Um dia me dei conta de que estava usando muita coisa do Google. Do e-mail às buscas na web, passando pelo sistema do meu celular, armazenamento de fotos, lista de contatos e central de vídeos, era uma vida digital “googlecêntrica”. Desconfortável com a constatação, pareceu-me uma boa ideia reduzir essa dependência.
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No Brasil, o Google é o líder absoluto em áreas que as pessoas usam com muita frequência, várias vezes ao dia. Segundo o StatCounter, o buscador web da empresa é usado por 96,85% dos brasileiros e o Chrome, o navegador web preferido de 77,1% de nós. O Android, sistema operacional móvel do Google, estava presente em 92,1% dos smartphones comprados no país em abril, de acordo com a Kantar. Nesse cenário de domínio, é possível ter uma vida livre do Google?
Sim. E não é tão difícil quanto parece, desde que você esteja disposto a encarar algumas curvas de adaptação, a abrir a carteira – mas só um pouquinho – e a tolerar o fato de que um rompimento completo talvez esteja fora de cogitação.
O Google é uma empresa fantástica e oferece produtos e serviços sensacionais, porém são poucos os realmente insubstituíveis para o usuário doméstico. No meu experimento, que depois acabei incorporando ao meu dia a dia, só foi impossível trocar o YouTube e, parcialmente, o buscador web. O YouTube pelo conteúdo que tem, inacessível em qualquer outro lugar; o buscador do Google pela qualidade, ainda incomparável.
Ainda assim, migrei o buscador padrão no computador e celular para o DuckDuckGo. Feito por uma pequena empresa norte-americana que se posiciona como a antítese do Google, o DuckDuckGo não direciona publicidade com base em perfis dos usuários. Ele sequer tem perfis, já que não guarda nem analisa os dados deles, e mesmo assim funciona bem na maior parte do tempo. Quando falha, evento relativamente raro, o Google é acionado com um atalho simples do próprio DuckDuckGo – basta digitar o termo e acrescentar “!g” que sou levado automaticamente a uma pesquisa protegida no Google.
Com os demais serviços e produtos, a mudança foi total e mais tranquila.
Abrindo a carteira
Em outros serviços, vi que a concorrência é tão boa quanto. Por vezes, melhor. Algumas indústrias foram chacoalhadas pela entrada do Google e tal mudança parece ter criado uma blindagem de que nada seria equiparável às ofertas da empresa. Blindagem, na maioria dos casos, ilusória. A qualidade superior que o Gmail tinha em 2004 está bem distribuída hoje e não é mais uma exclusividade.
O Fastmail, serviço de e-mail australiano que precede o próprio Gmail, não fica devendo nada ao rival mais famoso. Custa US$ 5 por mês e, além do e-mail com espaço suficiente para meu uso, tem agenda de compromissos, contatos e até um espaço para hospedar sites. Acabei colocando o meu site pessoal ali, o que diluiu ainda mais o custo da já baixa mensalidade.
O Google lança mão da gratuidade porque consegue extrair valor dos dados que coleta dos seus usuários. É uma relação multifacetada, pois ao mesmo tempo em que essa coleta faz o faturamento da empresa através da publicidade direcionada, ele revela à empresa os segredos mais profundos das pessoas. Além disso, o processamento de quantidades inimagináveis de dados pessoais também melhora continuamente os serviços e produtos do Google.
Há quem se sinta incomodado, por mais incríveis e cômodos que esses serviços sejam. É o meu caso, e é justificado: somos mais honestos com uma caixa de busca do que com parentes, amigos íntimos e até o cônjuge. O Google diz que os dados são “anonimizados” e que seres humanos não leem esse conteúdo, mas não deixa de ser desconfortável saber que, em algum servidor na Califórnia, está guardado um perfil detalhado e extremamente preciso de você.
Para quem tem essa postura mais preocupada, gastar com alternativas ao Google acaba sendo um bom negócio, um valor baixo pela tranquilidade que se recebe em troca. É, também, única forma de se ter duas garantias imprescindíveis: a prosperidade das empresas fornecedoras, que não falirão por falta de recursos financeiros, e a própria privacidade, já que com esse fluxo de caixa bancado diretamente pelo cliente, o modelo de negócio dessas empresas não depende de violá-la para faturar.
A alternativa Apple
No caso do e-mail, é algo que não pesa tanto no bolso. Quando chegamos ao celular, a situação complica. A única alternativa viável ao Android em sistemas para celulares é o iOS, da Apple, que só funciona no iPhone. E o iPhone mais barato não sai por menos de R$ 2 mil, enquanto o Android está em aparelhos de até R$ 400.
A barreira inicial para ingressar no ecossistema da Apple esconde uma série de vantagens menos óbvias que o usuário descobre ao transpô-la. O iCloud, que hospeda fotos, backups, dados de apps, anotações, listas de tarefas, além de servir de “cola” para os equipamentos da Apple através da Internet, substitui muita do Google, por exemplo.
O Safari, navegador da Apple, é tão rápido quanto o Chrome, mas mais leve, consome menos bateria do notebook e conta com recursos de proteção da privacidade como bloqueador de anúncios e, no vindouro macOS High Sierra, atualização prevista para setembro, um mecanismo que impede que anúncios de produtos te persigam pela web.
O Google passou de guia da minha experiência online para um passageiro bem eventual. No computador e no celular não tenho mais os apps instalados e faço login só quando é necessário, o que é raro. Mas o YouTube, com seu conteúdo rico, variado e único, encontrou um novo vetor para me manter ligado ao Google: a TV. Pode-se até reduzir a dependência do Google, mas romper totalmente, mesmo com esforço e boa intenção, é quase impossível. No fim, não há escapatória.
Outras alternativas
Mapas
O Google Maps é muito eficiente e era um temor acabar não encontrando uma alternativa à altura. Encontrei no HERE, serviço que já foi da Nokia e, hoje, é de um consórcio de montadoras automotivas alemãs. Nem sempre as rotas são as melhores nos horários de pico, mas ele é competente o bastante – especialmente em grandes cidades. No celular, os links são estes: Android, iOS.
Fotos
O Google Fotos é uma das melhores coisas lançadas pelo Google nos últimos anos. E ainda é gratuito! Em seu lugar, porém, adotei o Apple Fotos com armazenamento expandido do iCloud. Os apps oferecem um gerenciamento básico e o espaço, alugado por US$ 1 ao mês, é suficiente para guardar todas com uma boa sobra para fotos e vídeos futuros. Outra alternativa é o Flickr, gratuito e com bons apps móveis.
Navegador web
Além do Safari, o Firefox, da Fundação Mozilla, é outra boa alternativa. É o navegador que uso na maior parte do tempo, já que na redação da Gazeta do Povo temos computadores com Windows, onde o Safari não está disponível. O navegador tem melhorado notavelmente nos últimos meses graças a mudanças internas feitas pela equipe de desenvolvimento da Mozilla.