Duas décadas depois de ser derrotado pelo Deep Blue, o supercomputador da IBM, e de acusar a gigante da tecnologia de trapaça, Garry Kasparov, um dos melhores jogadores de xadrez do mundo, fez as pazes com as máquinas. O enxadrista afirma que o embate entre softwares e pessoas não faz sentido e que as qualidades dos seres humanos e das máquinas, quando combinadas, se tornam imbatíveis.
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Em 1985, então com 22 anos, Kasparvov foi o jogador de xadrez mais jovem a se tornar campeão do mundo. Ele manteve o título por quase dez anos e, apesar das inúmeras vitórias conquistadas até se aposentar, em 2005, uma derrota para um computador se tornou um dos fatos mais importantes da sua carreira.
Em 1997, Kasparov aceitou o desafio da IBM de jogar com o Deep Blue, um dos primeiros computadores dotados de inteligência artificial, tecnologia que permite tornar o computador “inteligente” e a racocionar “quase como um humano”. Ele, que já havia vencido algumas máquinas em 1985 e em 1996, acreditou que o Deep Blue não seria capaz de batê-lo. Mas foi, e a primeira vitória de um computador sobre um campeão de xadrez foi um marco para o que hoje conhecemos como computação cognitiva, ou seja, a capacidade de os computadores pensaram quase como humanos.
Kasparov, 20 anos após aquela derrota, afirma que não faz mais sentido esse enfrentamento que existe entre humanos e softwares/computadores. Ele diz que as máquinas são ótimas em cálculos, em lidar com milhões de dados e em dar respostas precisas, mas que elas nunca vão fazer algo totalmente perfeito.
Isso, segundo o enxadrista, acontece porque um software não compreende tópicos que não podem ser codificados. “As máquinas não entendem algumas coisas, como quando a sua filha quer um presente naquele exato momento e que se você não der aquele presente, as coisas podem ficar complicadas”, brincou Kasparov, que esteve nesta quarta-feira (20) em São Paulo, como principal palestrante do Watson Brasil Summit, evento organizado pela IBM para discutir inteligência artificial.
Kasparov completou que intuição, sonho e criatividade são características humanas que as máquinas não conseguem alcançar, porque são impossíveis de serem codificadas. “As máquinas nunca vão fazer algo com 100% de perfeição. No caso da tradução, uma máquina não consegue traduzir gírias e sotaques porque são inquantificáveis.”
E que, mesmo quando uma máquina faz algo quase perfeito, como um cálculo, há sempre um humano por trás desse feito — aquele ensinou e treinou o software.
“Por trás de todo o sucesso de uma máquina, sempre tem uma engenhosidade humana.”
Garry Kasparov
Ficção científica
Se as máquinas não substituem os humanos, por que temos tanto medo delas? Segundo Kasparov, a resposta está nos filmes de ficção científica. O enxadrista diz que o cinema trouxe para o consumidor uma visão fantasiosa do futuro, com máquinas exterminadoras e inimigas dos seres humanos.
“Vamos combater esse medo de que as maquinas assumam tudo. Nós vivemos em um momento em que as pessoas julgam a inteligência artificial com base nos filmes de ficção cientifica, como Matrix e Exterminador do Futuro. Essa é uma visão utópica”, afirmou Kasparov.
Ele também explicou que as pessoas tendem a odiar as máquinas porque toda nova tecnologia primeiro destrói empregos antes de criar novos postos de trabalho. “Foi assim em toda a história. É o caminho do progresso.”
Caminho é combinar qualidades
Kasparov explicou que a inteligência artificial já é realidade e que é um caminho natural ao progresso, mas que nós estamos tentando desacelerar esse ciclo natural por medo do impacto da nova tecnologia. “Se você tentar combater o inevitável, você vai atrasar a criação de novos empregos que vão ajudar aqueles [trabalhadores] que ficaram para trás”.
O mestre do xadrez diz que precisamos parar de ver as máquinas como inimigas e buscar uma aliança com elas. Ele acredita que combinar a capacidade de cálculo, dados e análise de uma máquina com a criatividade, intuição e imaginação do humano pode revolucionar qualquer mercado.
“Uma máquina mais inteligente vai tornar o ser humano mais inteligente.”
Garry Kasparov
* A jornalista viajou a convite da IBM.
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