Em particular, e às vezes em público, Travis Kalanick gosta de descrever a Uber,empresa que ele ajudou a fundar e da qual foi comandante absoluto, como a Amazon do negócio de transportes. As semelhanças são claras. A Amazon começou como uma livraria on-line, mas nunca foi um negócio apenas de venda de livros; por mais de duas décadas, seu fundador, Jeff Bezos, expandiu de maneira metódica suas ambições, o alcance e a infraestrutura operacional da empresa para enfim se tornar uma ameaça à própria existência do varejo.
De modo parecido, a Uber, na visão expansiva de Kalanick, nunca foi apenas um negócio de caronas pagas. Para ele, um serviço similar ao dos táxis sempre foi uma porta de entrada para um modelo de negócios que, segundo acreditava, expandiria a indústria de transportes global, que vale trilhões de dólares, mudando a maneira como as pessoas e as coisas se movem pelo mundo. Kalanick acredita que estava transformado a Uber em uma das poucas gigantes de tecnologia que dominarão este século
Agora, essa visão agora está nas mãos de Dara Khosrowshahi. O ex executivo-chefe da empresa de viagens on-line Expedia foi escolhido neste mês para substituir Kalanick e ser o novo CEO da Uber. No novo papel, Khosrowshahi vai precisar enfrentar uma questão importante relacionada com ambição: a empresa continuará procurando ser a Amazon do transporte ou vai aceitar ser a Expedia de seu nicho – um dos maiores competidores na indústria de reserva de viagens, mas não expansionista ou messiânico?
LEIA MAIS: Booking.com: o grande erro da Expedia sob o comando de Khosrowshahi
Khosrowshahi é um enigma no Vale do Silício. Muito do futuro do transporte, assim como do cenário das startups na região, dependem de seus planos ainda desconhecidos. O passado de Khosrowshahi na Expedia, no entanto, mostra algo sobre seu temperamento. Ele teve uma carreira muito bem sucedida ali e parece ser um operador paciente que pode dar jeito em uma empresa com problemas.
LEIA MAIS: Sem apetite ao risco, Khosrowshahi pode transforma a Uber em uma empresa lenta, mas melhor
Seu tempo na companhia também aponta para uma visão bastante diferente da de Kalanick. Em uma das maiores falhas da Expedia na história, Khosrowshahi pareceu cauteloso na hora de assumir um risco grande e com potencial lucrativo enorme de uma ideia muito inovadora em sua área – e saiu perdendo. Para ser justo, ele ajudou a Expedia a se ajustar depois desse erro, mas seu impulso inicial pode sugerir uma mentalidade mais avessa ao risco do que a de Kalanick, embora isso, claro, talvez seja exatamente o que a Uber precisa neste momento.
Booking.com: o grande erro da Expedia sob o comando de Khosrowshahi
A história do tal erro é conhecida na indústria de turismo on-line. A Expedia foi uma das pioneiras no segmento de reservas de viagem. Criada por uma equipe da Microsoft, em 1996, a empresa depois se uniu com a companhia de mídia IAC, se separou e virou uma empresa independente, com ações na bolsa, em 2005, e Khosrowshahi como CEO.
Seu negócio de reserva de hotéis cresceu com uma aquisição que Khosrowshahi fez enquanto era executivo da IAC, no final da década 1990, e, durante vários anos, parecia ótima e cada vez mais lucrativa.
Na época, a Expedia trabalhava de acordo com o que é conhecido como “modelo comercial”. Sob esse sistema, quando você reserva um hotel, paga primeiro para a Expedia, que pega uma parte lucrativa do negócio e compra as diárias em seu nome. E as margens eram surpreendentes: a empresa conseguia mais de 25% do que pagava pelos quartos.
Mas apareceu um problema no horizonte: um pequeno site com base em Amsterdã chamado Booking.com resolveu revolucionar o modelo comercial. Em vez de pegar uma parte grande do pagamento, o Booking.com usava o que era conhecido como “modelo de agência”, ou seja, o site deixava os hotéis estabelecerem comissões muito menores, de até 12%, e também permitia que os hóspedes pagassem diretamente no hotel, e não antecipadamente.
Khosrowshahi e sua equipe pensaram em comprar o Booking.com, mas como ele explicou em 2016 para Dennis Schaal, que cobre a indústria de viagens on-line no site especializado Skiftl, a Expedia não gostava das margens baixas praticadas pelo site. “Acho que foi porque estávamos ligados ao modelo comercial e às margens altas na época. Analisando hoje, acredito que isso nos deixou cegos”, contou ele a Schaal.
Foi um erro que custou caro. O maior competidor da Expedia, o Priceline, comprou o Booking.com e o transformou em um monstro. Sob o Priceline, o Booking.com rapidamente se tornou o maior site de reservas de hotel do mundo, porque seu modelo mais barato criou uma dinâmica que Khosrowshahi e outras pessoas da Expedia não anteciparam. O Booking.com diminui os preços e aumentou muito o número de estabelecimentos no site, tornando-o popular entre aqueles que procuravam vagas e impossível de ser ignorado pelos donos dos hotéis.
Bem Thompson, que escreve a newsletter de tecnologia Stratechery, afirma que Khosrowshahi merece crédito por reconhecer o erro e trabalhar para resolvê-lo. A Expedia começou a aprofundar o modelo de agência e agora administra uma abordagem mais ou menos híbrida e, nos últimos anos, sua taxa de crescimento tem sido parecida com a do Priceline.
“Essa história pode explicar como Khosrowshahi deve lidar com a Uber. Da mesma maneira que o Booking.com se tornou popular porque tinha o maior inventário de hotéis, Khosrowshahi pode entender que o segredo da Uber é sua popularidade entre seu público”, escreveu Thompson.
“O que, na verdade, torna a Uber tão valiosa, e ainda tão atraente apesar de seus problemas recentes, é a ligação que mantém com os usuários. Quanto mais público tiver, mais motoristas vai atrair, mesmo se a questão econômica não for boa em relação a outros serviços: praticar uma taxa não tão boa é melhor do que não dirigir com uma ruim”, prossegue.
Sem apetite ao risco, Khosrowshahi pode transforma a Uber em uma empresa lenta, mas melhor
Mas, apesar de ter reconhecido o erro e ter trabalhado para resolvê-lo, o fundador da Uber, Travis Kalanick, muito provavelmente não teria caído na mesma armadilha. Jeff Bezos e Kalanick, por exemplo, se descobrissem que um concorrente havia descoberto uma maneira de vender o mesmo produto com um preço muito mais barato, fariam de tudo para comprá-lo na mesma hora ou para tentar copiá-lo, sem ligar para os riscos que poderiam ameaçar os lucros de curto prazo.
Sacrificar muito dinheiro agora por uma parcela potencialmente imensa do mercado no futuro é uma atitude clássica de Bezos e de Kalanick. Na verdade, é muito parecido com o que Kalanick fez quando criou o UberX, a versão mais barata de seu serviço original de carros chiques, em resposta aos iniciantes mais em conta como a Lyft.
O fato de Khosrowshahi não ter feito isso demonstra que possui um apetite muito diferente pelo risco. E também sugere que pode procurar transformar a Uber em uma empresa mais normal, mais lenta, menos intensa e menos interessada em engolir o mundo.
Mas é possível também que ele transforme a Uber em uma empresa melhor para se trabalhar, que pode começar a ganhar dinheiro em vez de perder. Para todos aqueles que já estão cansados dos dramas recentes da Uber, pode ser uma boa troca.
O que diz o relatório da PF que levou à prisão de militares por plano de morte de Lula e Moraes
PF abre caminho para Bolsonaro ser preso por Alexandre de Moraes; acompanhe o Sem Rodeios
O sistema tem pressa… e criatividade!
Flávio Bolsonaro questiona prisão de militares por suposto plano contra Lula, Alckmin e Moraes