Incontáveis vazamentos amorteceram um pouco o impacto da revelação do iPhone X, a atualização mais radical do produto que, há dez anos, revolucionou o mercado e pavimentou a popularização sem precedentes do smartphone. Mas, mesmo antes deles ocorrerem, uma certeza já tínhamos a respeito do evento: a de que a Apple seria acusada de não “inovar”.
Uma olhada mais atenta ao iPhone X revela que, de fato, não há nada exatamente novo ali. A tela ocupando quase toda a face frontal do aparelho já tinha aparecido um ano antes, do outro lado do mundo, no chinês Mi Mix da Xiaomi, e se espalhou pela indústria ao longo de 2017. O reconhecimento facial para desbloqueio da tela, embora tenha uma tecnologia exclusiva no iPhone X, por si só não é algo novo — existe no Android desde 2011. Recarga da bateria por indução? Volte a 2012, ano em que a Nokia incluiu o recurso no Lumia 920.
Esse tipo de estagnação não é exclusividade da Apple, embora se cobre mais dela por ter sido a pioneira nesse mercado e a responsável por alguns dos maiores avanços do setor na última década. Mesmo olhando para outras fabricantes, é cada vez mais difícil encontrar inovações em um sentido estrito, recursos que tenham o mesmo impacto que tiveram a resolução Retina do iPhone 4 de 2010, a tela enorme do Galaxy Note de 2011 ou a biometria funcional e conveniente do iPhone 5s de 2013, por exemplo.
Por que não se inova mais como antigamente? Não é por falta de interesse das fabricantes. O mercado de telefonia móvel é um dos mais acirrados do planeta e um dos mais homogêneos, graças à força do Android e a componentes comoditizados, um cenário que dificulta, mas premia, diferenciais relevantes ao consumidor. Desenvolvê-los é difícil, porém. As margens são apertadas e praticamente duas empresas, Apple e Samsung, ficam com todo o lucro; as outras, com sorte, empatam.
Mas, pela importância que tem na vida das pessoas e por, cada vez mais, se consolidar como uma espécie de central para outras atividades e produtos, é difícil às empresas ignorar o smartphone. Pelo contrário: graças ao barateamento dos custos de projeto e da produção, temos visto aumentar o número de empresas que tentam morder um pedaço desse bolo, o que aumenta as sensações de mais do mesmo e de que não se inova mais.
A curva em S
A explicação para a falta de inovações talvez seja mais simples do que alguém poderia supor. Benedict Evans, analista da Andreessen Horowitz, uma das maiores firmas de capital de risco do Vale do Silício, tem uma boa teoria. Ele enxerga esses mercados como grandes “curvas em S”. Para Evans, tecnologias de consumo traçam um caminho tortuoso da concepção até a consolidação e saturação, momento em que a locomotiva da inovação desacelera e a indústria passa a priorizar aspectos menos empolgantes da operação.
A curva em S de Evans se divide em duas fases e começa com uma ideia maluca. No caso do smartphone, em 2007, quando a Apple apresentou o iPhone. Era um negócio de outro mundo; um computador de bolso com navegador web completo, app de mapas fácil de usar e uma experiência de usuário intuitiva e sem igual. Tudo isso foi insuficiente para convencer, de imediato, empresas rivais e os críticos. Esses diziam que o iPhone era um brinquedo caro e que o trabalho sério exigia um telefone “de verdade”, que tivesse teclado físico, como os BlackBerry da época, ou configurações mais avançadas, característica dos Nokia mais caros de então.
Subindo a curva, chegamos ao frenesi. Foi nesse período que os maiores avanços aconteceram, onde a inovação era evidente e cada geração representava grandes saltos em relação às anteriores. Novos recursos foram implementados (App Store; inclusão de recursos básicos inicialmente ausentes, como o “copiar e colar”; surgimento do Android) em paralelo a mudanças estruturais feitas para adequação do novo segmento (fim do Flash e do teclado físico; adaptações de sistemas corporativos para lidar com o iOS). Foi aqui, entre 2010 e 2012, que os declínios de BlackBerry e Nokia começaram a ser sentidos.
Nessa etapa, as inovações transcenderam o software e chegaram aos aparelhos em si. Não por acaso, muita gente considera o iPhone 4, de 2010, o ápice do design da Apple: foi o primeiro smartphone a usar materiais nobres em seu acabamento e a ter um design distintivo, icônico. As pessoas passaram a perceber o valor do produto e a conseguirem resolver seus problemas com ele. Mais gente usando fez com que mais segmentos se interessassem em atender a essa demanda, gerando um círculo vicioso. Era a consolidação: o smartphone deixou de ser um brinquedo caro para gente rica.
Então, chegamos à segunda metade da curva em S, onde o foco passa a ser distribuição. Aqui, vimos com efeito a bem sucedida estratégia do Google a fim de fazer o Android tomar o mundo, atendendo as especificidades de mercados menos maduros e ajudando a empurrar para baixo o preço dos smartphones. As ondas de choque das mudanças geradas pelo smartphone passaram a ser sentidas em outras indústrias. O PC, que fez o império da Microsoft e da Intel nos anos 1990 e na primeira metade dos anos 2000, perdeu o posto de centro do universo da tecnologia da informação; o smartphone o transformou em coadjuvante. Entramos, em definitivo, na Era Pós-PC.
No final da curva em S, atingimos a maturidade. É neste ponto onde estamos. Os vencedores — Apple, Google e Samsung — já foram definidos e se tornaram inalcançáveis. Aqui, a saturação começou a ganhar contornos fortes e a preocupação da indústria passou a ser buscar os últimos seres humanos adultos em mercados aptos que ainda não têm smartphone, número que, hoje, já deve estar empatado com o dos que têm um.
A próxima grande inovação
É natural, pois, que a essa altura a inovação arrefeça. Os maiores problemas impostos ao modelo do smartphone já foram sanados. O que vemos, pelo menos desde 2015, é um trabalho de finalização, de aparar arestas. Há espaço para coisas novas; poucas são as chances, porém, de que alguma delas tenha o impacto das que víamos anunciadas cinco anos atrás. As ideias mais inventivas são de nicho. No Mobile World Congress de 2015, em Barcelona, uma pequena empresa chamada Monohm apresentou o Runcible, um smartphone com tela redonda. Inovador? Sem dúvida, mas no grande esquema do mercado se tratava apenas de uma excentricidade que fez algumas manchetes em veículos especializados e, depois, cair no esquecimento.
Não é esse tipo de inovação que direcionará o restante do mercado nem o que desbancará as atuais líderes. Ele sequer surgirá no setor de smartphones. A inovação tão cobrada da Apple e de outras fabricantes deve surgir em outra área, na próxima tecnologia de consumo que assumirá o formato de curva em S.
Há precedente nesse movimento cíclico e ele não implica na obsolescência da categoria imediatamente anterior. Basta ver, a título comparativo e premonitório, o que aconteceu com a que precedeu os smartphones, a dos computadores pessoais. Eles atingiram maturidade há uma década e, ainda hoje, estão por aí, na parte plana da curva em S, ou seja, sem qualquer inovação relevante no período, mas atendendo bem a públicos específicos.
Qual será essa nova tecnologia? É uma questão dificílima de responder. Algumas incipientes despontam como candidatas: a realidade aumentada, de Pokémon Go e do ARKit, da própria Apple, é tida como promissora, embora lhe falte um suporte definitivo para deslanchar. A inteligência artificial, termo que engloba os últimos avanços em processamento de dados, é outra. O Google, por exemplo, já se posiciona como uma empresa “AI-first”, que prioriza a inteligência artificial. Pesa contra ela a abstração na consciência do consumidor — qualquer um que tenha uma conta no Google ou um smartphone já lida com produtos aperfeiçoados por inteligência artificial, mas o assunto, isoladamente, é muito difuso para ser empacotado e vendido como produto final. Fala-se também em interação por voz e chatbots (robôs de conversação). Carros autônomos? Internet das Coisas? Quem sabe?
Clay Shirky, escritor e professor norte-americano, disse que “quando uma tecnologia se torna enfadonha, os efeitos sociais [dela] ficam interessantes”. O smartphone é enfadonho, o que é ótimo: significa que ele está ao alcance de muita gente e tem um potencial gigantesco de mexer com a vida das pessoas e o tecido social. É provável que jamais vejamos um anúncio de celular tão fascinante quanto o do primeiro iPhone, ou o do iPhone 4, mas o que virá em seguida deve ser tão empolgante quanto. Só não sabemos, ainda, o que é.