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iPhone X, o mais recente lançamento da Apple, conta com tecnologia de reconhecimento facial para desbloqueio do celular. | BloombergDavid Paul Morris
iPhone X, o mais recente lançamento da Apple, conta com tecnologia de reconhecimento facial para desbloqueio do celular.| Foto: BloombergDavid Paul Morris

Imagine que você foi detido na alfândega, esperando para entrar em outro país. Ou talvez que você tenha sido flagrado cometendo uma infração de trânsito. Um policial pega o seu celular e mostra o aparelho para você. “Veja isso. Isso é seu? ", ele pergunta.  

Antes de você poder responder ao questionamento, um pequeno sensor infravermelho no celular já digitalizou todo o seu rosto. Combinando essa leitura com a armazenada em seu dispositivo, o celular conclui que o celular é seu e que você está tentando desbloqueá-lo. O dispositivo, então, reduz os mecanismos de defesa e entrega em questão de segundos todo o conteúdo do seu celular para o policial que está segurando o aparelho.

Sem você conseguir dizer uma palavra, o policial já conseguiu tudo o que queria, apenas posicionando o celular em frente ao seu rosto. 

Esse é o cenário de pesadelo que alguns especialistas em segurança e privacidade estão criando depois que a Apple apresentou na terça-feira passada o seu novo iPhone X (pronuncia iPhone 10), um dispositivo com poderoso recurso de reconhecimento facial para desbloqueio de tela. A tecnologia de reconhecimento facial, chamada de Face ID pela Apple, substitui o botão home e o leitor de impressões digitais (Touch ID). 

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Para todos os efeitos, o Face ID funciona exatamente como seu antecessor, o Touch ID. A única diferença é que, em vez de escanear sua impressão digital, o iPhone X escaneia seu rosto. É uma tecnologia bastante conveniente de usar e, por isso, foi considerada como um mecanismo para aumentar a segurança dos dispositivos, já que diminuiria a frequência de senha fracas, como  "121212". 

Mas o lançamento do Face ID também levantou o debate sobre violação de privacidade. Muitos especialistas de liberdade civil afirmam que a nova tecnologia trazida pela Apple representa um risco de violação da privacidade e de abuso de autoridades. 

"Você tem que trabalhar muito para colocar minha impressão digital em um leitor", afimrou Chris Calabrese, vice-presidente para assuntos políticos do Centro para Democracia e Tecnologia dos Estados Unidos. "Você precisa trabalhar muito menos para colocar um telefone na frente do rosto de alguém", completa o raciocínio.  

A polícia pode realmente forçá-lo a desbloquear seu telefone com apenas seu rosto?  

"Há algumas questões em aberto para saber se eles [autoridades policiais] poderiam ou não fazer com que você digitalize seu rosto ou sua impressão digital", afirmou Susan Hennessey, membro do Brookings Institution e editora-chefe do Lawfare, um importante blog de segurança nos Estados Unidos. “Em última análise, este é o próximo ponto a ser resolvido da já existente questão legal aberta.”

A lei é ambígua - e a incerteza provavelmente persistirá até que um processo judicial estabeleça regras mais claras, acreditam os analistas consultados pela reportagem do Washington Post. 

Enquanto você não pode ser legalmente obrigado a fornecer sua senha facial, alguns tribunais americanos decidiram que a aplicação da lei pode obrigá-lo a fornecer sua impressão digital sob certas condições.  Sob um padrão conhecido como "suspeita razoável", você pode ser obrigado a fornecer sua impressão digital. O mesmo padrão poderia ser aplicado aos seus dados faciais? Isso é o que não está claro.  

De qualquer maneira, os americanos desfrutam de uma camada adicional de proteção legal. Mesmo que um policial use suas informações biométricas para desbloquear um telefone, a autoridade precisa obter uma autorização de busca para vasculhar o celular. A busca em celulares sem mandado foi declarada inconstitucional pela Suprema Corte de Riley c. Califórnia, em 2014. 

Dado o quão confusa é a lei, não pode haver algum tipo de solução tecnológica?  

Uma solução tecnológica para o impasse pode estar em andamento. A nova versão do sistema operacional móvel da Apple, o iOS 11, provavelmente virá com um mecanismo de segurança que desativará o Touch ID e o Face ID.  Ao pressionar rapidamente o botão de energia cinco vezes consecutivas, o iPhone deixará de aceitar dados biométricos como mecanismo de desbloqueio e passará a pedir uma senha. 

A nova funcionalidade está presente na versão beta do iOS 11, segundo apurou Edward Snowden. A nova versão do iOS será lançada nesta terça-feira (19), quando será possível saber se o recurso realmente existe.

O mecanismo pode ser a alternativa criada pela Apple para que um usuário consiga proteger dados sensíveis, sem ter a sua vida digital inteira exposta. Mas a novidade não funcionará para todos - e nem em todas as ocasiões. No calor do momento, alguns podem esquecer o “macete” para desativar o Touch ID e o Face ID.  Ou talvez não tenham a oportunidade de ativá-lo antes que seu dispositivo seja confiscado.  

Essa questão vai se tornar altamente relevante para muitos usuários que têm o ceular como um companheiro constante. E assim como o policiamento afeta certas comunidades de forma diferente das outras, tecnologias como o reconhecimento facial podem por em perigo alguns usuários mais do que os outros. 

“Empresas responsáveis precisam se perguntar: ‘Onde paramos? Pensamos nas implicações?’”, ressaltou Katharina Kopp, diretora de assusntos políticos do Centro para a Democracia Digital, um grupo que atua em defesa da privacidade.

A polêmica no Brasil

No Brasil, a matéria ainda não é pacífica. Dois casos recentes, debatidos em artigo assinado por pesquisadores do InternetLab, centro interdisciplinar de pesquisa em direito e tecnologia, contrapõem entendimentos da nossa justiça.

Em um caso, contam os pesquisadores, o Superior Tribunal de Justiça determinou ilícita a devassa de dados e conversas obtidas pela polícia em celular apreendido em flagrante, sem prévia ordem judicial. Em outro, julgado no início de 2017 pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, o desembargador Jaime Ferreira Menino acatou as provas obtidas por entender que a lei confere à polícia atribuições de repressão e prevenção de crimes que abarcariam a possibilidade de checagem do aparelho.

A justificativa do magistrado não é unânime e recorre a alguns pontos que, mesmo constando em lei, estão em desacordo com as novas tecnologias. Na decisão, Menino disse que a proteção às comunicações privadas previstas no Marco Civil da Internet, por exemplo, só se aplicar quando “indivíduos estão conectados”, não bastando que apenas o dispositivo esteja. Os pesquisadores do InternetLab explicam que “a fronteira entre estarmos ou não conectados torna-se cada vez mais tênue, na medida em que nossos celulares estão persistentemente conectados. Com o celular no bolso não estamos mais online?”, questionam.

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