O Google reuniu a imprensa e parceiros de negócios nesta quinta-feira (7), no auditório do Ibirapuera, na cidade de São Paulo, para anunciar uma série de novidades para o mercado brasileiro. Fabio Coelho, presidente do Google Brasil, abriu o dia dizendo que, nos últimos 15 meses, o Google investiu R$ 700 milhões no país. A quantia serviu, principalmente, para pagar três cabos de internet submarinos, uma ampliação da nuvem do Google no Brasil e a abertura de um estúdio para youtubers no Rio de Janeiro.
O Google também apresentou novidades para seu buscador relacionadas à Copa do Mundo de futebol e às eleições de 2018, a ativação do cabo submarino de internet Junior, de 390 km, ligando Praia Grande (SP) ao Rio de Janeiro, novidades no Google Maps (alerta de rodízio e novos carros), um novo app de selfies que compara a foto do usuário a obras de arte, e iniciativas de capacitação e apoio a pais, professores e mulheres empreendedoras.
Gazeta do Povo teve a oportunidade de entrevistar Coelho em sua sala no escritório do Google, na avenida Faria Lima, também na capital paulista. Durante a conversa, o executivo reforçou o compromisso da empresa com o fomento do empreendedorismo no Brasil, as transformações digitais que estão redefinindo a maneira de se fazer negócios e as iniciativas para conectar o “próximo bilhão de usuários”, um objetivo prioritário do Google que, no evento, foi representado pelo Android Go, uma versão mais leve do sistema para smartphones destinada a simples, com preços a partir de R$ 300.
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A conversa, que contou também com a participação de Todd Benson, head de comunicação e assuntos públicos para a América Latina, foi levemente editada para melhorar a fluidez da leitura.
Gazeta do Povo: Nos últimos 15 meses, o Google investiu R$ 700 milhões no Brasil. O que justifica essa aposta tão alta em um momento de retomada da economia, imediatamente após uma crise severa?
Fábio Coelho: Primeiro, nossa crença no Brasil de longo prazo. Qualquer grande empresa tem que acreditar no Brasil a longo prazo porque o país tem 208 milhões de pessoas, todas muito ávidas para estar nesse mundo digital. Nessa linha, sempre acreditamos que temos que fazer investimentos, e que a variável econômica tem que passar ao largo da nossa capacidade de gerar negócios aqui no Brasil.
Curiosamente, uma das coisas que acontece com as economias quando elas passam por recessões e crises, é que a entrada das empresas no mundo digital, como anunciantes e para fazer negócios, acelera. Isso porque as empresas não podem perder dinheiro com soluções que não são muito eficientes — e a internet é uma forma eficiente de você falar com as pessoas, se comunicar com elas, de as empresas interagirem com seus clientes. Então a gente sabia que, apesar do momento econômico em 2015 e 2016, que no Brasil, a longo prazo, haveria naturalmente uma recuperação e que ele voltará a ser um grande país, com os brasileiros conectados. A gente acredita nisso e tem mantido os investimentos, inclusive aumentando eles.
GdP: Quais as perspectivas para este ano e 2019?
FC: A perspectiva é continuar tendo impacto social e econômico, continuar investindo no Brasil, crescendo o nosso negócio, ajudando a sociedade a se conectar e, com isso, entendendo que a gente não vai depender do Brasil para continuar a fazer negócios e a crescer aqui — pelo contrário, acreditamos que temos o papel de ajudar a sociedade brasileira a se digitalizar.
GdP: Pode abrir dados do crescimento específicos do Brasil nos últimos dois anos?
FC: A gente não abre dados de crescimento, mas posso dizer que a mídia digital no Brasil — nós somos uma empresa de tecnologia que faz negócios com um monte de clientes — cresce 26% ao ano de acordo com o IAB [bureau global de padronização, pesquisa e suporte legal a empresas de publicidade]. O nosso crescimento é saudável no Brasil e acreditamos que isso tenha a ver exatamente com essa busca dos empresários, das empresas brasileiras, do consumidor e das startups por soluções digitais.
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GdP: Durante o Google for Brasil, foi dito que o Google está focando no pequeno empreendedor, que seria o motor da economia. Vocês também têm grandes clientes. Existe algum público que não interage com o Google, que vocês ainda querem buscar?
FC: Olha, não existe. Hoje, as nossas soluções falam com o brasileiro. Por exemplo, vamos começar com quem usa nosso serviço. Difícil alguém que não use o Google. Tem que ser uma pessoa que não tenha smartphone. Tem alguns ainda, mas as pessoas normalmente usam o Google. Ou o YouTube para ver vídeos, ou os mapas quando está se deslocando. Isso tudo está aí.
A gente tem uma comunidade de desenvolvedores, que são pessoas que entendem que elas podem desenvolver aplicativos, software, soluções para o [navegador web] Chrome, Android e tudo mais. Tem a comunidade de youtubers, que é grande também — são pessoas que ganham dinheiro colocando seu conteúdo e construindo audiências no YouTube. E tem as empresas, pequenas, médias e grandes, públicas e privadas. Quem está a menos tempo nesse processo de trabalhar com a gente é o governo. Até pouco tempo atrás, havia algumas dificuldades normativas de fazer um trabalho com o Google, mas elas já foram superadas.
As empresas grandes, médias e pequenas entendem o digital como um excelente canal de digitalização, de comunicação e de propaganda. As grandes combinam isso com televisão, rádio, revista e jornal; as pequenas, que muitas vezes não têm muito dinheiro, usam primordialmente o digital para estarem presentes, ou então propaganda de outdoor, de bairro. A gente entende que o nosso papel é esse mesmo: ajudar a conectar quem quer comprar alguma coisa com quem quer vender. Às vezes você está em uma cidade e quer vender uma coisa, e a pessoa que quer comprar está a 300 km dali. Como você vai vender para essa pessoa? Tem que ser no digital, tem que ser na plataforma eletrônica. Entendemos que essa oportunidade de fazer negócio ocorre para todo mundo.
GdP: Falando especificamente do ecossistema de startups brasileiras, só em 2018 vimos empresas daqui atingindo valor de mercado de US$ 1 bilhão, se tornando “unicórnios”. por que essa demora e por que ainda são raras as empresas brasileiras com ambição de escala global?
FC: Tem a ver com alguns fatores. Vamos pegar o exemplo de onde [a maioria d]essas empresas vem, o Vale do Silício, na Califórnia. Você tem uma triangulação perfeita entre: 1) muita gente querendo ser empreendedor (isso a gente tem aqui também); 2) muitas universidades criando profissionais; e 3) um ecossistema de financiamento dessas startups.
Quando você coloca essas três coisas juntas, você tem densidade, escala. Aqui no Brasil, a gente fez o campus em São Paulo [do Google, no bairro Paraíso], com mais de 100 mil membros conectados a outros campi do Google ao redor do mundo, para ajudar a fomentar o empreendedorismo. Se a gente olhar três anos atrás, esse é um fenômeno recente. Você tem aqui o Cubo [do banco Itaú], o pessoal do Bradesco com o Inovabra e o Habitat, e o campus do Google… Não se tem tantos espaços de empreendedorismo, sabe?
A gente acredita que, sim, essa é uma tendência mais recente porque ainda estamos desenvolvendo escala. O Brasil tem excelentes empreendedores e as empresas têm um papel em ajudá-los a terem mais sucesso, especialmente as digitais, mas também tem outros elementos aí que são o do financiamento e o de tornar o ecossistema ainda mais ágil. Abrir uma empresa no Brasil não é fácil; se você quebrar uma empresa no Brasil, [fechá-la] também não é fácil. As startups estão trabalhando com o governo brasileiro para que você tenha condições de ter mais agilidade no processo de empreendedorismo. Isso também faz parte dos motivos pelos quais demora um pouquinho mais e aparecem menos.
GdP: No comando do Google Brasil desde 2011, quais foram as maiores mudanças que você testemunhou nesse período?
FC: Tudo. Quando eu entrei aqui, o Google estava no computador e a segunda plataforma que a gente tinha era o Orkut, também no computador. Hoje, o Google está no telefone celular em sua maior parte, a experiência de busca se alterou dramaticamente para melhor e o segundo buscador é o YouTube. Os nossos negócios se ampliaram. Na internet, naquela época, você falava com… talvez 30, 40 milhões de brasileiros; hoje, fala com todo mundo praticamente, 150 milhões de brasileiros. Então, em 2011, 2012, você “entrava” na internet, “saía”, se desligava. De uma hora para outra, viramos “always on”, 24/7, de qualquer lugar você tem acesso a conteúdo, vídeos e tudo mais. O e-commerce levantou. Aplicativos eram novidade 2011; em 2018, apps estão incorporados no dia a dia das pessoas. E as empresas entenderam isso. Hoje, elas tiram o máximo proveito — muitas, nem todas ainda — desse mundo digital. Naquela época, falar de machine learning, inteligência artificial, ainda era coisa do futuro. Hoje, muito disso já está incorporado dentro do nosso rol de serviços.
GdP: Algumas soluções que o Google tem lá fora que ainda não estão no Brasil. Google Home, para citar um produto. Essa adaptação do que é criado nos EUA para o Brasil é complexa ou existem outros fatores que geram essa demora?
FC: A questão não é ser complexa. A questão às vezes é escala, ou, como você falou, por questão de maturidade. Falamos aqui [no evento] do Google Assistente em português [pega o celular e demonstra o Assistente com comandos de voz]. Boa parte dessa inteligência, que eu diria que é o software, já está no país. Hardware é um pouco diferente. O Google Home, por exemplo. Tem que ter escala. Para você produzir hardware no Brasil, tem que ter as partes todas, a cadeia de produção. Quando você importa, as coisas ficam bastante caras porque tem uma tributação, imposto de importação. E aí você tem o [dilema] “Tostines”: será que tem pouco porque é caro, será que é caro porque tem pouco… Às vezes você tem que esperar um pouco mais, mas, na hora certa vai vir para o Brasil. Quando a gente tiver também a economia de escala numa produção global, isso [Google Home] vem para o Brasil.
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GdP: Foram mostradas algumas novidades na busca do Google, como a parceria com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para auxiliar o eleitor nas eleições de outubro. Ao mesmo tempo, há o receio de que coisas que aconteceram no passado, como pedidos de remoção de conteúdo, se repitam. O Google está preparado para esse cenário de polarização e confusão nas plataformas, como o YouTube?
FC: Estamos sensíveis à situação e tomando as precauções necessárias para que possamos ter um papel de ajudar no processo político brasileiro. Não é o primeiro, nem o segundo, terceiro ou quarto que a gente participa aqui, mas esse tem uma característica especial: que, agora, com realmente todo mundo conectado, algumas plataformas — e eu diria que as nossas, em muito menor escala — podem ser usadas para circular informações que não são necessariamente verdadeiras ou que podem ser exageradas. Queremos usar as nossas plataformas para gerar informações de qualidade, validadas pelo TSE, que ajudem as pessoas a tomarem suas decisões da melhor forma possível.
Então a gente acredita que, sim, temos um papel , mas ao mesmo tempo acreditamos que todo o esforço que foi feito pelo nosso grupo junto ao Google News Iniciative, o trabalho que fazemos com as empresas de jornalismo brasileiras, tem uma proposta de criar um ambiente mais propício para eleições saudáveis.
GdP: Polêmicas que acontecem na matriz americana do Google, como a recente revolta de funcionários com o envolvimento do Google com programas do Pentágono, afetam o dia a dia no Brasil?
FC: Não. Soube disso na mesma hora em que você soube.
Todd Benson: [As polêmicas da matriz americana] Parecem muito distantes para nós. Muitas vezes, ficamos sabendo através da imprensa.
GdP: O Google está investindo forte em inteligência artificial, interfaces por voz e algumas outras áreas-chave. Para o futuro, alguma área receberá atenção especial na atuação da empresa no Brasil?
TB: Não sei se diria especificamente para o Brasil. Todos os investimentos que acontecem aqui estão alinhados com os globais. Nossos engenheiros em Belo Horizonte, por exemplo, trabalham em soluções de escala para os nossos usuários no mundo inteiro. Eles não desenvolvem só para o usuário brasileiro; pensam em soluções que funcionam aqui, mas que também serviriam para um usuário de qualquer lugar do mundo. Nesse sentido, estamos usando cada vez mais a inteligência artificial para melhorar.
FC: Diria mais uma coisa. Pensando no Brasil, nós fazemos parte do grupo dentro do Google chamado “NBU”, [sigla em inglês para “próximo bilhão de usuários”]. Significa que há um foco especial no desenvolvimento de produtos para o próximo bilhão de usuários que estão para ser conectados em países como Brasil, Índia, Indonésia, México, Filipinas, sabe?
Quando a gente pensa aonde estamos olhando, acho que estamos olhando para todos os lados, mas tem uma atenção especial nesse usuário que tem um telefone que não é tão bom e uma rede que não é tão boa, para que a gente possa ajudar a melhorar a experiência de navegação, a barateá-la, ajudar a minimizar a dificuldade que essas pessoas têm de se conectar. Porque aí estaremos ajudando quem ainda não conseguiu entrar nesse processo de inclusão digital.
São Paulo é bem diferente de uma cidade no interior do Piauí ou Amazonas, onde, para pegar internet, às vezes tem que subir no topo de uma árvore e ficar apontando o telefone para cima. Então, como essas crianças poderão estudar? Como terão acesso à internet? Por aí, a gente tem um olhar de inclusão digital. Entendendo que não dá para esperar que o governo faça isso, nem que as operadoras de telecomunicação criem essa conectividade, temos que melhorar o que a gente tem em mãos: nossas soluções de hardware e software, nossos produtos e, eventualmente, ajudá-los, na medida em que o mercado vai caminhando, para que essas pessoas possam participar disso aí.
* O jornalista viajou a São Paulo a convite do Google.
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