O Twitter enfrenta um grave problema, há anos, referente a abusos sofridos por usuários da plataforma. Embora existam regras pré-definidas que proíbam discurso de ódio, ameaças e táticas comumente usadas para esses fins, o serviço é lento e ineficaz ao lidar com denúncias do tipo. E, ainda assim, as poucas medidas enérgicas tomadas contra extremistas foram suficientes para dar origem a um concorrente antagonista, o Gab.
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O Gab é como o Twitter de um universo paralelo, pautado por uma ideia meio torta de “liberdade de expressão” praticamente sem limites. Os termos de uso do serviço são sucintos e proíbem apenas algumas práticas, como ameaças diretas a outros usuários, terrorismo, pedofilia e “doxxing” (vazamento de informações pessoais de outros usuários), além de listar algumas restrições técnicas como uso de múltiplas contas e spam.
Criado por Andrew Torba, um engenheiro de software do Vale do Silício banido do Twitter, o Gab se posiciona cada vez mais radicalmente como um lugar livre da suposta repressão de redes sociais que, segundo seu criador, têm uma inclinação à esquerda e são hostis com conservadores, casos da que o inspirou (Twitter) e do Facebook.
Além de Torba, outros conhecidos da extrema direita norte-americana, como Milo Yiannopoulos (ex-editor do Breitbart e acusado de racismo contra uma atriz negra da refilmagem de Caça-Fantasmas), Richard Spencer (supremacista branco presidente do think tank National Policy Institute e um dos que cunharam o termo “alt-right”), Andrey Anglin (fundador do Daily Stormer, site neonazista banido do Google) e Andrew "Weev" Auernheimer (acusado de hackear impressoras de universidades norte-americanas e fazê-las imprimir flyers com mensagens racistas). Todos banidos do Twitter por violar os termos de uso.
Em outubro de 2016, tive acesso ao Gab. (Na época, o acesso só era permitido mediante convite.) O material que vi na época e que ainda dá o tom da aba de publicações mais populares gira em torno de denúncias de repressão contra o Twitter, posts preconceituosos e um ar denso de teorias da conspiração.
Meios de faturamento
Estabelecer-se não tem sido tarefa fácil para o Gab. O tipo de conteúdo que ele permite costuma violar plataformas de publicidade, o meio mais comum de financiamento. Para contornar isso, Torba aposta em outras frentes: funções pagas, venda de produtos com a marca do serviço e financiamento coletivo, a boa e velha vaquinha.
A campanha de financiamento coletivo, iniciada a menos de um mês, bateu a meta estipulada de levantar US$ 1,07 milhão na última quinta (17), faltando mais de 20 dias para o encerramento da campanha. Por questões legais, a partir de agora o valor mínimo para doações começa em US$ 200. O “tier” mais elevado, de US$ 50 mil ou mais, dá direito a um desconto de 10% na aquisição de ações do Gab e a oportunidade de encontrar, pessoalmente, a equipe do site.
Ao celebrar o sucesso da campanha, o perfil oficial do Gab no Twitter publicou: “1 milhão de dólares levantado pelas PESSOAS para tornar o discurso livre novamente e dizer DANE-SE ao lixo elitista do Vale do Silício”. Em seguida, citando esse último tweet, declarou “é guerra”.
A outra frente de faturamento do Gab é a conta Pro. Por US$ 5,99 ao mês, o usuário pode criar listas, ter informações especiais das categorias e do que outros usuários estão postando, salvar posts e criar grupos de bate-papo privados. Eles também ganham um selo de verificado e, em breve, poderão veicular vídeos ao vivo através do GabTV, a plataforma de vídeos do serviço. Segundo Torba, as assinaturas “dispararam” nos últimos dias.
Expulsão dos smartphones
Desde o início do Gab, um dos pedidos mais frequentes dos usuários era um app móvel, para facilitar o uso da rede em celulares. Ele chegou, porém baixa-lo ficou mais difícil depois que o Google baniu o app da loja de apps do Android.
Segundo o próprio Gab, a alegação do Google foi de que o app promove o discurso de ódio. Em comunicado ao site norte-americano Ars Technica, um porta-voz do Google explicou que “para estar na Play Store, apps de redes sociais precisam demonstrar um nível suficiente de moderação, inclusive para conteúdo que encoraja a violência e advoga o ódio contra grupos de pessoas. (…) Esta é uma regra antiga e bem clara nas nossas políticas para desenvolvedores”.
No iPhone, o Gab jamais conseguiu ser listado na App Store, a loja da Apple e único caminho oficial para um app ser instalado nos aparelhos que rodam o iOS. O Gab foi rejeitado duas vezes pela Apple, na primeira por permitir a publicação de pornografia (as regras da App Store são bastante rígidas contra esse tipo de conteúdo) e, na segunda, por conter material “difamatório ou cruel”.
A única forma de usar o app do Gab para Android é fazendo o download do instalador a partir do site oficial e instalando ele à parte, por fora da Play Store. É preciso reconfigurar o sistema para permitir esse meio de instalação que, por padrão, vem desativado por questões de segurança.
O futuro do Gab
Torba garante que “qualquer um é bem-vindo para se expressar no Gab”. A campanha de arrecadação de fundos abre com um texto inspirador nesse sentido: “Gab é uma rede social livre de anúncios para criadores que acreditam na liberdade de expressão, liberdade individual e fluxo livre de informações online”.
Há demanda por algo como o Gab, como se nota pelo seu sucesso — 225 mil usuários que publicam em média 1,2 milhão de posts por mês. E algumas críticas, como a do oligopólio formado pelas grandes empresas do Vale do Silício, são válidas. Na prática, o serviço antagoniza outras redes com termos de uso restritivos para discurso de ódio e funciona como um refúgio para banidos do Twitter e extremistas de direita.
Para o futuro próximo, o Gab pretende lançar uma oferta inicial de moeda digital (ICO, na sigla em inglês). Mesmo numa posição difícil, em guerra contra as maiores empresas do planeta e com uma missão, no mínimo, questionável, Torba e os exilados do Twitter parecem firmes para fazer o Gab acontecer. Ninguém declara guerra, mesmo virtual, à toa.
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