Não tem sido um ano fácil para a Uber. Uma série de escândalos, que culminou no afastamento por tempo indeterminado de Travis Kalanick, cofundador e, até então, CEO da empresa, colocam em xeque o futuro da empresa, a mais valiosa do planeta entre as que não abrem capital.
Em fevereiro, a engenheira Susan Fowler publicou um texto explosivo em seu blog, denunciando tentativas de assédio sofridas de superiores no período em que trabalhou na Uber, de novembro de 2015 até janeiro deste ano. Ela alegou que, ao levar os casos para o setor de recursos humanos da empresa, nada era feito, e que havia um esforço para minimizar os episódios e induzir as vítimas a pensarem que os seus eram casos isolados.
Com a repercussão negativa, Kalanick convocou o escritório de advocacia de Eric Holder, ex-procurador-geral dos Estados Unidos, na administração de Barack Obama, para conduzir uma investigação independente e apresentar recomendações para melhorar o ambiente da Uber e a cultura da empresa, acusada de ser machista e tóxica para os funcionários.
O resultado saiu essa semana, coincidindo com a saída de Kalanick por tempo indeterminado do posto mais alto da Uber – além de afastar-se dos holofotes, em nota ele alegou que outra forte motivação foi o falecimento da sua mãe, no final de maio, em um acidente de barco.
Recomendações curiosas
As 13 páginas do relatório de Holder trazem 47 recomendações que, por tabela, ajudam a dar uma ideia da cultura corporativa da Uber.
Uma das mais curiosas é a recomendação para que se proíba o consumo de bebidas alcoólicas durante o expediente e, no caso de “substâncias controladas sem receita médica”, também em eventos organizados ou patrocinados pela Uber.
O relatório diz, especificamente, que “a Uber deve encorajar o consumo de bebidas consciente, o que inclui limitar a quantidade de álcool que é disponibilizada no escritório, reduzir a ênfase do álcool como um componente de eventos profissionais e, independentemente disso, tomar medidas apropriadas para disciplinar e corrigir condutas inapropriadas de funcionários potencializadas pelo consumo de álcool.”
Em outro trecho, o relatório diz que a Uber deve desenvolver diretrizes claras a respeito de relacionamentos no ambiente de trabalho. O relatório concede que “embora não seja realista proibir todas as relações românticas e íntimas no ambiente de trabalho, deve-se enfatizar de maneira mais geral que, a respeito desses relacionamentos, a Uber não tolerará qualquer forma de assédio, discriminação ou retaliação.”
O trecho pode ter a ver com um e-mail de Kalanick vazado recentemente, enviado a todos os funcionários da Uber em 2013, com orientações para uma festa da empresa em Miami. Nele, o então CEO dizia que relações sexuais entre funcionários da mesma cadeia de comando eram proibidas. Para outras situações, escreveu, sexo com colegas de trabalho só era permitido se “você pediu a essa pessoa por esse privilégio e ela respondeu com um enfático ‘SIM! Eu transarei com você.’”
O relatório ainda traz outras recomendações no sentido de aumentar a diversidade entre os funcionários e executivos contratados, flexibilizar a jornada a fim de permitir o trabalho remoto e tirar poder do CEO, dividindo-o com o conselho. O documento de 13 páginas, em inglês, pode ser lido na íntegra nesta página.
Piada machista
Ontem (13), em uma reunião com todos os membros do conselho para debater a saída do CEO Travis Kalanick do comando da empresa, David Bonderman, sócio-fundador da empresa de investimentos TPG Capital e, até então, membro do conselho da Uber, fez uma piada machista de mau gosto.
Ariana Huffington, fundadora do Huffington Post e também membro do conselho, anunciava a entrada de outra mulher, Wan Ling Martello. Ela, então, disse: “Há muitos dados que mostram que quando há uma mulher no conselho, é muito mais provável que uma segunda mulher entre.”
Bonderman respondeu que “na verdade, o que os dados mostram é que é muito mais provável que teremos mais falação.”
Horas mais tarde, ante a repercussão negativa, Bonderman se desculpou através de um comunicado, dizendo que seu comentário fora “inapropriado” e “desrespeitoso”, e anunciou sua saída do conselho. “Tenho que me adequar aos mesmos padrões que estamos pedindo que a Uber adote”, justificou.