Aristotle, brinquedo com inteligência artificial cancelado pela Mattel| Foto: Mattel/Divulgação

A fabricante de brinquedos Mattel cancelou os planos de vender o seu mais novo brinquedo direcionado a crianças, o Aristotle. O objeto, uma espécie de cilindro acompanhado de uma câmera externa, pode ser classificado como um abajur, uma babá eletrônica e um assistente virtual destinado a crianças até seis anos. Ele é capaz de conversar e jogar com crianças usando inteligência artificial, de monitorar o sono e os passos do bebê através de uma câmera, de ler histórias e cantar canções de ninar a meia luz, entre outras funções tecnológicas. 

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Os defensores da privacidade e da saúde das crianças pressionaram a gigante dos brinquedos para que ela não colocasse a novidade à venda. Eles afirmaram que o brinquedo abriria um olhar sem precedentes sobre  a vida das crianças.

Na última quarta-feira (4), a Mattel anunciou o cancelamento das vendas do brinquedo antes mesmo de ele chegar ao mercado com a justificativa que ele “não se alinha totalmente à nova estratégia de tecnologia da Mattel". Em comunicado, a fabricante disse que decidiu não levar o produto ao mercado depois que o novo diretor de tecnologia, Sven Gerjets, se juntou à empresa em julho. Gerjets, segundo a Mattel, revisou o produto e decidiu "não trazer o Aristotle ao mercado como parte de um esforço contínuo para oferecer a melhor experiência de produto conectado [à internet] ao consumidor". 

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Como funciona

O Aristotle foi projetado para ficar no quarto da criança. Ele pode ligar uma luz noturna para acalmar um bebê que estiver chorando. Ele também foi projetado para continuar aperfeiçoando as suas atividades até o ponto em que poderia ajudar uma criança com a lição de casa. E o dispostitivo aprenderia hábitos e outras rotinas da criança ao longo do tempo.

As objeções ao Aristotle se desdobram em duas. De um lado, há a preocupação acerca da privacidade de bêbes e crianças devido à capacidade do brinquedo de coletar e armazenar dados de um público vulnerável. Também há preocipações mais amplas a respeito da  rapidez com que as empresas comercializam produtos para os pais sem entender como a tecnologia pode afetar o desenvolvimento da primeira infância.

O produto chamou a atenção do senador Edward Markey e do político republicano Joe Barton, ambos dos Estados Unidos, que enviaram uma carta à Mattel na última semana de setembro pedindo mais informações sobre como a fabricante armazenaria os dados coletados pelo brinquedo. A Mattel respondeu que protegeria os dados com criptografia de alto nível e que não venderia essas informações a anunciantes, conforme manda a lei americana de privacidade de dados de crianças.

Mas as questões de privacidade não foram o único problema. “Minha principal preocupação com essa tecnologia — além das de privacidade que [Markey e Barton] estão tentando abordar — é a ideia de que um pedaço de tecnologia se tornar o membro da família responsável por atender a uma criança que esteja chorando, que queira aprender ou brincar”, disse a pediatra Jennifer Radesky, que escreveu as diretrizes de mída para crianças de 0 a 6 anos de idade da Associação Americana de Pediatria. 

O brinquedo Aristotle pode ter sido descontinuado, mas ele seria mais um entre os muitos produtos que as empresas estão oferecendo para tornar a paternidade mais tecnológica. Os tablets e aplicativos com foco em crianças existem há anos e os pais tomam suas próprias decisões sobre o lugar apropriado para a tecnologia na vida de seus filhos. 

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Mas os dispositivos estão avançando cada vez mais em áreas que são muito mais pessoais — ou mais intrusivas. Existem berços inteligentes que podem arrumar a posição do seu bebê para você. Há uma almofada inteligente para acalmar crianças com cólicas, embalando os bebês enquanto toca uma gravação que imita os batimentos cardíacos dos pais.

Os especialistas dizem que pouco se sabe dos efeitos dos dispositivos tecnológicos no desenvolvimento da primeira infância, e levará tempo para descobrir isso. Mas os especialistas em privacidade e desenvolvimento infantil estão cada vez mais desconfortáveis com os rumos que a tecnologia está tomando. 

Precedente

No ano passado, a Mattel enfrentou críticas devido ao potencial de vigilância da boneca “Hello Barbie”, uma versão falante da clássica boneca da Mattel que aprende sobre os seus donos gravando a voz deles e transmitindo-a por Wi-Fi. Em algumas brincadeiras, a boneca podia aprender o nome do cão da família e incorporar essa informação em conversas que tivesse com a sua dona. 

A ideia de que uma boneca iria lentamente coletar informações sobre uma criança assustou muitos defensores da privacidade que rotularam o barbie da Mattel como “assustadora”. O produto não vendeu bem no lançamento após receber avaliações negativas, muitas mencionando os receios com relação à privacidade.

Agora, no caso do Aristotle, pessoas contrárias ao dispositivo se organizaram para barrá-lo antes que ele chegasse ao mercado. Vários defensores da privacidade e médicos, organizados por grupos sem fins lucrativos, assinaram uma petição pedindo à Mattel para que não liberasse a venda do Aristotle, que deveria chegar às prateleiras das lojas ano que vem. "As crianças pequenas não devem ser cobaias de experiências com inteligência artificial. Por favor, coloque o bem-estar das crianças em primeiro lugar e encerre a produção do Aristotle", dizia a petição. Ela tinha 15 mil assinaturas.  

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"Nós recomendamos que a Mattel colocasse o bem-estar das crianças como prioridade e ouvisse as preocupações de especialistas em desenvolvimento infantil e de milhares de pais que imploravam pela não liberação da venda desse dispositivo”, disse Josh Golin, diretor executivo da “Campanha para uma infância sem comercial”. “Essa é uma vitória tremenda para todos os que acreditam que as crianças ainda têm direito à privacidade e que os robôs nunca podem substituir seres humanos quando o assunto é amor e carinho.”