A pressão para que empresas de Internet removam o discurso de ódio se concentrou em umaa área influente neste início de semana quando o serviço de domínios e hospedagem de sites, a GoDaddy, baniu um proeminente site neonazista logo após os confrontos violentos do fim de semana em Charlottesville.
O movimento da GoDaddy, que registra domínios da web para 71 milhões de sites em todo o mundo, é o mais recente e talvez indicativo mais forte do quão comprometidas as empresas de tecnologia estão a em responder as críticas do público de que seus serviços estão sendo usados para facilitar o racismo e a supremacia branca. Embora as empresas do Vale do Silício historicamente sejam resistentes ao policiamento do conteúdo que recebem, no atual clima político norte-americano elas vêm sofrendo forte pressão para assumir uma posição — e parecem estar cedendo pelo menos em alguma medida.
"Isso pode muito bem significar que o senso de responsabilidade entre as empresas de tecnologia está se aprofundando", disse Susan Benesch, diretora do Dangerous Speech Project, um grupo sem fins lucrativos que pesquisa a interseção de conteúdo danoso publicado na Internet e liberdade de expressão. "Eles estão sob uma pressão gigantesca para resolver esse problema, e eles estão reagindo como nunca antes".
Na segunda-feira (14), a GoDaddy baniu o site neonazista The Daily Stormer de seus sistemas, citando políticas da empresa que proíbem sites de publicarem discursos que incitem a "violência contra pessoas".
A GoDaddy disse que o movimento foi em resposta ao apelo de uma usuária do Twitter que chamou a atenção, no dia anterior, para uma postagem do fundador do Daily Stormer, Andrew Anglin, desprezando Heather Heyer, 32 anos, morta no sábado em Charlottesville, quando um homem avançou contra a multidão com seu veículo, segundo a polícia.
We informed The Daily Stormer that they have 24 hours to move the domain to another provider, as they have violated our terms of service.
â GoDaddy (@GoDaddy) August 14, 2017
O post atacava a aparência de Heyer, usava um insulto para descrevê-la como promíscua e dizia que ela era "sem filhos". "A maioria das pessoas está feliz por ela estar morta", escreveu Anglin.
O Daily Stormer transferiu seu registro para o Google, provocando um protesto imediato e uma rápida resposta do gigante do Vale do Silício, que também baniu o site de supremacia branca alegando violações dos termos de uso. No momento, o site está indisponível.
Uma startup de tecnologia menos conhecida, a Cloudflare, continua prestando serviços ao Daily Stormer.
Ativistas liberais e até alguns conservadores elogiaram a decisão da GoDaddy na sequência do ataque de sábado, dizendo que o movimento representou uma mudança nas empresas de tecnologia para assumirem responsabilidades maiores.
"Já passou da hora das plataformas que já têm algum critério pararem de fingir que são apenas tubos neutros que permitem que todo o tipo de lixo flua através deles", disse Laurence Tribe, professora de direito constitucional da Universidade de Harvard. "Parece-me um movimento significativo em uma direção que há muito é esperada".
Cautela
Mas a União Americana de Liberdades Civis disse que os consumidores não deveriam ser tão rápidos em condenar a exibição de "o mais vil discurso supremacista branco".
As pessoas ficam aliviadas quando o discurso com o qual elas não concordam é removido, mas a censura pode surpreendê-los quando se encontram no lado receptor, disse Lee Rowland, advogada Projeto Discurso, Privacidade e Tecnologia da União Americana de Liberdades Civis. A Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos permitiu que os americanos, ao longo de toda a história do país, desafiassem o status quo, porque "somos capazes de revelar o que as pessoas realmente pensam e contrariam", acrescentou.
Outros especialistas disseram que a mudança para regular o discurso coloca o Vale do Silício em um vínculo ainda mais profundo que está longe de ser resolvido. As empresas de tecnologia estão se tornando os porteiros relutantes e facilitadores de expressão política em grande parte do mundo. O Facebook agora atende a um terço da população mundial mensalmente; O GoDaddy é o maior serviço de registro de domínios.
"A visão tradicional era que, se você é uma empresa de mídia social, desde que as pessoas não defendam a violência, você deve deixá-las usar sua plataforma porque a censura é um terreno escorregadio", disse Mike Cernovich, um conservador popular. "Sempre há ideias que as pessoas têm à esquerda e à direita [que] ofendem alguém, mas nós realmente queremos que as corporações tomem partido?"
Em um comunicado, o porta-voz da GoDaddy, Dan Race, disse que a empresa de hospedagem web geralmente se inclina ao lado da proteção da liberdade de expressão, mas que determinou que o Daily Stormer "havia cruzado a linha e encorajado e promovido a violência".
"Geralmente, não agimos em reclamações que constituiriam censura de conteúdo", afirmou o comunicado. "Nos casos em que um site vai além do mero exercício dessas liberdades, no entanto, e passa à promoção, encorajamento ou se envolvimento em violências contra qualquer pessoa, nós agiremos".
A GoDaddy disse que recebeu reclamações sobre o Daily Stormer antes e que as queixas não justificavam a ação. Mas, recentemente, em julho, o site prometeu "rastrear" os pais, irmãos, cônjuges e filhos dos funcionários da CNN. O Daily Stormer também postou os nomes e informações de contato de uma família judaica em Whitefish, descrevendo o filho de 12 anos com insultos para pessoas judaicas e gays.
Em um e-mail para o Washington Post, Anglin indicou que ele estava trabalhando com um agente não identificado na Mongólia para "redefinir meu servidor de modo que eu possa restaurar os backups". O site está hospedado lá, ele disse, "porque fomos expulsos de muitos servidores". Um e-mail enviado a ele a fim de obter mais comentários não teve retorno.
Em uma declaração, a Cloudflare disse que estava "ciente das preocupações" sobre alguns sites, mas que não comentaria em sites específicos.
Pressão crescente
A decisão de GoDaddy pega carona em movimentos amplamente reativos por gigantes tecnológicos para reprimir conteúdo de ódio. Após quase um ano sofrendo pressão de ativistas, os sistemas de pagamento PayPal e Patreon cancelaram recentemente as contas de algumas figuras da direita. O movimento levou alguns líderes neonazistas e nacionalistas brancos a recorrerem a um novo site de financiamento coletivo, o Hatreon, que diz que não policiar o discurso.
Enquanto isso, o Google recentemente se desculpou com os principais anunciantes depois que seu conteúdo apareceu em sites de ódio e de supremacistas brancos, e prometeu melhorar. O Facebook também bloqueou várias páginas de extrema direita nas últimas semanas, enquanto o Airbnb impediu neonazistas de usarem o site para reservar hospedagem durante a manifestação em Charlottesville.
No entanto, na medida em que intensificam o policiamento do discurso e das expressões, as empresas do Vale do Silício estão se tornando vulneráveis a acusações de inconsistência e comportamento arbitrário. Elas estão bloqueando alguns sites em resposta à pressão pública, mas milhares de outros permanecem no ar.
E enquanto recebem mais chamadas para que verifiquem seus serviços e reforcem suas políticas de forma mais proativa, as empresas podem ser forçadas a contratar milhares de moderadores de conteúdo e avançar para julgamentos que não queiram fazer.
Desde já, as empresas são alvo de crescentes ataques de ira da direita e da esquerda. Nos círculos conservadores, remover as contas das pessoas joga combustível à crença de que essas plataformas são administradas por liberais que querem restringir a liberdade de expressão. O site de notícias conservadoras Breitbart está publicando matérias diariamente atacando o Google pela supressão da liberdade de expressão, uma resposta ao funcionário do Google demitido por ter escrito um manifesto atacando as políticas de diversidade da empresa. Alguns conservadores descreveram as ações do PayPal e do Patreon como uma declaração de guerra, e prometeram oferecer serviços alternativos aos seus negócios.
Ao contrário das empresas de mídia, as empresas de tecnologia são protegidas por leis que não as responsabilizam pelo conteúdo que aparece em suas plataformas.
Mesmo quando as empresas derrubam certos sites ou bloqueiam algumas contas, elas têm insistido que não querem ser "árbitros da verdade" — uma frase usada pelos executivos do Twitter e do Facebook recentemente para descreverem seu dilema.
"Quanto mais elas policiam, mais assumem a responsabilidade coletiva, o que, elas temem, pode levar à responsabilidade legal", disse Benesch, do Dangerous Speech Project.