Precisamos falar sobre vídeos de pessoas ensinando a fazer comida, filmados do ponto de vista do cozinheiro. Você sabe de quais estou falando. Abra o Facebook ou o Instagram e provavelmente encontrará um, dois ou um bilhão deles.
Considere o “Sliders 4 Ways”, em que um par de mãos sem corpo se move em alta velocidade para transformar pãezinhos e uma grande variedade de carnes em um banquete real.
No primeiro ano em que foi publicado, o “Sliders 4 Ways” foi visto 194 milhões de vezes apenas no Facebook. Ou pegue o “Cheeseburger Onion Rings”, uma mistura de carne moída, temperos, cebolas e um jazz suave de sintetizador. Acumulou cerca de 167 milhões de visualizações em um ano.
Esses números não são um acaso. Fora os vídeos musicais e pornográficos, os que ensinam a fazer comida do ponto de vista do cozinheiro, com imagens incríveis, também chamados “food porn”, estão se tornando a coisa mais popular na Internet.
Ninguém sabe quem inventou esses vídeos de receita. Como memes de imagens macro ou o jogo Slender Man, eles provavelmente surgiram em algum antigo fórum de discussões. Mas, como o resto das coisas online, o formato desde então foi refinado, profissionalizado e monetizado. Hoje, a maioria desses vídeos é produzida por linhas de montagem de mídia em Los Angeles, Nova York, Tóquio e Londres por uma única entidade: o Tasty, uma divisão do BuzzFeed que transformou esse tipo de vídeo de receita em um negócio que cresce rapidamente.
O Tasty tem apenas dois anos, mas por várias medidas produz, hoje, parte do conteúdo digital mais popular do mundo. Segundo o Tubular Labs, firma de pesquisas que acompanha vídeos digitais, os do Tasty foram vistos cerca de 1,1 bilhão de vezes apenas em junho. Em alguns meses, a audiência passou dos três bilhões. O Tasty, que ganha a maior parte do seu dinheiro com vídeos patrocinados que faz para marcas, dá lucro, segundo um representante, e é a fonte de recursos que mais cresce no BuzzFeed.
Além do vídeo
Agora, o Tasty quer se expandir além dos clipes de receitas. A empresa começou a vender um produto chamado Tasty One Top, um cooktop (fogão com placa vitrocerâmica) conectado a um aplicativo e capaz de fazer várias tarefas, como refogar, ferver em fogo brando e preparar sous-vide. O equipamento, que custa US$ 149, vai começar a ser entregue no final deste ano. O One Top acompanha um livro de receitas, feito atendendo a pedidos, que o Tasty lançou no ano passado e que já vendeu mais de 150 mil cópias.
O cooktop e o livro traçam caminhos novos para a empresa de mídia social: o Tasty — e mais amplamente o BuzzFeed — está tentando se tornar algo como a Disney da era digital, uma marca de estilo de vida abrangente que cria conteúdo, experiências e produtos para uma audiência viciada em celulares.
“Depois do livro de receitas, percebi que o Tasty não era uma experiência nem uma página popular no Facebook com muita receita de publicidade”, conta Ashley McCollum, gerente geral da empresa. “O que estamos vendo, na verdade, é como transformar em negócio uma propriedade intelectual imensa produzida primeiro no digital. É o mesmo modelo das redes de mídia antigas — você faz um filme que as pessoas amam, depois constrói um parque temático e aí expande a ideia para produtos e tudo o mais”.
No BuzzFeed, esse formato de vídeo começou com uma equipe liderada por Emily Fleischaker, antiga editora de comida do escritório da empresa em Nova York; depois, um time de produtores de Los Angeles transformou a ideia em blockbuster.
Visitei recentemente a sede do Tasty em Los Angeles. O propósito geral era ver uma demonstração de seu cooktop e do novo aplicativo. O aplicativo destina-se a resolver um dos problemas mais óbvios da marca: como os vídeos são muito curtos (normalmente não passam de 90 segundos), pode ser um pouco difícil fazer algum prato de verdade a partir deles. O aplicativo facilita o processo: a pessoa clica em um passo da receita escrita e vê apenas aquela parte do vídeo.
O cooktop foi criado pelo Product Lab do BuzzFeed, uma equipe responsável por inventar “experiências de comércio social”, como velas com o cheiro da sua cidade ou fidget spinners que também funcionam como gloss labial. O equipamento ainda estava em um estágio inicial de protótipo quando o vi, mas se encontrava pronto o suficiente para que a principal chef de cozinha do Tasty, Claire King, preparasse um bife e um creme brûlée para mim.
Minha avaliação: o One Top parece funcionar muito bem. (Esse é um trabalho difícil.)
Método de trabalho
O destaque da visita, no entanto, foi uma caminhada pelo estúdio. Imagine um corredor longo e escuro com meia dúzia de estações de trabalho, cada uma equipada com câmeras e uma plataforma de iluminação sofisticada. Há pessoas por toda a parte — executivos, estagiários e filhos dos funcionários, que frequentemente participam dos vídeos da Tasty Junior —, mas existe um grupo mais importante do que os outros: os produtores.
Os produtores do Tasty trabalham de acordo com o que chamam de modelo de produção “empilhado”. Isso significa que cada um tem a tarefa de criar todas as partes do vídeo, concebem a receita, gravam e editam. Um produtor típico trabalha em um ou dois vídeos de 90 segundos por semana. A inspiração para seus filminhos vêm de várias fontes: receitas que estão na moda em outros lugares, pedidos e comentários do público, dados sobre o que obteve bons resultados antes.
O BuzzFeed é obcecado por aprender a partir de sucessos anteriores e, assim que descobre um tema ou formato que vai bem, tende a repeti-lo até que morra. É por isso que você vê muitos vídeos com queijo, carne, bacon e pasta, alguns dos ingredientes mais populares. E é por isso que os vídeos do Tasty sempre têm uma imagem provocante.
“Queijos e chocolate derretidos dão muita satisfação de assistir e quase fazem você suspirar alto porque são deliciosos. Tentamos criar esses momentos em todos os vídeos, seja com um ingrediente fácil como o queijo, em uma receita com um jeito divertido de usar os restos ou cozinhando de uma maneira que você nunca viu”, afirma King.
O Tasty funciona como uma mistura entre um laboratório de pesquisa e desenvolvimento e uma fábrica muito eficiente de dispositivos. Produz conteúdo de acordo com uma fórmula informal, mas está disposto a rompê-la para tentar algo novo ou expandi-la quando descobrir algo que faz sucesso. E aí faz barulho: exporta a fórmula para os clientes da marca, ou transforma em livros e equipamentos que custam dinheiro de verdade.
Essa ideia pode ser inesgotável, de verdade.