots inundam a rede, tuitando e retuitando milhares ou centenas de milhares de mensagens que apoiam a história, muitas vezes acompanhadas de uma hashtag padronizada.
O objetivo inicial não é convencer ou persuadir, mas simplesmente sobrecarregar – saturar tão completamente a rede para que pareça que as pessoas estão falando sobre uma história específica. O prêmio maior é conseguir chegar à lista de Trending Topics, ou os tópicos que estão bombando, frequentemente utilizada como uma espécie de roteiro para o resto da internet.
Isso pode arruinar a democracia
Um porta-voz do Twitter disse que a empresa leva os bots a sério; tem uma equipe dedicada à detecção de spam, que cuida da manipulação feita com eles, e está constantemente melhorando suas ferramentas para identificá-los e eliminá-los.
Além disso, porque a mídia é grande e caótica, muitas vezes não fica claro qual é exatamente o papel dos bots na criação de interesse em uma história. Teorias da conspiração já eram grandes muito antes do surgimento do Twitter.
No entanto, quanto mais falo com os especialistas, mais convencido fico de que esses bots podem ser um flagelo cada vez mais assustador para a democracia. Um estudo sugere que são onipresentes no Twitter. Emilio Ferrara e Alessandro Bessi, pesquisadores da Universidade do Sul da Califórnia, descobriram que cerca de um quinto dos posts eleitorais no Twitter no ano passado foi gerado por eles. A maioria dos usuários não sabia disso; tratavam-nos da mesma forma que tratavam outros usuários.
Por fim, de uma forma mais perniciosa, os bots nos proporcionam uma maneira de duvidar de tudo que vemos on-line. Da mesma forma que a ascensão das “notícias falsas” deu uma espécie de validação ao presidente para rotular tudo dessa maneira, a ascensão dos bots pode em breve nos fazer descartar qualquer entusiasmo on-line como algo impulsionado pela automação. Qualquer usuário que você não goste pode ser um bot; qualquer post amplamente retuitado poderia ser acusado de usar bots.
“Se você pode fazer algo virar uma tendência, quase consegue transformá-lo em realidade”, disse Renee DiResta, tecnóloga que estuda os bots.
E se esse for o caso, por que acreditaríamos em alguma coisa?
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