Na disputa para ganhar espaço em um mercado ainda muito pulverizado, o Grupo Boticário saiu na frente da Natura nos últimos anos ao conseguir diversificar o seu modelo de negócio. A companhia paranaense lançou três novas marcas, adquiriu a fabricante de maquiagens Vult, ampliou seus canais de venda e passou a atingir um público mais heterogêneo. Já a Natura ficou focada em administrar suas fortalezas – sua marca principal e a venda direta –, e, somente agora, principalmente após a aquisição da The Body Shop no ano passado, volta suas atenções ao varejo em busca de um crescimento mais agressivo.
Essa é a opinião dos especialistas consultados pela Gazeta do Povo sobre a disputa de mercado entre as duas principais fabricantes nacionais do setor de beleza e cuidados pessoais. E os números confirmam a tese. O Grupo Boticário saiu de um market share (participação de mercado) de 8,1% em 2011 para 10,8% em 2017, uma alta de 2,7 pontos percentuais no período, segundo dados da Euromonitor. A Natura, por outro lado, perdeu espaço, caindo de 14,4% para 11,7%, uma redução de 2,7 pontos percentuais, apesar de ainda estar na liderança. Em 2016, quando a Natura ainda não havia adquirido a The Body Shop, o Grupo Boticário chegou a ficar muito próximo da concorrente, tendo uma participação de 10,6% contra 10,8% da Natura.
Olhando os dados somente do setor de maquiagem, o ganho de espaço do Grupo Boticário é ainda mais evidente. O grupo já tinha uma diferença menor do que um ponto percentual para a Natura e, a partir de março, com a compra da Vult, passou a ter market share 15,3%, assumindo pela primeira vez a segunda colocação. A Natura caiu para o terceiro lugar, com 11,9%. O primeiro lugar é da americana Avon, com 24,4% de market share. Os dados são da Euromonitor.
Diversificação foi a chave para o crescimento do Grupo Boticário
A explicação para o crescimento agressivo do Grupo Boticário nos últimos anos está na diversificação, tanto de marcas quanto de público-alvo. A empresa, que até então atuava somente com a marca O Boticário, lançou entre 2011 e 2012 três novas marcas: Eudora, focada na mulher urbana; quem disse, berenice?, de maquiagem para o público jovem; e The Beauty Box, multimarca de beleza e cosmético. Neste ano, comprou a Vult, que tem um preço médio acessível e atinge as camadas mais populares da população.
Junto à diversificação das marcas, o grupo ampliou também seus canais de venda. A companhia, que se tornou pioneira no modelo de franquia e hoje é a maior rede franqueadora do país com mais de 4 mil lojas d’O Boticário, passou a atuar no modelo de venda direta (porta a porta, feita por uma revendedora) com o lançamento da marca Eudora. Hoje, a venda direta também é um canal de venda d’O Boticário. Em paralelo, lançou o e-commerce de suas marcas e agora, com a compra da Vult, que é vendida em lojas como farmácias e redes de departamento, entra de vez no varejo multimarca.
“Enquanto a Natura demorou muito para avançar no e-commerce e para entrar no varejo, o Grupo Boticário foi muito mais rápido e assertivo em abrir a agenda de transformação digital, criar um negócio grande de venda direta, lançar novas marcas e atingir outros tipos de públicos. Esses movimentos fizeram o [grupo] Boticário ganhar escala em pouco tempo e ter um modelo de negócio mais equilibrado, diversificado e saudável”, afirma Alberto Serrentino, fundador da consultoria especializada em varejo Varese Retail.
Natura demorou para se desprender do passado
Já a Natura vive há quase 50 anos do sucesso do seu modelo de negócio, que combina produtos de beleza com apelo sustentável e venda direta. A companhia é líder em número de revendedoras, com 1,7 milhão de representantes na América Latina. Até o ano de 2013, liderava o setor de beleza e cuidados pessoais no Brasil, à frente, inclusive, da multinacional Unilever, posição que foi recuperada em 2017 após a compra da The Body Shop.
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Mas, como a própria companhia admitiu na última apresentação a investidores em abril, a falta de transformações em seu modelo de negócio a fez perder espaço nos últimos anos. Entraram novas marcas no mercado, o público mudou e a Natura demorou a reagir nesse novo cenário. Em 2016, por exemplo, a venda direta ainda respondia por 93% das vendas da companhia.
“A Natura tem um negócio muito dependente da venda direta, o que é algo que, na escala atual dela, faz com que ela tenha dificuldade de ter um crescimento agressivo no Brasil. Por outro lado, não é fácil construir um negócio de varejo em escala em pouco tempo, porque construir um negócio de varejo é muito mais lento. O Grupo Boticário conseguiu construir um negócio de venda direta grande em pouco tempo porque ancorou na sua rede. A Natura não vai conseguir fazer isso com o varejo. Ela voltou a crescer na venda direta, mas é um crescimento orgânico, baseado na eficiência e produtividade, que não vai conseguir tornar esse canal algo muito maior do que ele já é hoje, apenas vai deixá-lo mais eficiente”, diz Serrentino.
A resistência a novos canais foi vista também na migração para as vendas digitais. “O próprio e-commerce foi postergado muitas vezes pelo receio que eles tinham de ter um conflito de canal com as revendedoras. Mas é inevitável, porque o consumidor está migrando para o digital. Aquilo que foi um conservadorismo justificável, estrategicamente provocou uma lentidão em abraçar algo que é inevitável”, avalia Serrentino.
A CEO da AGR Consultores, Ana Paula Tozzi, também afirma que a Natura perdeu espaço ficando muito presa à venda direta. “ A Natura foi muita tímida, porque ficou com muito medo de entrar com a marca Natura na loja física e de alguma forma agredir o seu DNA natural de origem que seria a venda direta. Aí para entrar em farmácia, ela criou uma nova marca. A aquisição da The Body Shop, uma marca que não tem nenhuma concorrência com a marca Natura ou com a venda direta, foi a forma que ela encontrou no ano passado para a diversificação”, diz Ana Paula.
A virada da Natura: compra da The Body Shop
Se a Natura demorou em mostrar uma reação, o cenário mudou a partir do ano passado, principalmente quando ela anunciou a compra da marca britânica The Body Shop por € 1 bilhão. Apesar de ter características similares à Natura, como o forte apelo sustentável, a The Body Shop não tem venda direta. A marca britânica aposta no varejo e tem pouco mais de três mil lojas, entre próprias e franquias, espalhadas pelo mundo para vender seus produtos. Não à toa que os analistas são unânimes em dizer que a Natura, com a compra da The Body Shop, adquiriu não somente uma ampla rede de lojas físicas como também um know-how em um canal de vendas que até 2016 era praticamente inexplorado pela brasileira.
Além da compra da The Body Shop, a Natura deu, no ano passado, outros sinais rumo à diversificação do seu negócio. Ela acelerou o projeto de abertura de lojas físicas da marca Natura, com a inauguração de 38 unidades no Brasil e no exterior, e começou a investir mais no seu e-commerce. Ela também mudou o seu modelo de venda direta, criando níveis de consultoras de acordo com o faturamento delas.
Essa diversificação já começa a aparecer no balanço da companhia. Incluindo os números da The Body Shop e da Aesop (marca australiana adquirida em 2013 que tem mais apelo no exterior do que no Brasil), a venda direta passou a responder por 64% das vendas do grupo Natura, seguido por varejo (23%), franquias (7%), e-commerce (4%) e atacadistas (2%).
E, considerando que a empresa começou a apostar há pouco tempo na diversificação, outras novidades podem vir por aí para que a Natura volte a ter um crescimento agressivo. “Eu não me surpreenderia que a Natura adquirisse uma outra marca no Brasil, que ela buscasse uma marca que entrasse em outro nicho de mercado, até para ela poder ampliar a faixa de preço e o posicionamento em que ela atua. A Natura ampliou a quantidade de canais, a quantidade de marcas, mas ainda falta ampliar os nichos de mercados, como o Grupo Boticário está fazendo na sua diversificação ”, afirma Ana Paula.